Informação da revista
Vol. 32. Núm. 11.
Páginas 855-856 (novembro 2013)
Vol. 32. Núm. 11.
Páginas 855-856 (novembro 2013)
Comentário editorial
Open Access
Desigualdades socioeconómicas e doenças cardiovasculares
Equity, socioeconomic inequalities and cardiovascular disease
Visitas
8226
Paulo Sousa
Departamento de Estratégias de Ação em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal
Conteúdo relacionado
Rev Port Cardiol. 2013;32:847-5410.1016/j.repc.2013.01.008
Sónia Ribeiro, Cláudia Furtado, João Pereira
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Texto Completo

É sobejamente conhecido que as doenças cardiovasculares (DCV) constituem a principal causa de mortalidade e morbilidade nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, com consideráveis custos sociais e económicos associados, sendo por isso consideradas um importante problema de saúde pública a que urge dar resposta1–3. De acordo com um recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), essa tendência persistirá, pelo menos, até ao ano 20304.

Paralelamente, a conjugação de um conjunto de situações vieram criar alguns desafios no âmbito das doenças cardiovasculares, a nível nacional e internacional, entre os quais se destacam: i) o desenvolvimento dos conhecimentos decorrentes da investigação biomédica; ii) as modificações da patologia ao longo do tempo; iii) as alterações demográficas com particular destaque, pelas suas profundas implicações, para o aumento da esperança de vida; iv) os estilos de vida e consequente aumento dos fatores de risco (destacando-se tabagismo, sedentarismo, diabetes, obesidade, hipertensão, para destacar apenas alguns); v) a crescente incorporação de novas tecnologias e diferentes estratégias terapêuticas na prática clínica, cada vez mais avançadas, sofisticadas e dispendiosas; vi) a busca de sistemas de prestação com a máxima qualidade e segurança; vii) a espiral de crescimento dos custos associados aos cuidados de saúde; viii) o facto de alguns autores apontarem para a existência de uma associação entre as DCV e o nível socioeconómico, remetendo para a necessidade de estudos mais aprofundados no sentido de se avaliar eventuais desigualdades a esse nível.

As desigualdades no modo como os indivíduos nascem e se desenvolvem, e que se repercutem na educação, ocupação ou habitação, têm origem ao nível macro, nomeadamente nas políticas públicas, sociais e macroeconómicas, nos valores da sociedade e no contexto sociopolítico5. Assim, as características socioeconómicas do indivíduo podem condicionar a exposição a situações que poderão influenciar o seu estado de saúde, afetar o estilo de vida e as opções que tomam e interferir no acesso aos cuidados de saúde.

Dentro das características dos indivíduos que podem afetar a utilização dos cuidados de saúde podemos distinguir os fatores de predisposição e os fatores capacitantes. Nos fatores de predisposição insere-se o nível educacional e cultural, a ocupação, a etnia e as redes sociais e familiares. Por sua vez estes fatores influenciam as convicções em saúde (atitudes e valores perante a saúde e cuidados de saúde) as quais podem condicionar a subsequente perceção de necessidade e utilização de serviços de saúde. De acordo com Pereira e Furtado (2012), tais fatores determinam o empowerment do indivíduo para utilizar os cuidados de saúde disponíveis6.

Quanto ao grupo de fatores de capacitação destacam-se os meios necessários para o indivíduo aceder aos serviços de saúde como sejam o rendimento ou capacidade de pagar e a área de residência. As características dos indivíduos a par com as características do sistema de prestação de cuidados de saúde vão condicionar a utilização dos mesmos.

As iniquidades em saúde têm origem nos determinantes sociais da saúde, como por exemplo a educação ou o trabalho, mas também nos estilos de vida da população e, essencialmente, no acesso aos cuidados de saúde. Dessa forma, o estado de saúde das populações deve ser encarado em função dos serviços de saúde, mas também em função das condições em que as pessoas nascem, crescem, habitam e trabalham7. A diminuição das desigualdades em saúde obtém-se atuando nos fatores determinantes, entre os quais o acesso aos cuidados de saúde. Ou seja, a equidade no acesso aos cuidados de saúde é apenas um dos fatores que promove a equidade no estado de saúde.

Embora a temática da garantia de equidade na saúde e no acesso aos cuidados de saúde esteja presente nos principais documentos de política e planeamento de saúde em Portugal, não se assistiu, ainda, a uma estratégia coordenada que vise promover a sua efetivação.

Tais estratégias deverão incidir, preferencialmente, em áreas clínicas onde o peso de doença (burden disease) seja significativo (quer por critérios epidemiológicos, nomeadamente pela incidência e prevalência, quer pelos custos associados) e, também, onde haja um conjunto de evidência que aponte no sentido, ou que confirme, a existência de desigualdades, quer na forma como a doença se encontra «distribuída» (grupos de risco ou grupos vulneráveis) quer no acesso aos cuidados de saúde.

Tendo em consideração a «carga da doença» cardiovascular nas sociedades consideradas desenvolvidas e o seu consequente impacto a nível social e económico torna-se necessário investir, por uma lado na prevenção da doença e promoção da saúde (adaptando às diferentes características dos grupos-alvo, nomeadamente educacionais, sociais, económicas, geográficas, culturais, entre outras), por outro na garantia de equidade no acesso aos cuidados de saúde.

Não obstante o conceito de equidade estar contemplado na legislação do sistema de saúde português (nomeadamente na Constituição da República, artigo 64.°, Direito à saúde e na Lei de Bases da Saúde) tem sido dedicada pouca atenção à promoção, concretização e monitorização desse desiderato. Recentemente, a OMS avaliou o PNS 2004-2010, tendo identificado e evidenciado algumas das suas potencialidades e limitações. Segundo esse relatório, o PNS dedicou pouca atenção ao tema da equidade em saúde, nomeadamente ao nível das estratégias e programas para combater as desigualdades em saúde8. Num outro documento, destinado a avaliar o desempenho do sistema de saúde português, a OMS apontou para melhorias assinaláveis no sistema de saúde tendo, no entanto, destacado a persistência de diferenças significativas no estado de saúde dos portugueses de acordo com o género, região geográfica e nível socioeconómico (por nível educacional ou de rendimento)9. De acordo com os autores, o sistema de saúde português tem como desafio para a consolidação e melhoria do estado de saúde dos cidadãos a diminuição dos níveis de desigualdade entre grupos e a adequação de resposta às expectativas dos portugueses.

São resultados de estudos de investigação, como o que é publicado neste número da revista, que nos ajudam a compreender melhor e, acima de tudo, a definir estratégias no sentido de diminuir as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde. Tais estratégias visam contribuir para um sistema de saúde mais efetivo, eficiente e equitativo e, de forma «indireta», para uma sociedade mais justa, homogénea e solidária.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
H. Krumholz.
The year in epidemiology, health services, and outcomes research.
J Am Coll Cardiol, 46 (2005), pp. 1362-1370
[2]
J. Leal, R. Luengo-Fernández, A. Gray, et al.
Economic burden of cardiovascular diseases in the enlarged European Union.
Eur Heart J, 27 (2006), pp. 1610-1619
[3]
Scholte op Reimer W, Simmoons ML, Boersma E, et al. ed. lit. – Cardiovascular disease in Europe: Euro Heart Survey 2006. European Society of Cardiology. Sophia Antipolis, France 2006.
[4]
World Health Organization. World Health Statistics 2012. Geneva, 2012.
[5]
Commission on Social Determinants of Health.
Closing the Gap in a Generation: health equity through action on the social determinants of health. Final Report of the Commission on Social Determinants of Health.
World Health Organization, (2008),
[6]
Pereira J. Furtado, C. Equidade e Acesso aos Cuidados de Saúde, In. Plano Nacional de Saúde 2012-2016.
[7]
F. Diderichsen, I. Andersen, C. Manuel.
Health Inequality - determinants and policies.
Scand J Public Health., 40 (2012), pp. 12-25
[8]
World Health Organization.
External Evaluation of the Portuguese National Health Plan (2004-2010).
WHO Regional Office for Europe, (2010),
[9]
World Health Organization.
Portugal - Health system performance assessment: 2010.
WHO Regional Office for Europe, (2010),
Copyright © 2013. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Baixar PDF
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.