Informação da revista
Vol. 35. Núm. 4.
Páginas 229-231 (Abril 2016)
Visitas
6037
Vol. 35. Núm. 4.
Páginas 229-231 (Abril 2016)
Cardiologia baseada na evidência
Open Access
Cochrane Corner: uso do balão intra‐aórtico em doentes com enfarte agudo do miocárdio complicado com choque cardiogénico
Cochrane Corner: Intra‐aortic balloon pump in patients with cardiogenic shock following myocardial infarction
Visitas
6037
Daniel Caldeiraa,b,c,
Autor para correspondência
dgcaldeira@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Hélder Pereirac, João Costaa,b,d,e, António Vaz‐Carneirod,e
a Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Unidade de Farmacologia Clínica, Instituto de Medicina Molecular, Lisboa, Portugal
c Serviço de Cardiologia, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal
d Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
e Centro Colaborador Português da Rede Cochrane Iberoamericana, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (1)
Resumo

A melhoria de parâmetros hemodinâmicos justifica o uso do balão intra‐aórtico (BIA) em doentes com enfarte agudo do miocárdio (EAM) complicado por choque cardiogénico. Esta revisão sistemática da Cochrane avaliou o potencial impacto desta intervenção na mortalidade. Foram avaliados sete ensaios clínicos aleatorizados e controlados com um total de 790 doentes (quatro estudos utilizando a terapêutica médica como comparador e três estudos compararam o BIA com outros dispositivos de assistência ventricular). O uso de BIA não reduziu significativamente a mortalidade a curto ou a longo prazo nos doentes com EAM e choque cardiogénico. Não existe evidência que suporte o seu uso sistemático nestes doentes.

Palavras‐chave:
Choque cardiogénico
Enfarte agudo do miocárdio
Balão intra‐aórtico
Dispositivo de assistência ventricular
Abstract

Improvement of hemodynamic parameters is the rationale for the use of intra‐aortic balloon pump counterpulsation (IABP) in patients with cardiogenic shock following acute myocardial infarction (MI). This Cochrane systematic review evaluated the impact of this intervention in reducing mortality. Seven randomized controlled trials with a total of 790 patients were included (four using medical therapy as a comparator, and three comparing IABP with other ventricular assist devices). IABP did not reduce mortality in either the short or long term. Therefore, the systematic use of IABP in patients with cardiogenic shock following MI cannot be recommended.

Keywords:
Cardiogenic shock
Myocardial infarction
Intra‐aortic balloon pump
Left ventricular assist device
Texto Completo

Unverzagt S, Buerke M, de Waha A, Haerting J, Pietzner D, Seyfarth M, Thiele H, Werdan K, Zeymer U, Prondzinsky R. Intra‐aortic balloon pump counterpulsation (IABP) for myocardial infarction complicated by cardiogenic shock. Cochrane Database of Systematic Reviews 2015, Issue 3. Art. No.: CD007398. DOI: 10.1002/14651858.CD007398.pub3.

Questão clínica

Qual o impacto prognóstico da utilização do balão intra‐aórtico (BIA) em doentes com enfarte agudo do miocárdio (EAM) complicado por choque cardiogénico1?

Objetivos

Avaliar a eficácia e segurança do BIA comparativamente com estratégias que não utilizam este dispositivo em doentes com EAM e choque cardiogénico.

Tipo e descrição do estudo

Foi realizada uma revisão sistemática que incluiu ensaios clínicos controlados e aleatorizados (RCT) que avaliaram doentes com EAM complicado por choque cardiogénico1. Foram considerados todos os RCT que avaliassem o uso de BIA comparativamente com regimes terapêuticos alternativos (que podiam incluir outros dispositivos de assistência ventricular).

Em outubro de 2013 foram pesquisadas as bases de dados de Ensaios Clínicos da Cochrane Library (CENTRAL), assim como a MEDLINE, EMBASE, LILACS, IndMed, KoreaMed e registos internacionais de ensaios clínicos.

Os resultados dos estudos foram agregados em meta‐análises. As variáveis dicotómicas associadas ao tempo (time to event) foram expressas através de hazard ratio (HR) e respetivo intervalo de confiança 95% (IC 95%), e as variáveis dicotómicas puras foram expressas através de odds ratio (OR) e respetivo IC 95%.

Resultados

Foram incluídos na revisão sistemática 7 RCT com um total de 790 doentes (406 no grupo experimental e 384 no grupo de controlo), quatro estudos comparando BIA com terapêutica standard e três estudos comparando BIA com outros dispositivos de assistência ventricular (dois com TandemHeart® e um com Impella®).

Todos os estudos foram conduzidos sem ocultação das intervenções para as quais os doentes tinham sido alocados. Nestes ensaios clínicos todos os doentes foram revascularizados: 95% com angioplastia primária e 5% com fibrinolíticos. O tempo médio de suporte hemodinâmico com o BIA foi de 59 horas.

A proporção de eventos letais aos 30 dias foi aproximadamente 40%. A análise agregada dos ensaios clínicos não demonstrou benefício da utilização do BIA na mortalidade a 30 dias após o evento índice (HR 0,95; IC 95%: 0,76‐1,19) (Figura 1). O risco de morte aos seis meses também foi similar às outras estratégias (OR 0,96; IC 95%: 0,71‐1,30).

Figura 1.

Risco de morte a 30 dias com a utilização do BIA. Adaptado de: Unverzagt et al.1. BIA: balão intra‐aórtico; DAV: dispositivos de assistência ventricular; HR: hazard ratio; IC 95%: intervalo de confiança de 95%; RCT: ensaios clínicos controlados e aleatorizados.

(0,12MB).

Durante o internamento, 15 de 364 (4,12%) doentes do grupo experimental apresentaram eventos adversos graves (reenfarte ou acidente vascular cerebral [AVC]), comparando com cinco de 363 (1,38%) do grupo de controlo.

Conclusões

A melhor evidência disponível, baseada nos RCT, não suporta o uso sistemático do BIA em doentes com choque cardiogénico secundário a EAM com o intuito de melhorar o prognóstico vital.

Comentário

O choque cardiogénico complica 5‐7% dos EAM apresentando taxas de mortalidade muito elevadas2. Trata‐se de um contexto clínico muito desfavorável, em que a evidência é escassa e apenas a revascularização coronária mostrou reduzir a mortalidade de forma significativa aos seis meses3.

A insuflação diastólica do BIA, no segmento torácico da artéria aorta, apresentava argumentos fisiológicos que prediziam a melhoria de alguns parâmetros hemodinâmicos com potencial impacto prognóstico, nomeadamente a melhoria do fluxo coronário, a diminuição da pós‐carga e a melhoria do índice cardíaco. Tal como todas as intervenções em saúde, o seu uso sistemático deve basear‐se em estudos metodologicamente robustos. Neste caso, o BIA não mostrou ser eficaz na redução da mortalidade a curto ou a longo prazo, na análise agregada de dados de ensaios clínicos1,4. Em relação aos eventos adversos classicamente associados ao BIA (AVC, isquemia crítica de artérias periféricas, hemorragia ou sépsis), o estudo mais robusto (IABP‐SHOCK II) não mostrou diferenças significativas entre esta intervenção e terapêutica médica5.

Deve‐se alertar que a avaliação global do efeito do BIA promovida por esta revisão sistemática é limitada por alguns fatores: a ausência de ocultação em relação às terapêuticas alocadas nos ensaios clínicos, a existência de estudos com amostras de pequena dimensão e elevada taxa de crossover e a presença de doentes já com BIA antes da inclusão nos estudos.

Implicações clínicas

As normas de orientação clínica da Sociedade Europeia de Cardiologia vigentes para o EAM com supradesnivelamento do segmento ST referem que a utilização do BIA pode ser considerado (recomendação IIb, nível de evidência B) nos doente com EAM complicado com choque cardiogénico6. Os outros dispositivos de assistência ventricular (de uma forma geral, sem especificar) apresentam o mesmo nível de recomendação (IIb) com nível de evidência inferior (nível de evidência C)6.

As normas de orientação americanas (conjuntas da American College of Cardiology Foundation e American Heart Association) apresentam uma recomendação IIa (nível de evidência B) para os doentes com EAM e choque cardiogénico que permaneçam instáveis sob terapêutica médica7.

Desta forma, este dispositivo apresenta um papel secundário no tratamento destes doentes e a sua utilização por rotina não deve ser recomendada, uma vez que não existe um benefício claro da intervenção.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências
[1]
S. Unverzagt, M. Buerke, A. de Waha, et al.
Intra‐aortic balloon pump counterpulsation (IABP) for myocardial infarction complicated by cardiogenic shock.
Cochrane Database Syst Rev., 3 (2015), pp. CD007398
[2]
R.J. Goldberg, F.A. Spencer, J.M. Gore, et al.
Thirty‐year trends (1975 to 2005) in the magnitude of, management of, and hospital death rates associated with cardiogenic shock in patients with acute myocardial infarction: a population‐based perspective.
Circulation., 119 (2009), pp. 1211-1219
[3]
J.S. Hochman, L.A. Sleeper, J.G. Webb, et al.
Early revascularization in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic shock. SHOCK Investigators. Should we emergently revascularize occluded coronaries for cardiogenic shock.
N Engl J Med., 341 (1999), pp. 625-634
[4]
H. Thiele, U. Zeymer, F.J. Neumann, et al.
Intraaortic balloon pump in cardiogenic shock II (IABP‐SHOCK II) trial investigators. Intra‐aortic balloon counterpulsation in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic shock (IABP‐SHOCK II): final 12 month results of a randomised, open‐label trial.
Lancet., 382 (2013), pp. 1638-1645
[5]
H. Thiele, U. Zeymer, F.J. Neumann, et al.
IABP‐SHOCK II Trial Investigators. Intraaortic balloon support for myocardial infarction with cardiogenic shock.
N Engl J Med., 367 (2012), pp. 1287-1296
[6]
P.G. Steg, S.K. James, D. Atar, et al.
Task Force on the management of ST‐segment elevation acute myocardial infarction of the European Society of Cardiology (ESC),. ESC Guidelines for the management of acute myocardial infarction in patients presenting with ST‐segment elevation.
Eur Heart J., 33 (2012), pp. 2569-2619
[7]
C.W. Yancy, M. Jessup, B. Bozkurt, et al.
American College of Cardiology Foundation; American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. 2013 ACCF/AHA guideline for the management of heart failure: a report of the American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines.
J Am Coll Cardiol., 62 (2013), pp. e147-e239
Copyright © 2015. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.