Apesar da patente deceção nos resultados do artigo «Knowledge about cardiovascular disease in Portugal» que revelaram lacunas importantes no conhecimento sobre o acidente vascular cerebral e o enfarte agudo do miocárdio em Portugal, publicado recentemente na Revista Portuguesa de Cardiologia por Andrade, et al.1, no qual foram estudados 1624 residentes (dos 16 aos 79 anos) em Portugal continental, importantes reflexões podem ser retiradas deste estudo, e do seu respetivo editorial,2 para a prática clínica diária dos médicos de família:
Primeiro, no presente estudo de Andrade, et al.1, os inquiridos atribuem pouca importância ao controlo da pressão arterial como fator de risco para doença cardiovascular, apesar da conhecida elevada prevalência no nosso país. Sabemos ainda que são os médicos de família que iniciam o tratamento para a hipertensão arterial em Portugal (aproximadamente 87%), e fazem‐no de acordo com as normas de boa prática3. Contudo, a mensagem de como prevenir e atuar no acidente vascular cerebral e no enfarte agudo do miocárdio não estarão a ser compreendidas pelos nossos doentes (extrapolando a sua semelhança com a população em geral).
Segundo, o editorial2 que acompanha o artigo de Andrade, et al.1 descreve muito bem a necessidade de aumentar o conhecimento – a literacia – para a promoção da saúde e a prevenção da doença. E tendo o estudo de Andrade, et al.1 verificado que os inquiridos com maior literacia em saúde (avaliada através do instrumento de screening desenhado para os Cuidados Primários – The Newest Vital Sign4) apresentam melhores conhecimentos sobre a doença cardiovascular, podemos ficar tentados a medir a literacia nas nossas consultas com o objetivo de «saber onde, quando e como intervir» como referido no respetivo editorial. Não devemos esquecer que a literatura não recomenda o screening da literacia nos doentes em contexto clínico, sugerindo que possíveis danos superam quaisquer benefícios5.
Terceiro, para evitar os sentimentos de vergonha e alienação induzidos nos doentes pelos testes de screening5, os médicos de família podem observar a presença de alguns importantes sinais indiretos de baixa literacia em saúde durante a consulta médica:6 (i) o doente quando questionado fornece um historial médico incompleto; (ii) falta frequentemente às consultas; (iii) comete erros com a sua medicação; (iv) identifica os medicamentos somente através da cor, tamanho e forma dos comprimidos; e (v) evita situações em que é necessária uma aprendizagem complexa6.
Por último, existem estratégias simples que também não devem ser esquecidas, não disruptivas da consulta em contexto de Cuidados de Saúde Primários, utilizadas para avaliar a literacia em saúde e que podem ser uma alternativa a testes de screening mais complexos. Nomeadamente, a utilização de uma única questão «Com que frequência precisa de ter alguém a ajudá‐lo(a) quando lê instruções, panfletos ou outro material escrito do seu médico ou farmácia?» 7 e/ou «Sente‐se confiante ao preencher formulários médicos sozinho(a)?» 8.
Conflitos de interesseNada a declarar.