A falência ventricular direita (VD) é a causa mais frequente de morte a curto prazo nos doentes com tromboembolismo pulmonar agudo (TEP)1. A presença de choque ou instabilidade hemodinâmica, definida como pressão arterial sistólica inferior a 90mmHg ou queda superior a 40 mmhg, é um marcador clínico de alto risco identificando doentes que podem beneficiar de trombólise precoce2. Contudo, nos doentes cuja apresentação clínica de TEP não decorre com compromisso hemodinâmico, a razão risco/benefício da terapêutica fibrinolítica é menos clara. De modo a redefinir a estratégia terapêutica neste grupo de doentes, uma estratificação mais detalhada e precisa é essencial, assentando na deteção precoce de disfunção VD.
A fisiopatologia da falência VD na TEP decorre do aumento abrupto da pós-carga do VD consequente à obstrução mecânica arterial pulmonar e à vasoconstrição pulmonar mediada por fatores neurohumorais3. Enquanto são utilizados os mecanismos compensatórios para manter a função sistólica VD, como a taquicardia induzida por catecolaminas e a reserva da pré-carga de acordo com a lei de Frank-Starling, o débito cardíaco gerado pelo VD diminui, resultando na redução do enchimento ventricular esquerdo (VE). O aumento da tensão de parede e redução do aporte de oxigénio podem precipitar isquemia VD, que, por sua vez, conduz a mais disfunção sistólica e instabilidade hemodinâmica. Dependendo das condições clínicas, incluindo as comorbilidades, bem como da extensão da carga embólica, este ciclo vicioso pode tornar-se fatal a curto prazo, em particular nos doentes não tratados. Assim, a identificação precoce e de disfunção VD e com elevada acuidade e o tratamento eficaz têm importância clínica inadiável no TEP.
O valor prognóstico da confirmação de falência VD na TEP, determinada por ecocardiografia ou angiotomografia computorizada pulmonar multidetetores (angio-TC) tem sido essencialmente documentado em estudos relativamente pequenos.
Embora a angio-TC tenha um papel central no diagnóstico de TEP, o seu valor na determinação de prognóstico tem sido menos estudado. Os estudos de angio-TC têm analisado parâmetros de dilatação VD, incluindo a razão da dimensão VD/VE superior a 1 determinada em imagens transversais ou reconstrução de 4 câmaras4–6, mas o seu impacto prognóstico parece ter um valor relativamente limitado em doentes com TEP sem compromisso hemodinâmico7. Outros critérios na angio-TC pulmonar têm sido propostos como marcadores de disfunção VD, como o desvio no septo interventricular, a razão entre diâmetro da artéria pulmonar/aorta, diâmetro do seio coronário, veia ázigos, veia cava superior e refluxo de contraste na veia cava inferior. Mais recentemente, foi documentado que a avaliação tridimensional de volumes ventriculares é superior à medição unidimensional de diâmetros no diagnóstico de disfunção VD8,9.
Contudo, a maioria dos estudos é retrospetiva, a apresentação clínica dos doentes não está estratificada de forma homogénea e existem achados com diferenças consideráveis na reprodutibilidade interobservador.
Além dos sinais de sobrecarga e dilatação VD, a extensão do TEP, determinada através de scores embólicos por angio-TC pulmonar, tem sido proposta como um parâmetro preditivo de disfunção VD. Um índice de obstrução entre 40 e 60% associa-se a TEP de risco intermédio/elevado em doentes que se apresentam clinicamente sem hipotensão arterial.
Os critérios usados por angio-TC pulmonar para o diagnóstico de TEP assentam na visualização direta de trombos endoluminais não oclusivos ou na completa oclusão por trombos de vasos de dimensão normal ou aumentada. No estudo que serviu de base à definição do score de carga embólica de Qanadli10, a árvore arterial de cada pulmão foi considerada como tendo 10 artérias segmentares, três para lobos superiores, dois para lobo médio e língula e cinco para lobos inferiores. A presença de êmbolo numa artéria segmentar foi associada a score de 1 ponto, e de êmbolo numa artéria mais proximal foi classificada com o score igual ao número de artérias segmentares não visualizadas. Para fornecer informação adicional acerca da perfusão residual distal ao êmbolo, foi atribuído um fator de ponderação dependendo do grau de obstrução (O= sem trombo; 1=trombo parcialmente oclusivo; 2= oclusão total). Assim, o índice máximo de obstrução na angio-TC pulmonar foi de 40 por doente. A percentagem de obstrução vascular foi calculada pela divisão do score de cada doente pelo score máximo total x 100.
É muito importante analisar a relação entre o índice de obstrução na angio-TC pulmonar e parâmetros de dilatação VD. A presença de disfunção VD pode indicar uma elevada probabilidade de recorrência e potencial TEP fatal, apesar de anticoagulação apropriada11,12. Por outro lado, o grau de obstrução vascular pulmonar é considerado o fator mais importante na resposta do VD ao TEP.
O presente estudo de Bruno Rodrigues et al. apresenta a mais-valia de analisar a correlação entre um score de carga embólica angiográfica previamente estabelecido e validado (Qanadli Score - QS) com parâmetros clínicos, eletrocardiográficos, analíticos e ecocardiográficos de disfunção VD. Os autores documentam, numa análise cuidadosa de 107 doentes admitidos com TEP de risco intermédio/elevado, que a avaliação da carga embólica por angio-TC pulmonar com recurso ao QS poderá ter forte impacto clínico, possibilitando a melhor estratificação e correta definição para terapêutica trombolítica. De facto, um score QS mais elevado associou-se a maior taxa de síncope/lipotimia, perturbações ventriculares direitas sugestivas de sobrecarga de pressão no ECG, menor clearence da creatinina, razão PO2/FiO2 inferior e valores de troponina I mais elevados. Os dados do estudo sugerem ainda que o índice de obstrução por angio-TC poderá predizer a dilatação ventricular direita. Estes resultados são consistentes com dados previamente reportados em outros estudos10,13. A presença de um QS > 18 pontos no estudo de Bruno Rodrigues et al. associou-se de forma independente a disfunção VD.
A nível ecocardiográfico não se encontraram diferenças significativas na pressão sistólica da artéria pulmonar entre doentes com QS superior ou inferior a 18, similar ao descrito em estudos prévios10,13 e expectável no contexto de sobrecarga e disfunção aguda do VD numa população não selecionada, uma vez que a presença de comorbilidades prévias, como doenças pulmonares, não foi critério de exclusão. No presente estudo não foram sistematicamente analisados e comparados parâmetros ecocardiográficos de disfunção VD, o que traduz uma limitação.
Todavia, um score de carga embólica mais elevado correlacionou-se linearmente com parâmetros de disfunção VD analisados por angio-TC pulmonar como os diâmetros do VD, veia cava superior, veia ázigos, seio coronário, razão VD/VE, razão artéria pulmonar/aorta, refluxo na veia cava inferior e sobrecarga no septo interventricular. Estes importantes dados merecem ser fortemente destacados, uma vez que conferem enormes potencialidades à avaliação da carga embólica do VD por angio-TC pulmonar. Estudos prévios documentaram diferenças consideráveis entre observadores nos achados tomográficos de disfunção VD em doentes com TEP, sugerindo que a determinação volumétrica da razão volume VD/volume VE é menos dependente do observador e mais reprodutível. No estudo presente, a variabilidade interobservador não foi analisada.
Os péptidos natriuréticos tipo B ou a sua porção N-terminal (BNP e NT-proBNP) demonstraram ser marcadores de disfunção ventricular direita, com grande utilidade prognóstica a curto e médio prazo dos doentes com TEP. Num estudo publicado recentemente na Revista Portuguesa de Cardiologia14, foi efetuada uma análise retrospetiva de doentes admitidos consecutivamente por TEP, durante três anos e meio.
Níveis elevados de NT-proBNP identificaram os doentes com TEP e pior evolução a curto prazo, apresentando uma excelente acuidade para a predição da morte de qualquer causa aos 30 dias. Este e outros estudos sugerem o importante papel do BNP ou NT-proBNP na avaliação inicial dos doentes com TEP, podendo fornecer informação prognóstica importante. Teria sido muito interessante e útil contar com estes biomarcadores no estudo de Bruno Rodrigues et al.
A taxa de mortalidade intra-hospitalar foi independente do score de carga embólica. Todavia, a associação entre carga embólica na admissão hospitalar em doentes com TEP e mortalidade a médio e longo prazo não está ainda definida e novos estudos poderão e deverão ser realizados de forma sistemática e prospetiva.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.