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Vol. 37. Núm. 11.
Páginas 921-922 (novembro 2018)
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Estratificação de risco nas síndromes coronárias agudas: quando o menos vale mais
Risk stratification in acute coronary syndromes: When less is more
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Jorge Ferreira
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, CHLO, Carnaxide, Portugal
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João Filipe Carvalho, Adriana Belo, Kisa Congo, David Neves, Ana Rita Santos, Bruno Piçarra, Ana Filipa Damásio, José Aguiar
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As síndromes coronárias agudas (SCA) incluem uma população heterogénea quanto ao diagnóstico e prognóstico, pelo que a estratificação de risco é uma parte essencial da estratégia de atuação1. Nos doentes com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SSST) a identificação precoce dos doentes de risco isquémico mais elevado permite a aplicação imediata de medidas com impacto positivo no prognóstico, como a estratégia invasiva para definição da anatomia coronária com vista à revascularização.

A estratificação de risco efetuada com a avaliação diagnóstica inicial é uma indicação Classe I, Nível de Evidência A nas guidelines para a gestão de doentes com SCA‐SSST da European Society of Cardiology e da American College of Cardiology/American Heart Association1,2. Utilizam‐se variáveis demográficas, clínicas, do eletrocardiograma (ECG) e da avaliação laboratorial. A idade mais avançada, a diabetes, a disfunção renal, a presença de instabilidade hemodinâmica, de sinais de insuficiência cardíaca, de alterações isquémicas no ECG e a elevação de biomarcadores de lesão miocárdica, da inflamação e da ativação neuro‐humoral constituem marcadores de mau prognóstico. A combinação e integração destes marcadores de risco em índices de risco aumenta a acuidade preditiva de eventos cardiovasculares3. Assim, a estratificação do risco isquémico deve ser realizada com índices de risco, sendo o score GRACE o que apresenta melhor desempenho na quantificação do risco isquémico na admissão e seleção de doentes para revascularização1,3.

No entanto, mesmo os doentes estratificados como de risco baixo na admissão podem ter uma evolução complicada e a sua identificação precoce representa um desafio para a estratificação de risco contínua. Com efeito, o desenvolvimento de sinais de insuficiência cardíaca após a admissão, a deteção de alterações isquémicas dinâmicas na monitorização contínua do segmento ST ou de disfunção sistólica ventricular esquerda no ecocardiograma modificam consideravelmente o nível de risco num doente inicialmente identificado como de risco baixo ou intermédio4,5. O mesmo ocorre com os doentes que apresentam doença grave na angiografia coronária, como a doença do tronco comum (TC) da coronária esquerda ou multivaso6.

Carvalho et al. avaliaram a prevalência, o prognóstico e os preditores de doença coronária do TC ou de três vasos (3V), em doentes incluídos no Registo Nacional de SCA e estratificados como de risco baixo na admissão pelo score GRACE (≤ 108 pontos)7. Esta população representou cerca de 20% do universo de doentes com SCA‐SSST, o que é um pouco inferior à descrita em outro estudo português3. Nos doentes de risco baixo, a angiografia coronária identificou doença do TC ou 3V em 18%, pelo que 3,5% dos doentes com SCA sem supra de ST apresentaram simultaneamente risco baixo e doença coronária grave. Como seria de esperar, a prevalência de doença coronária grave nestes doentes de risco baixo é muito inferior à prevalência média descrita em registos observacionais8.

A presença de TC ou 3V associou‐se a maior risco de morte (0,9% versus 0%) e de eventos adversos cardíacos e cerebrovasculares major (4,1% versus 2,5%) intra‐hospitalares, bem como a maior risco de morte a um ano (2,4% versus 0,5%), em comparação com os doentes sem TC ou 3V. Porém, estas diferenças não foram significativas, e para tal pode ter contribuído o facto da maioria dos doentes ter realizado angiografia coronária nas primeiras 24 horas após a admissão. Efetivamente, a revascularização precoce após deteção de TC ou 3V pode ter contribuído para a modificação do risco absoluto associado à doença coronária grave.

Os autores identificaram como preditores independentes de TC ou 3V a idade (OR 1,03 [IC 95% de 1,01‐1,05] por cada aumento de um ano), o sexo masculino (OR 2,56 [IC 95% de 1,56‐4,17]), a história de insuficiência cardíaca (OR 3,38 [IC 95% de 1,02‐11,15]) e de doença arterial periférica (OR 3,21 [IC 95% de 1,47‐7,00]) e a frequência cardíaca (OR 1,02 [IC 95% de 1,01‐1,03] por cada aumento de 1 bpm). É interessante notar que a idade e a frequência cardíaca são variáveis incorporadas no score GRACE, que estratificou estes doentes como de risco baixo. Este aparente paradoxo pode estar relacionado com o facto de ambas as variáveis serem numéricas, o que condiciona risco contínuo. Por outro lado, o desempenho do score GRACE foi apropriado, porque o risco absoluto de mortalidade intra‐hospitalar no grupo com doença do TC/3V ficou dentro da estimativa que este índice atribui aos doentes de risco baixo, isto é, menos de 1%9.

A história prévia de insuficiência cardíaca e de doença arterial periférica são também marcadores de risco nas SCA e associam‐se mais frequentemente a doença coronária grave8. No entanto, a presença de qualquer destes preditores de gravidade da doença coronária dificilmente servirá para selecionar um doente para angiografia coronária precoce, porque na prática clínica diária são os doentes de risco baixo os que mais facilmente têm acesso à estratégia invasiva. Efetivamente, esta inversão na orientação terapêutica guiada pelo risco tem sido observada em diversos estudos como no Registo GRACE, onde a angiografia coronária foi utilizada em 72% dos doentes de risco baixo, em 68% dos doentes de risco intermédio e em apenas 51% dos doentes de risco elevado10. Ao contrário desta realidade que carece de modificação, a estratificação de risco deve ser efetuada em todos os doentes com SCA‐SSST para selecionar os de risco mais elevado para angiografia coronária precoce, como estabelecido em guidelines1,2.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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