“Here's to the crazy ones, the misfits, the rebels, the troublemakers, the round pegs in the square holes, the ones who see things differently… They have no respect for the status quo. You can quote them, disagree with them, glorify or vilify them, but the only thing you can’t do is ignore them. Because they change things. They push the human race forward. While some may see them as the crazy ones, we see genius. Because the people who are crazy enough to think they can change the world, are the ones who do.” Steve Jobs
Os eventos coronários agudos continuam a ser uma das principais causas de mortalidade nos países desenvolvidos. A rápida identificação e tratamento destes doentes está intimamente ligada aos seus resultados e apresenta‐se como um desafio não só ao desempenho das equipes clínicas responsáveis pelo seu tratamento, mas também ao desempenho e organização de todo um sistema de saúde.
No enfarte com supra de ST é atualmente indiscutível a superioridade da angioplastia primária como tratamento de eleição destes doentes, com argumentos não só de eficácia, mas também de segurança, face a alternativa da fibrinólise que atualmente só deve ser considerada como segunda linha quando a angioplastia não está disponível em tempo útil1. Por este motivo, vários hospitais foram dotados de laboratórios de hemodinâmica com disponibilidade 24/7 para dar resposta ao tratamento do enfarte e foram sendo desenvolvidas as redes de referenciação, numa lógica de equilíbrio entre cobertura geográfica e volume e experiência das equipes. No estremo, mesmo que fosse economicamente viável dotarmos todos os hospitais do país de laboratórios de hemodinâmica, esta não seria a estratégia correta, porque em alguns desses hospitais de menor volume não seria possível manter a experiência das equipas para tratar com segurança e eficácia estes doentes. De facto, as guidelines internacionais recomendam valores mínimos de experiência dos operadores e dos centros para um programa de angioplastia primaria2. Este equilíbrio entre cobertura geográfica e volume de procedimentos dos centros leva a que seja necessária com frequência a transferência inter‐hospitalar dos doentes, fonte importante de atraso, como foi publicado recentemente3,4. Por outro lado, a educação da sociedade acerca dos sintomas do enfarte e do seu tratamento e da atuação dos doentes e familiares perante esta situação pode permitir reduzir os atrasos, não só por se identificar e valorizar mais cedo os sintomas, mas sobretudo por educar a população sobre a ativação da via verde coronária, para que o doente possa ser logo encaminhado para um centro que disponha de angioplastia primaria. Estes aspetos têm sido desenvolvidos pelas iniciativas europeias stent for life e stent save a life, implementadas em Portugal desde 2011 e que têm sido verdadeiros case study de sucesso5,6.
É neste âmbito que se insere o trabalho de Viana et al. que avaliou os atrasos no tratamento de doentes com síndrome coronária aguda numa coorte de 949 doentes consecutivos admitidos em dois hospitais de áreas geográficas distintas7. Um dos aspetos interessantes do trabalho foi o facto de os autores terem avaliado não só os atrasos relacionados com o sistema (nomeadamente o tempo desde o primeiro contacto médico até a angioplastia), mas também os atrasos relacionados com o doente (nomeadamente tempo desde início dos sintomas até ao primeiro contacto médico). No grupo de doentes avaliado, em cerca de metade (43% no enfarte com supra e 52 a 58% no enfarte sem supra ST) foram ultrapassados os 120 minutos entre o início dos sintomas e o primeiro contacto médico estabelecido pelas metas internacionais. Os autores identificaram os dois principais motivos para este atraso atribuível ao doente, nomeadamente o facto de terem utilizado transporte próprio em vez de acionarem a via verde coronária e o não reconhecimento dos sintomas como sendo de origem cardíaca. Estes dados, apesar de descreverem uma população tratada entre 2013 e 2014, ainda refletem a nossa realidade e realçam a importância de se manterem campanhas de sensibilização da população nas quais de destaca como exemplo de excelência a iniciativa stent save a life (que deu continuidade ao stent for life), sob a égide da EAPCI (European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions), implementada em Portugal pela APIC (Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular) (https://www.apic.pt;https://www.cadasegundoconta.pt). O sucesso desta iniciativa fez com que fosse adotada pela maioria dos países europeus e tendo atualmente uma dimensão mundial, implementada por 27 sociedades científicas a nível internacional (https://www.stentsavealife.com).
No que diz respeito aos atrasos relacionados com o sistema (tempo desde o primeiro contacto medico até à angioplastia), cerca de quatro em cada cinco doentes com enfarte com supra ST (78%) demoraram mais tempo do que o recomendado. Um dos fatores associado a este atraso foi a admissão inicial num hospital sem sala de hemodinâmica, o que mais uma vez reforça a necessidade das campanhas de sensibilização da população e dos profissionais de saúde para este problema. No trabalho de Viana et al., apenas metade (53%) dos doentes com enfarte com supra de ST foi admitido inicialmente num hospital com sala de hemodinâmica e na análise multivariada esse foi o maior preditor (com um odds ratio de 5,8) de um atraso> 90 minutos desde o primeiro contacto médico ate a angioplastia, o que vem mais uma vez colocar o ênfase na educação dos doentes e no transporte secundário4.
No registo FITT‐STEMI publicado recentemente9 e incluindo mais de 12.500 doentes com enfarte com supra ST submetidos a angioplastia primaria, foi possível demonstrar uma relação linear entre o tempo desde o contacto médico até ao tratamento e a mortalidade, embora muito mais relevante nos doentes que se apresentavam em choque cardiogénico, nos quais cada atraso de 10 minutos se associou a um aumento médio de 3,3 mortes por cada 100 doentes tratados. Um dos dados mais importantes deste grande registo foi o facto de os autores terem conseguido estimar a potencial redução no tempo desde o primeiro contacto médico ate à angioplastia com três medidas simples: redução média de 5,4 minutos com ECG pré‐hospitalar; redução média de 17,5 minutos quando o centro era previamente avisado que o doente estava a caminho e uns impressionantes 33,2 minutos quando era feito bypass ao serviço de urgência e o doente era levado diretamente para a sala de hemodinâmica. O conhecimento e a publicação dos nossos dados nacionais 6,8 também têm sido importante para conhecermos a nossa realidade e identificar oportunidades de melhoria. Apesar dos resultados estarem ainda longe do ideal e de não se terem verificado melhorias significativas nos atrasos atribuíveis quer ao doente quer ao sistema nos últimos anos, existem outros indicadores que permitem avaliar o sucesso do programa de angioplastia primária em Portugal, nomeadamente: 1‐ O aumento do número de doentes tratados por angioplastia primária, que mais do que duplicou em 10 anos (106 angioplastias primarias por milhão de habitante em 2002 para 308 por milhão habitante em 2013); 2‐ A percentagem de doentes com transporte primário pelo INEM, que quase triplicou entre 2011 e 2016 (de 13% para 31%)4.
Como profissionais de saúde fomos ensinados e treinados a prestar os melhores cuidados de saúde aos nossos doentes, mas perdemos talvez demasiado tempo em decisões cujo impacto relativo na saúde do doente são muito menores, como a escolha do medicamento a versus b, do stent c versus d, muitas vezes com reduções absolutas de risco marginais entre os dois tratamentos, sejam eles fármacos (plato) ou dispositivos (stent onyx versus orsiro), quando uma maior margem e potencial de benefício para a saúde dos doentes continuam na vertente da educação, da organização dos sistemas de saúde e na acessibilidade ao tratamento, vertentes que também devem ser da nossa responsabilidade. “Because the people who are crazy enough to think they can change the world, are the ones who do.”
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.