Relata-se o caso de um paciente de 59 anos de idade, com história de traumatismo torácico grave com fratura de vários arcos costais aos 20 anos, com início recente de cansaço e palpitações, a quem foi detetada taquicardia auricular, convertida farmacologicamente. Os estudos imagiológicos (ecocardiografia transtorácica e RMN) realizados inicialmente levantaram a hipótese de se tratar de cor triatriatum ou anomalia de Ebstein.
Posteriormente, por recorrência da arritmia, foi efetuada nova avaliação ecocardiográfica transtorácica que estabeleceu o diagnóstico de aneurisma da aurícula direita. A arritmia foi convertida eletricamente. Durante o seguimento de 18 meses o paciente encontra-se assintomático, sem recorrência de arritmias, medicado com carvedilol (após período sob amiodarona) e varfarina.
We report the case of a 59-year-old patient, with a history of severe chest trauma with rib fractures at the age of 20 and recent onset of fatigue and palpitations, who was diagnosed with atrial tachycardia, which was converted pharmacologically. Cor triatriatum or Ebstein's anomaly were suspected on initial imaging studies (transthoracic echocardiography and MRI).
Due to recurrence of arrhythmia, he subsequently underwent repeat echocardiographic evaluation, which established a diagnosis of right atrial aneurysm. The arrhythmia was converted electrically. The patient has remained asymptomatic during 18 months of follow-up, without arrhythmia recurrence, medicated with carvedilol (after an initial period with amiodarone) and warfarin.
Aneurismas auriculares são entidades extremamente raras na prática cardiológica. A maioria dos casos descritos na literatura é de origem congénita, encontrando-se cerca de metade dos doentes assintomáticos1. Esta entidade foi descrita pela primeira vez por Bailey2 em 1955. Morrow e Behrendt em 1968 realizaram a primeira ressecção cirúrgica de um aneurisma da aurícula direita3. Binder T.M. publicou em 2000 uma revisão de 103 casos de aneurismas auriculares (incluindo aneurismas do seio coronário) publicados na literatura entre 1955 e 19981. Todos os casos incluídos nessa revisão foram considerados como resultantes de malformação congénita. Em Portugal foi descrito apenas um caso4.
Relata-se aqui o caso de um pseudoaneurisma da aurícula direita como apresentação tardia de um traumatismo torácico prévio. Numa revisão da literatura, os autores encontraram apenas dois outros casos de aneurismas auriculares relacionados com traumatismo torácico. Em ambos tratava-se de aneurismas da aurícula direita.
Caso clínicoDoente de sexo masculino, de 59 anos, ex-fumador, hipertenso, com dislipidemia e obesidade, que recorreu à consulta de Cardiologia por queixas de cansaço para médios esforços e palpitações de início recente. Como antecedentes, há a realçar traumatismo torácico grave aos 20 anos com fratura de vários arcos costais.
O exame objetivo revelou sons cardíacos arrítmicos, sem outras alterações.
O ECG efetuado mostrou taquicardia auricular com frequência ventricular controlada, tendo o ecocardiograma transtorácico levantado a hipótese da existência de cor triatriatum à direita. A arritmia foi convertida farmacologicamente.
Na avaliação subsequente foi realizada RMN cardíaca (Figura 1), onde se colocou a hipótese de eventual anomalia de Ebstein ou cor triatriatum à direita.
Durante o seguimento observou-se recorrência sintomática da taquicardia auricular, apesar da terapêutica com amiodarona e carvedilol. O estudo ecocardiográfico realizado subsequentemente revelou a existência de uma cavidade aneurismática em continuidade com a parede livre da aurícula direita (11,8 x 7cm de diâmetro), comunicando com a cavidade auricular por um orifício de cerca 4,9cm, sem anomalias evidentes da válvula tricúspide (Figura 2).
Ecocardiografia transtorácica (plano apical de 4 câmaras) mostra uma cavidade aneurismática em continuidade com a parede livre da aurícula direita (11,8 x 7cm de diâmetro), comunicando com a cavidade auricular por um orifício de cerca 4,9cm, sem anomalias evidentes da válvula tricúspide.
Depois de um período de 4 semanas sob anticoagulação oral em níveis terapêuticos, foi excluída a existência de trombos intracavitários por ecocardiografia transesofágica, efetuando-se cardioversão elétrica com sucesso. Foi proposta a ressecção cirúrgica do aneurisma, que o doente recusou. No follow- up de 18 meses após a apresentação inicial, o doente mantém-se assintomático, em ritmo sinusal, sob terapêutica com carvedilol e varfarina.
DiscussãoO traumatismo cardíaco causa mais frequentemente rotura do ventrículo direito e, a seguir, do ventrículo esquerdo5. A rotura auricular, ao contrário da ventricular, é uma situação muito rara, ocorrendo devido a forças compressivas transmitidas ao coração no final da sístole. Nesta fase do ciclo, as aurículas estão preenchidas e os ventrículos estão contraídos. Qualquer força compressiva dirigida ao tórax ou abdómen pode provocar elevação da pressão na veia cava e nos vasos pulmonares, o que causa aumento acentuado da pressão intra-auricular contra válvulas aurículo-ventriculares fechadas, direcionando assim a força de pressão contra a fina parede auricular6.
Os autores consideram que o mecanismo acima descrito pode ter provocado a rotura incompleta da parede da aurícula direita, com hemorragia dentro da parede auricular e formação do pseudoaneurisma.
Distinguem-se quatro tipos de aneurismas auriculares à direita de origem congénita: 1- Dilatação congénita da aurícula direita; 2- Divertículo único da aurícula direita; 3- Múltiplos divertículos da aurícula direita, e 4- Divertículo do seio coronário1.
De acordo com esta classificação, os aneurismas pós-traumáticos assemelham-se ao tipo 2 (Divertículo único da aurícula direita).
Semelhante aos aneurismas auriculares de origem congénita, o nosso caso manifestou-se por arritmia supraventricular. Os dois outros casos de aneurismas pós traumáticos descritos na literatura apresentaram-se igualmente com arritmias supraventriculares – um com flutter auricular7 e outro com fibrilhação auricular e sinais de insuficiência cardíaca6.
O diagnóstico pode ser efetuado por ecocardiografia transtorácica ou transesofágica, RMN ou TAC, sendo por vezes a investigação iniciada após o achado de cardiomegalia na radiografia do tórax num doente assintomático8.
As dificuldades diagnósticas nos aneurismas auriculares são bastante frequentes, com hipóteses diagnósticas iniciais tais como anomalia de Ebstein, tumores, derrames pericárdicos e quistos pericárdicos. Do mesmo modo no nosso caso foram postas inicialmente as hipóteses de se tratar de cor triatriatum ou de anomalia da Ebstein. O diagnóstico definitivo foi efetuado por ecocardiografia transtorácica após uma RMN que levantou outra hipótese diagnóstica.
Devido à sua raridade, não está estabelecido o prognóstico desta entidade. Em ambos os casos de aneurismas traumáticos previamente descritos foi realizada a correção cirúrgica. Binder reportou que apenas 38% dos doentes com aneurismas congénitos foram submetidos a terapêutica cirúrgica. Mesmo na ausência de arritmias, preconiza-se a realização de anticoagulação devido ao risco tromboembólico1.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.