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Vol. 38. Núm. 6.
Páginas 417-418 (junho 2019)
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E a clínica continua soberana
Clinical findings remain paramount
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Gláucia Maria Moraes de Oliveira
Autor para correspondência
glauciamoraesoliveira@gmail.com

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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
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A medicina personalizada, mais centrada no paciente e baseada em dados, como os obtidos com inteligência artificial, traz um novo paradigma para a relação médico‐paciente, valoriza o raciocínio clínico e a capacidade de entender o ser humano como um sistema biológico complexo, em que é preciso agregar múltiplos fatores, metabólicos, comportamentais e ambientais, para a obtenção do melhor benefício para a abordagem terapêutica dos pacientes1.

Observou‐se recentemente uma diminuição significativa da mortalidade por doença cardiovascular (DCV) na Europa e, em alguns países, a mortalidade dos homens por câncer ultrapassou a observada por DCV2. O envelhecimento e o adoecimento da população, que se apresenta com múltiplas comorbidades, serão um desafio adicional para a prática clínica, multiplicarão a complexidade e obrigarão a revisão dos algoritmos clínicos para diagnóstico e prognóstico, assim como sua atualização no contexto dos novos dados epidemiológicos.

Esse novo cenário pode ser exemplificado pelos pacientes com câncer e tromboembolismo pulmonar (TEP), nos quais a apresentação clínica com instabilidade hemodinâmica agrega prognóstico adverso sabidamente conhecido e classifica‐os como de alto risco para eventos adversos. No entanto, os pacientes com estabilidade hemodinâmica estratificados como de risco intermediário representam um desafio, e a diretriz da ESC chamou a atenção para a necessidade de sua reclassificação em risco intermediário‐baixo e intermediário‐alto de acordo com a presença de disfunção ventricular direita e de marcadores de injúria miocárdica3.

No início dos anos 2000, Kucher et al.4 ressaltaram a importância da probabilidade pré‐teste de TEP agregada à apresentação clínica representada pelo índice de choque (IC), que é a razão entre frequência cardíaca e pressão arterial sistólica, para a correta abordagem terapêutica desses pacientes, reduzindo sua mortalidade em 30 dias. Ozsu et al.5 combinaram a avaliação da troponina e a feitura do ecocardiograma ao IC, com melhoria na estratificação do risco de morte em 30 dias dos pacientes com TEP. Bach et al.6, em outra coorte de pacientes com TEP, salientaram que os parâmetros circulatórios, que são simples e de baixo custo, têm um valor prognóstico igual ou maior do que os escores clínicos aplicados no estudo, como o índice de gravidade de embolia pulmonar (pulmonary embolism severity index – PESI) na sua versão original e simplificada.

Ferreira et al.7 aplicaram o modelo semelhante ao de Kucher et al.4 nos pacientes com câncer, e ampliaram a observação até um ano em uma coorte retrospetiva em um único centro. A possibilidade de estratificar os pacientes na apresentação clínica inicial torna‐se muito atraente, especialmente com a previsão de risco de morte em um ano7. Precisamos, porém, ser cuidadosos na avaliação dos resultados apresentados pelos autores daquela pesquisa, que mais parece um estudo formulador de hipóteses. Tais hipóteses precisarão ser testadas em múltiplas coortes com grande número de pacientes, nas quais se possa identificar a interação dos fatores prognósticos, e ainda precisarão ser validadas em outras populações. É especialmente relevante a avaliação dos tipos de neoplasias e seus graus de evolução, que certamente contribuirá sobremaneira para o prognóstico de médio e longo prazo. No estudo de Ferreira et al.7, houve pouca frequência de injúria miocárdica ventricular direita e as neoplasias e o seu estadiamento não foram documentados, o que limita a aplicabilidade dos índices sugeridos.

O artigo de Ferreira et al.7 traz, porém, uma contribuição adicional, que é o questionamento sobre o papel da história e do exame físico nos dias atuais, quando se põe grande ênfase na decisão clínica baseada em tecnologia,8 com a abundância de métodos laboratoriais e de imagem. Ozsu et al.5 propõem a combinação da anamnese e do exame físico com os métodos de imagem e reforçam a necessidade do uso de tecnologia. Por outro lado, Ferreira et al.7 nos reportam aos primeiros aprendizados de semiologia, com a aferição dos sinais vitais. Segundo Grüne9, a avaliação correta desses métodos, anamnese e do exame físico, que também são testes diagnósticos, representa pré‐condição para a implantação de uma medicina baseada em valor, tão propagada nos dias atuais.

O exame físico continua a ser uma parte vital da relação médico‐paciente, ainda que a ênfase no desenvolvimento de habilidades para elaboração e confirmação de hipóteses no ensino médico tenha diminuído na atualidade, principalmente pela superestimação dos dados fornecidos pelos demais exames diagnósticos10. Uma abordagem orientada por dados observados no exame físico, como o IC, certamente se aproximará mais da medicina personalizada, aumentará o valor e a eficiência da medicina, além de permitir aos médicos ampliar sua percepção da complexidade do ser humano em todas as suas dimensões: física, mental e espiritual1.

Conflitos de interesse

A autora declara não haver conflitos de interesse.

Referências
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