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Vol. 31. Núm. 12.
Páginas 803-808 (dezembro 2012)
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Vol. 31. Núm. 12.
Páginas 803-808 (dezembro 2012)
Caso Clínico
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Aspiração de trombos por via percutânea em estenose da artéria renal após transplante renal
Percutaneous thrombus aspiration in renal artery stenosis after renal transplantation
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Hélder Doresa,
Autor para correspondência
heldores@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Rui Campante Telesa, António Nogueirab, Manuel Almeidaa, Humberto Messiasb, José Diogo Baratac, Miguel Mendesa
a Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
b Serviço de Cirurgia Geral, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
c Serviço de Nefrologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
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Resumo

Descreve-se um caso de um doente com doença renal crónica sob hemodiálise durante cinco anos, que, após transplantação renal, desenvolveu um quadro de insuficiência renal aguda e hipertensão arterial refratária à terapêutica médica. Pela suspeita clínica e imagiológica (ecografia e tomografia computadorizada renal) de trombose da artéria renal do enxerto, realizou-se angiografia invasiva, que confirmou o diagnóstico. A abordagem terapêutica efetuada consistiu em aspiração por via percutânea de material trombótico e subsequente angioplastia por balão em toda a extensão da artéria e, em segundo tempo, com implantação de um stent. A evolução decorreu sem complicações, com melhoria da função renal e normalização do perfil tensional.

Este caso reforça a importância da intervenção percutânea na abordagem dos doentes com complicações vasculares após transplante, pela aplicação com sucesso de uma técnica habitualmente utilizada no contexto de enfarte agudo do miocárdio – aspiração de trombos por via percutânea e implantação de stent farmacológico vascular.

Palavras-chave:
Transplante renal
Estenose da artéria renal
Aspiração de trombos
Abstract

We describe the case of a patient with chronic renal failure under hemodialysis for five years who, after renal transplantation, developed acute renal failure and hypertension refractory to medical therapy. Given the clinical and imaging (renal ultrasound and computed tomography) suspicion of renal artery graft thrombosis, invasive angiography was performed, which confirmed the diagnosis. The therapeutic approach consisted of percutaneous thrombus aspiration and subsequent balloon angioplasty of the entire artery, followed by stent implantation in a second procedure. The clinical course was uneventful with improvement of renal function and normalization of blood pressure.

The case highlights the importance of percutaneous intervention in the management of patients with vascular complications after transplantation, with successful application of a procedure normally used in the setting of acute myocardial infarction – percutaneous thrombus aspiration and implantation of a drug-eluting vascular stent.

Keywords:
Renal transplantation
Renal artery stenosis
Thrombus aspiration
Texto Completo
Introdução

As técnicas de intervenção endovascular por via percutânea têm sido alvo de constante desenvolvimento nas últimas décadas. A eficácia comprovada em várias áreas, com reduzida taxa de complicações, contribuiu para o alargamento da sua indicação.

A angioplastia, tanto por balão como por stent, constitui uma opção frequentemente utilizada no tratamento da trombose arterial periférica. No leito ilíaco-renal, esta abordagem assume um papel relevante, sobretudo nos casos de estenose da artéria renal após transplante renal, pela eficácia e pelo potencial impacto clínico.

Uma das técnicas recentemente desenvolvidas e aplicada no tratamento do enfarte agudo do miocárdio, aquando da angioplastia primária, é a trombectomia por aspiração manual de trombos intracoronários por via percutânea. Relatamos um caso clínico de um doente com trombose de artéria renal após transplante renal, submetido com sucesso a aspiração de trombos por via percutânea. Além do interesse clínico, não estão descritos casos prévios nos quais esta técnica tenha sido efetuada no contexto de trombose da artéria renal após transplante renal.

Caso clínico

Descrevemos um caso clínico de um homem de 64 anos, com história de doença renal crónica induzida por nefropatia a IgA, sob hemodiálise durante cerca de cinco anos. Em novembro de 2010 foi submetido a transplante renal à direita de dador cadáver.

O período pós-transplante imediato evoluiu com um quadro de oligoanúria sendo necessária substituição da função renal com hemodiálise. Por ecografia renal identificou-se uma obstrução ureteral com hidronefrose. Após a implantação de stent ureteral, a diurese foi retomada e a dilatação pielocaliceal revertida. O renograma, que inicialmente revelou hipoperfusão e hipofunção graves do rim transplantado compatível com necrose tubular aguda, demonstrou, após a desobstrução, melhoria tanto da perfusão como da função do enxerto.

Cerca de um mês após o transplante o doente teve alta hospitalar, clinicamente estável, com creatininemia (Cr) de 2,9mg/dl.

Em reavaliação de urgência cerca de uma semana após a alta, o doente apresentava sinais de insuficiência cardíaca – edemas exuberantes dos membros inferiores, queixas de ortopneia e perfil tensional persistentemente elevado (valores tensionais médios >180/90mmHg). Apesar de terapêutica diurética e hipotensora dirigida, o quadro clínico manteve-se, havendo agravamento da função renal com Cr máxima de 8,64mg/dl. O exame sumário da urina revelou leucocitúria e hematúria microscópica. Foi realizado renograma, que revelou boa perfusão, mas disfunção do enxerto. Pela suspeita de rejeição do enxerto efetuou-se uma biopsia renal, que demonstrou necrose tubular aguda incipiente. A ecografia renal evidenciou estenose da artéria renal do aloenxerto, aspeto mais bem caracterizado por tomografia computadorizada, que revelou atraso na progressão arterial do contraste e imagem endoluminal interpretada como trombo, condicionando oclusão parcial da artéria renal.

Neste contexto, decidiu-se efetuar angiografia invasiva por acesso arterial femoral direito. Este exame evidenciou fluxo muito escasso na artéria renal do enxerto e imagens hipotransparentes múltiplas e difusas, sugestivas de trombos organizados ao longo de todo o trajeto da artéria renal do rim transplantado (Figura 1). Procedeu-se a canulação seletiva com cateter de mamária interna e introdução na artéria renal de fio guia Balance Middleweight Universal II 0,14” (Abbott vascular®). De seguida, utilizando o sistema de aspiração por cateter Pronto V3 6F (vascular solutions, Inc.®), procedeu-se à aspiração de conteúdo intra-arterial, confirmando-se macroscopicamente a existência de material com aspecto trombótico (Figuras 2–4). Posteriormente, efetuou-se angioplastia com balão em toda a extensão da artéria renal (Figura 5). A melhoria angiográfica foi imediata, com visualização da sombra renal, evidenciando-se, no entanto, discretas irregularidades parietais (Figura 6). A terapêutica farmacológica adjuvante instituída consistiu em ácido acetilsalicílico (100mg/d), heparina não fracionada (5000U/bólus seguida de 100 U/kg/h) durante 72h e, subsequentemente, hipocoagulação oral com varfarina (INR alvo 2,0-3,0).

Figura 1.

Angiografia demonstrando hipoperfusão do enxerto renal, com visualização de imagens de subtração, heterogéneas e difusas na artéria renal, sugestivas de trombos organizados.

(0.07MB).
Figura 2.

Introdução do cateter PRONTO® para aspiração manual do conteúdo intra-arterial.

(0.06MB).
Figura 3.

Evidência macroscópica de conteúdo trombótico na seringa do sistema de aspiração.

(0.12MB).
Figura 4.

Perfusão do enxerto renal após a aspiração do material trombótico.

(0.07MB).
Figura 5.

Angioplastia com balão da artéria renal do enxerto.

(0.07MB).
Figura 6.

Perfusão do enxerto após a angioplastia com balão da artéria renal.

(0.12MB).

Verificou-se estabilização precoce, tanto clínica como hemodinâmica e melhoria da função renal (Cr 2-3mg/dl). O controlo ecográfico do enxerto revelou rim transplantado com contornos regulares e boa diferenciação parênquimo-cortical, sem dilatação da árvore pielocalicial.

Aos 30 dias de seguimento, verificou-se novo agravamento da função renal (Cr 4,09mg/dl), repetindo-se a angio-TC e subsequentemente a angiografia renal. Devido à presença de reestenose foi efetuada nova angioplastia da artéria renal do aloenxerto, utilizando a mesma técnica do primeiro procedimento, embora com implantação de um stent farmacológico com everolimus Promus Element 3,0/28mm a 16 atm (Boston Scientific®) (Figuras 7 e 8). Após esta intervenção, o doente evoluiu favoravelmente e os 3 meses de seguimento decorreram sem recidiva do quadro ou outros eventos clínicos relevantes.

Figura 7.

Implantação de stent na artéria renal do enxerto.

(0.04MB).
Figura 8.

Angiografia do enxerto após angioplastia com stent.

(0.08MB).
Discussão

A estenose da artéria renal do aloenxerto é uma complicação relativamente frequente após transplantação renal, com uma incidência que pode alcançar os 23%1. Contudo, a definição de estenose é bastante heterogénea, pelos variados métodos utilizados para o seu diagnóstico e o facto de nem todos os doentes realizarem angiografia renal2.

As principais manifestações clínicas da estenose da artéria renal após transplante renal são a hipertensão arterial refratária à terapêutica médica e a disfunção do enxerto com agravamento da função renal2–4. Cerca de 1-5% dos casos de hipertensão arterial e pelo menos 75% das complicações vasculares após transplante renal são atribuíveis à estenose da artéria renal5–6. Contudo, o espetro clínico é amplo, variando desde doença assintomática, sendo a hipertensão arterial a única manifestação evidente, até quadros de insuficiência cardíaca aguda4. A avaliação por rotina da artéria renal do aloenxerto por ecoDoppler em doentes assintomáticos evidenciou estenose renal em 12,4% dos casos4,7.

A presença de um sopro audível na região ílio-femoral é um sinal frequente, mas muito inespecífico e não correlacionado com a gravidade da lesão, podendo existir estenoses críticas sem sopro. Este achado pode corresponder apenas à turbulência fisiológica do fluxo sanguíneo peri-anastomose1.

As principais causas de estenose da artéria renal após transplante são iatrogénicas, correlacionadas sobretudo com a técnica cirúrgica no local da anastomose. Outros fatores precipitantes são lesões vasculares durante a preservação ou clampagem vascular e torção ou angulação da artéria. A maioria das estenoses localizam-se na anastomose (proximais ou distais), mas podem também ser difusas ou múltiplas1–4. A presença de aterosclerose prévia, tanto no dador como no recetor, é um fator predisponente relevante, correlacionando-se principalmente com estenoses tardias8. No caso descrito, a apresentação angiográfica com obliteração extensa da toda a artéria renal sugere a existência de doença aterosclerótica difusa do enxerto. Outros mecanismos como causas imunológicas ou trombose local por fluxo inadequado no enxerto são menos prováveis, dada a imunossupressão e a existência de bons débitos urinários no primeiro mês de pós-operatório.

Inúmeras técnicas de imagem têm sido desenvolvidas para o diagnóstico da estenose arterial renal: eco-Doppler, ressonância magnética, tomografia computadorizada. Entre estas, a ecografia assume um papel de relevo, sobretudo pela larga experiência deste exame na avaliação pós-transplante, com elevada reprodutibilidade, acessibilidade e possibilidade de realização à cabeceira do doente, facto fundamental em unidades de cuidados intensivos2.

No entanto, a arteriografia invasiva permanece o método padrão de diagnóstico. Este exame pode raramente associar-se a complicações, tais como nefropatia de contraste com agravamento da função renal, tromboembolização distal com destruição irreversível do enxerto, dissecção arterial ou complicações do acesso vascular: hematomas, pseudoaneurismas e fístulas arteriovenosas6,9. Deste modo, não constitui um procedimento de rotina na avaliação da estenose renal do aloenxerto, estando indicada após elevada suspeita clínica (hipertensão arterial refratária e agravamento da função renal) e baseada no resultado de exames não invasivos2,4.

Apesar da ocorrência de estenoses de artérias renais diagnosticadas precocemente após o transplante, na maioria dos casos, o diagnóstico é estabelecido mais tardiamente (após 3-24 meses), sendo este período muito variável10.

A abordagem terapêutica da trombose da artéria renal após transplante pode ser: 1) conservadora – terapêutica médica para controlo da pressão arterial (inibidores da enzima de conversão da angiotensina de curta ação e em baixa dose) após exclusão de agravamento da função renal ou repercussão hemodinâmica; 2) intervenção percutânea e 3) cirúrgica9,11. Estão descritos alguns casos de regressão espontânea da estenose arterial.

A intervenção percutânea com angioplastia de balão é o tratamento de primeira linha na maioria dos doentes. Esta técnica está largamente validada para o tratamento de estenoses coronárias. A sua aplicação a outros contextos, como o tratamento de estenose renal de aloenxerto, está associada a taxas de sucesso elevadas, sendo a taxa de sucesso imediato superior a 90%12–14. Mesmo aos 5 anos de seguimento, a taxa de patência da artéria permanece superior a 85%15. Esta eficácia é maior nas lesões curtas, lineares e distais à anastomose9. Contudo, a taxa de recorrência pode alcançar os 30% aos 6 a 8 meses se não for realizada angioplastia com implantação de stent, sendo inferior a 10% nos casos de angioplastia combinada com balão e stent12,16.

A implantação de stent farmacológico neste contexto não está descrita. No caso relatado, a abordagem inicial não foi, intencionalmente, a implantação de stent farmacológico pelo acréscimo de contraste que implicaria, dada a insuficiência renal obstrutiva, bem como pelo facto de poder originar fluxo lento. Ulteriormente, foi a estratégia adotada, solução inovadora e considerada mais adequada, em função da evolução clínica favorável após o procedimento inicial e da restenose da angioplastia de balão, apesar da imunossupressão com sirolimus oral. O diâmetro do stent foi guiado angiograficamente, dado não haver longitude mínima do fio guia para realizar ecografia intravascular.

A cirurgia permanece uma opção válida em situações de falência da angioplastia ou lesões graves não acessíveis por via percutânea3. A taxa de sucesso estima-se em 63-92% e a recorrência em 12%, sendo as complicações mais graves e frequentes do que a via percutânea10,17.

Não existem parâmetros clínicos definidos para monitorizar a perfusão renal incluindo a pressão arterial e a creatininemia. No entanto, estes parâmetros melhoram precocemente após o tratamento percutâneo das estenoses renais14. A ecografia com estudo Doppler é usada na avaliação e monitorização das intervenções.

No caso descrito, cerca de 40 dias após transplante renal, instalou-se um quadro sugestivo de estenose da artéria renal do enxerto – apresentação típica de hipertensão arterial refratária à terapêutica médica e agravamento agudo da função renal. As técnicas imagiológicas não invasivas suportaram a suspeita diagnóstica, sendo este definitivamente estabelecido pela angiografia invasiva. Este exame permitiu caracterizar a extensão e gravidade das lesões (estenoses múltiplas e difusas em todo o trajeto da artéria renal do enxerto) e o tipo de lesões (imagens angiográficas de subtração sugestivas da presença de material trombótico intra-arterial). A opção terapêutica inicial foi a trombectomia mecânica, técnica descrita no tratamento do enfarte agudo do miocárdio. Este procedimento confirmou a presença de trombos e decorreu sem complicações, após o qual foi efetuada angioplastia com balão em todo o trajeto da artéria renal.

A presença de trombos intra-arteriais pode originar embolização distal condicionando no-reflow. Este fenómeno descrito no enfarte agudo do miocárdio é responsável por obstrução microvascular e consequente diminuição da perfusão miocárdica. Neste contexto, vários mecanismos e técnicas têm sido desenvolvidas para evitar esta embolização e proteger a microcirculação. Uma delas é a aspiração de trombos intra-arteriais por via percutânea18. Esta técnica já foi avaliada prospetivamente no enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, com impacto na redução dos eventos clínicos e angiográficos19. Atendendo aos mecanismos fisiopatológicos, poderemos inferir que noutros leitos arteriais o impacto poderá ser semelhante, podendo também, nesses casos, ter um papel potencialmente promissor.

Apesar de os avanços recentes na intervenção percutânea na estenose arterial renal em rim transplantado, permanecem algumas questões por responder: como classificar uma estenose de significativa; quais os resultados a longo prazo após a revascularização; como e quando efetuar monitorizações durante o seguimento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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