Um homem de 69 anos de idade, caucasiano, foi transferido para a nossa Instituição Hospitalar com os diagnósticos de aneurisma da aorta ascendente e suspeita de dissecção aguda da aorta, de tipo A.
Tinha antecedentes pessoais de hipertensão arterial, irregularmente medicada, diabetes mellitus tipo 2 e hábitos tabágicos pregressos (35 UMA). Apresentava queixas de cansaço e dispneia de esforço, com um ano de evolução e de agravamento progressivo. O atual internamento havia sido motivado por dor toraco-epigástrica com irradiação ao dorso, acompanhada de dispneia, com um dia de evolução. Na observação inicial, o doente encontrava-se hipertenso e salientava-se um sopro diastólico aórtico grau iv/vi. As análises e o eletrocardiograma iniciais eram normais. A avaliação ecocardiográfica transtorácica evidenciou marcada dilatação da raiz da aorta e aorta ascendente (diâmetro transverso máximo: 71mm), com regurgitação aórtica major associada. Uma imagem duvidosa de flap intimal conduziu à realização de um ecocardiograma transesofágico, que confirmou a dilatação aneurismática da raiz aórtica e aorta ascendente (diâmetro transverso máximo: 71mm), poupando a crossa e a aorta descendente. A válvula aórtica era tricúspide e apresentava regurgitação grave por ausência de coaptação dos folhetos valvulares e, finalmente, havia uma imagem linear com movimento sugestivo de flap intimal, em relação com o seio coronário direito, que poderia corresponder a traço de dissecção (Figuras 1 e 2). A TC torácica, realizada ainda no hospital de origem, confirmou a dilatação aórtica mas refutou a hipótese de dissecção ou rutura.
Na admissão no nosso hospital, o doente encontrava-se assintomático, sob terapêutica com nitratos e beta-bloqueante e hemodinamicamente estável. Realizou ressonância magnética cardíaca que evidenciou a dilatação aneurismática da aorta limitada à raiz da aorta e aorta ascendente (diâmetro transverso máximo: 65mm), excluindo a hipótese de dissecção ou rutura (Figuras 3 e 4). O cateterismo cardíaco pré-operatório excluiu doença coronária e a aortografia, efetuado no mesmo ato, documentou ectasia anulo-aórtica (diâmetro transverso máximo de 75mm, ao nível da aorta ascendente) (Figura 5). Assim, o doente foi submetido a cirurgia, tendo sido efetuada a operação de Bentall com implantação de próteses valvular aórtica Carpentier n.° 25 e tubular Vascutek n.° 28. O pós-operatório decorreu sem intercorrências e o doente teve alta 5 dias depois. A análise anátomo-patológica da parede arterial ressecada mostrou numerosas placas de aterosclerose, com ulceração focal.
A ectasia anulo-aórtica pode ocorrer como condição isolada ou como parte de uma doença generalizada do tecido conectivo, tal como na Síndrome de Marfan ou na Síndrome de Ehlers-Danlos. A maioria dos casos de aneurisma da aorta ascendente está associada a alterações degenerativas na camada média elástica da parede, ao contrário da maioria dos aneurismas da aorta torácica descendente, habitualmente associados a aterosclerose. O desenvolvimento de ateromas invasivos associa-se a uma extensa destruição das fibras elásticas e das células musculares da camada média da parede aórtica, enfraquecendo-a e predispondo à dilatação1. Outras causas menos comuns de ectasia anulo-aórtica são: aneurismas associados a dissecção da aorta ou a doença valvular aórtica (nomeadamente bicuspídia aórtica); a arterite aórtica, infeciosa (nomeadamente luética) ou inflamatória e o trauma2. A associação possível da ectasia anulo-aórtica à dissecção da aorta torna obrigatória a exclusão deste diagnóstico, muitas vezes difícil e só possível com recurso a múltiplas técnicas de imagem, como ilustrado no caso apresentado.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.