Os autores apresentam casuística de centro único com a duração de cerca de sete anos (janeiro de 2003 a dezembro de 2010) de 106 octogenários submetidos a implantação cirúrgica de prótese biológica em posição aórtica por estenose valvular aórtica grave sintomática1. De notar que apenas foi efetuada a substituição valvular aórtica dado terem sido excluídos da presente análise os doentes que apresentavam outras lesões valvulares ou doença coronária com indicação cirúrgica. Os objetivos do presente estudo foram avaliar os resultados desta população no que se refere à mortalidade total e algumas das complicações habitualmente associadas a esta intervenção, como os acidentes vasculares cerebrais (AVC), a necessidade de implantação de pacemakers, a hemodiálise transitória e apreciar a relevância e valor preditivo dos scores de risco habitualmente mais usados na definição do risco operatório dos doentes submetidos a cirurgia cardíaca (Euroscore I, Euroscore II e STS)2,3.
Parece claro que os resultados apresentados no que se refere a mortalidade (5,7%), AVC (1,9%) e necessidade de implantação de pacemaker (4,7%) não se afastam dos resultados apresentados em algumas das melhores séries publicadas4–6, o que deve constituir natural motivo de satisfação para os autores e não motivo de discussão. Provavelmente seria interessante comparar os resultados com população com maior risco e com patologias associadas. Tal foi efetuado numa publicação que mostrou os resultados de mais de 140000 doentes englobados na base de dados da STS7. No entanto, é de referir que nessa análise baixo risco foi definido com cut‐off de 4% sem desvio padrão podendo eventualmente envolver doentes com menor risco que os da casuística apresentada.
A população avaliada no presente trabalho apresenta risco cirúrgico baixo de acordo com as classificações comummente usadas nesta situação. Para este resultado concorre seguramente a exclusão de situações como doenças valvulares associadas ou doença coronária com indicação cirúrgica. É importante também notar que foram implantadas próteses biológicas com mediana de 21, sabendo‐se do pior prognóstico associado a válvulas mais pequenas7.
A avaliação dos diversos scores de risco mostram boa relação para o Euroscore II e o STS, scores nos quais a idade tem valor relativo o que não acontece no Euroscore I no qual a idade assume peso muito importante.
No entanto, o que parece mais relevante é que estes scores avaliam o risco de mortalidade precoce associada à cirurgia, mas nesta população de baixo risco 30 dias é seguramente pouco e, assim, deverão ser desenhados scores que respondam melhor às características destes doentes. Tal como os autores sublinham na discussão, será desejável desenhar scores que tenham em conta outros fatores não considerados nos atuais como a extensa calcificação da aorta (aorta de porcelana), insuficiência respiratória grave requerendo oxigenoterapia prolongada, cirrose hepática, deformação torácica ou pós‐irradiação, imobilidade, demência (ou quadros mal definidos de demência like) e «fragilidade», embora conhecendo‐se a dificuldade em definir estas situações8,9. Também seria desejável incluir prazos de avaliação mais dilatados no tempo e não apenas o imediato ou a 30 dias. Parece claro que, por exemplo, o tempo de recuperação até atividade plena (evidentemente sobreponível à prévia cirurgia/substituição valvular) é muito importante numa população com esperança de vida reduzida10. O advento de alternativas sem recurso à esternotomia, permitindo menorizar o internamento hospitalar e reduzindo a morbilidade associada a esta técnica, poderá vir a modificar a prática futura11.
Parece clara a necessidade de melhorar a qualidade dos atuais scores para a avaliação do risco em doentes com estenose valvular aórtica, mesmo tendo em conta que os atuais (Euroscore II e STS) definem bem o risco da maioria dos doentes, mas não contemplam algumas situações que elevam significativamente o risco ou que podem mesmo constituir contraindicação para a substituição valvular aórtica cirúrgica.