Caracterizar a população de adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas (CC) ao nível do seu ajustamento psicossocial e morbilidade psiquiátrica, bem como avaliar a qualidade de vida (QV), para perceber quais são as variáveis com impacto na vida e na adaptação à doença.
População e métodosParticiparam 74 pacientes com CC, sendo 41 do sexo masculino e 33 do sexo feminino, com idades entre 12-26 (média=18,76±3,86). Foram recolhidos os dados demográficos e clínicos mais relevantes dos pacientes e foi aplicado um conjunto de instrumentos, incluindo uma entrevista semiestruturada sobre tópicos de suporte social, estilo de educação na família, autoimagem e limitações físicas, uma entrevista psiquiátrica estandardizada e questionários para avaliar o ajustamento psicossocial na forma de autorrelato (YSR e ASR) e relato dos cuidadores (CBCL e ABCL), bem como um questionário de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-BREF).
ResultadosO sexo feminino relatou mais ansiedade/depressão (u=952,500; p=0,003), alterações do pensamento (u=929,500; p=0,005) e comportamento agressivo (u=999,000; p=0,000). Pacientes com CC complexas relataram mais alterações de pensamento (u=442,000; p=0,027) e internalização (u=429,000; p=0,021). Comparativamente com a população portuguesa, os nossos participantes apresentaram melhor QV nos domínios relações sociais (t=2,333; p=0,022) e ambiente (t=3,754; p=0,000). Os pacientes que não foram submetidos a intervenções cirúrgicas revelaram melhor QV nos domínios físico (t=−1,989; p=0,050), de relações sociais (t=−2,012; p=0,048) e QV geral (u=563,000; p=0,037). A presença de um melhor suporte social está relacionada com uma melhor QV nos pacientes em todos os domínios avaliados, com destaque para o físico (t=3,287; p=0,002) e relações sociais (t=3,669; p=0,000). Um melhor desempenho académico encontrava-se também associado com uma melhor perceção de QV global (u=457000; p=0,046), com menos tendência ao isolamento (u=812.500; p=0,031), menos sentimentos de ansiedade e de depressão (u=854000; p=0,009), menos problemas de atenção (u=903500; p=0,001), e valores mais baixos de internalização (u=817000; p=0,029) e de externalização (u=803500; p=0,042). As limitações físicas tinham um efeito nocivo no QV (u=947500; p=0,001).
DiscussãoAs participantes do sexo feminino evidenciaram pior ajustamento psicossocial e maior propensão à psicopatologia. As CC complexas exigem mais cuidados regulares, limitando o contacto social com pares, a integração escolar e de lazer, e dificultando a adaptação. A realização de cirurgias influencia a QV dos pacientes, pela exigência de mais cuidados médicos, induzindo maiores limitações na sua vida diária, o que dificulta a aquisição de uma rede de suporte social satisfatória.
ConclusõesOs pacientes com CC evidenciaram uma maior tendência a apresentar psicopatologia, sendo o sexo feminino mais predisposto a sofrer com os efeitos do desajustamento psicossocial. O suporte social revelou um papel preponderante no ajustamento dos doentes.
We aimed to study the psychosocial adjustment (PSA), psychiatric morbidity and quality of life of adolescents and young adults with congenital heart disease (CHD) to determine which demographic and clinical variables negatively affect adjustment and which increase resilience.
MethodsThe study included 74 patients with CHD, 41 male and 33 female, aged between 12 and 26 years (mean 18.76±3.86). Demographic information and a complete clinical history were obtained. The participants were interviewed regarding social support, family environment, self-image and physical limitations. A standardized psychiatric interview was conducted, and self-report questionnaires were administered for assessment of PSA (Youth Self Report and Adult Self Report) and quality of life (World Health Organization Quality of Life – Short Version). A caregiver completed an observational version of the PSA questionnaire (Child Behavior Checklist or Adult Behavior Checklist).
ResultsFemale participants showed more feelings of anxiety and depression (U=952.500; p=0.003), thought problems (U=929.500; p=0.005) and aggressive behavior (U=999.000; p=0.000). They also showed a higher rate of psychopathology. Patients with complex forms of CHD reported more thought problems (U=442.000; p=0.027) and internalization (U=429.000; p=0.021). Compared to the Portuguese population as a whole, participants showed better quality of life in the domains of social relationships (t=2.333; p=0.022) and environment (t=3.754; p=0.000). Patients who had undergone surgery had worse quality of life in physical terms (t=-1.989; p=0.050), social relationships (t=-2.012; p=0.048) and general quality of life (U=563.000; p=0.037), compared to those who were not operated. Better social support was associated with better quality of life in physical terms (t=3.287; p=0.002) and social relationships (t=3.669; p=0.000). Better school performance was also associated with better overall quality of life (U=457.000; p=0.046), less withdrawn behavior (U=812.500; p=0.031), fewer feelings of anxiety and depression (U=854.000; p=0.009), fewer attention problems (U=903.500; p=0.001), and lower scores for internalization (U=817.000; p=0.029) and externalization (U=803.500; p=0.042). Physical limitations had a detrimental effect on quality of life (U=947.500; p=0.001).
DiscussionFemale participants were more prone to worse psychological adjustment and to psychopathology. Patients with complex forms of CHD showed worse PSA, as they need regular care, which restricts social contact with peers and family and integration in school and leisure activities. Patients who had undergone surgery showed worse quality of life as they often have long hospital stays, during which social activities are restricted, making it more difficult for them to develop a good social support network. They require close medical care, and the restrictions on their activities may be life-limiting. Their sense of survival may also be threatened.
ConclusionsPatients with CHD appear to be more prone to psychopathology and female patients are more likely to show worse PSA. Social support was shown to play a crucial role in buffering stress and promoting patients’ adjustment.
As cardiopatias congénitas podem ser designadas como sendo as alterações que ocorrem durante a gestação na formação do coração, assim como dos vasos sanguíneos, proporcionando deste modo malformações cardíacas1.
Graças à evolução nos tratamentos clínicos e cirúrgicos foi possível aumentar a taxa de sobrevivência, sendo que cerca de 85-90% das crianças com uma cardiopatia congénita podem agora viver até à idade adulta com uma melhor qualidade de vida1-3.
Uma vez que a evolução médica a diversos níveis tem sido notável e tem permitido que os pacientes portadores desta patologia vivam cada vez mais anos e com menores limitações decorrentes da sua cardiopatia, as questões relativas à sua adaptação à doença cada vez emergem com maior destaque4. Assim, é imperativo compreender quais os efeitos decorrentes de uma cardiopatia congénita a vários níveis, uma vez que os resultados disponíveis na literatura apresentam conclusões contraditórias5-8.
Ainda que alguns estudos apresentem uma tendência à existência de problemas comportamentais ou emocionais nestes pacientes5,9,10, outros dados revelam um funcionamento psicológico adaptativo nos adultos com cardiopatias congénitas11. Da mesma forma, a gravidade da cardiopatia parece estar relacionada com pior ajustamento psicossocial e tendência a morbilidade psiquiátrica6,9, enquanto outros autores não corroboram esta posição9.
Também na qualidade de vida se verificam resultados distintos, uma vez que enquanto alguns apresentam pior bem-estar psicológico e qualidade de vida quando comparados com a população saudável4,12, outros não atribuem uma relação entre a presença de cardiopatia e uma menor qualidade de vida, encontrando valores semelhantes aos valores encontrados na população saudável13,14.
Este estudo pretende avaliar o ajustamento psicossocial, a propensão para a psicopatologia e a qualidade de vida numa população de adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas, com ou sem correção cirúrgica e, também, tentar clarificar a influência de algumas variáveis demográficas e clínicas, aumentando a resiliência e favorecendo a adaptação, ou, pelo contrário, dificultando o ajustamento e o bem-estar.
População e métodosParticiparam neste estudo 74 pacientes com cardiopatias congénitas, tendo a recolha sido efetuada num único momento temporal, ou seja, quando os pacientes se deslocavam ao hospital para a consulta de cardiologia pediátrica ou de cardiologia, sendo abordados para participar no estudo. Após terem sido informados de todos os aspetos inerentes ao estudo, os pacientes que eram maiores de idade ou os cuidadores, no caso de os pacientes serem menores de idade, assinavam um termo de consentimento informado.
Dos 74 pacientes, 41 eram do sexo masculino e 33 do sexo feminino. A idade média dos participantes situou-se em torno dos 18,76 anos (±3,86), com uma variação de idades entre os 12-26 anos.
A gravidade da cardiopatia congénita era complexa em 27 participantes, moderada em 13 e menor em 34. Relativamente à severidade de lesões residuais, quatro apresentavam lesões graves, 18 moderadas e 52 leves. Em relação à presença de psicopatologia, 17 participantes (23% do total) revelaram pelo menos um tipo de psicopatologia durante a sua vida.
Do total de participantes, 40 foram diagnosticados durante o período neonatal, 28 até ao primeiro ano de vida, três foram diagnosticados entre o primeiro e o terceiro ano de vida e três obtiveram um diagnóstico entre os três e os seis anos de idade.
No que diz respeito à idade em que foi realizada a primeira intervenção cirúrgica, para os participantes que foram submetidos a este tipo de intervenções, verificou-se que dois foram intervencionados durante o período neonatal, 24 até ao primeiro ano de vida, 15 entre o primeiro e o terceiro ano de vida, 16 entre os três e os seis anos de idade e três entre os seis e os 12 anos.
No que se refere ao nível de escolaridade, nove tinham o segundo ciclo, 27 o terceiro ciclo, 33 o ensino secundário e cinco o grau de licenciatura. Em relação ao estado civil, a maioria dos participantes eram solteiros (69), dois eram casados, dois viviam em união de facto e um era divorciado.
Participaram também 64 cuidadores que acompanharam os pacientes à consulta, tendo-lhes sido solicitado que preenchessem um questionário. Este número final resultou de que dez cuidadores se recusaram a participar ou não se encontravam presentes no momento da aplicação do protocolo e, posteriormente, não manifestaram intenção de participar.
Para a realização deste estudo foram utilizados como instrumentos uma ficha de identificação, uma entrevista semiestruturada, uma entrevista psiquiátrica estandardizada Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia – Lifetime version (SADS-L), o Youth Self Report (YSR) e o Child Behavior Checklist (CBCL) para os pacientes cuja idade era inferior aos 18 anos. Para os pacientes com idade superior aos 18 anos, foi utilizado o Adult Self Report (ASR) e o Adult Behavior Checklist (ABCL). Foi ainda aplicado um questionário de qualidade de vida denominado questionário de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-Bref).
Na ficha de identificação era feito o registo das variáveis demográficas de cada participante, mais concretamente, os seus elementos pessoais, como o estado civil, a escolaridade e a profissão, além de constarem todos os elementos relativos à sua história clínica, como o diagnóstico e a gravidade, tipo de cardiopatia, descrição das cirurgias realizadas, lesões residuais e a necessidade de terapia farmacológica.
A entrevista semiestruturada aplicada abordava áreas como o suporte social, o ambiente familiar, as limitações funcionais, o percurso escolar e o autoconceito. Esta entrevista é composta por 38 questões, variando entre opções de resposta múltipla e resposta curta.
A entrevista psiquiátrica estandardizada SADS-L foi aplicada no sentido de verificar a existência de psicopatologia nos pacientes com cardiopatias congénitas.
O YSR e o ASR são questionários de autorresposta que permitem fazer uma descrição do funcionamento da criança ou do adulto. Para efeitos deste estudo, em relação a estes instrumentos foram recolhidas as respostas das escalas do isolamento, queixas somáticas, ansiedade/depressão, alterações do pensamento, problemas de atenção, comportamento delinquente, comportamento agressivo, internalização e externalização. Os resultados referentes à escala de problemas sociais do YSR não foram incluídos, uma vez que não possuía uma escala equiparada no ASR15.
O CBCL e o ABCL são questionários destinados a serem preenchidos pelos pais ou cuidadores (alguém que os conheça bem), pois as respostas descrevem a perceção do funcionamento ou comportamento dos pacientes.
Os resultados do YSR e do ASR, bem como os resultados do CBCL e do ABCL, foram agrupados por serem instrumentos muito semelhantes e para permitir juntar um número maior de respostas, com mais representatividade, sendo que, para efeitos de tratamento estatístico, foram contabilizados os resultados totais de cada escala.
O WHOQOL-Bref é um questionário para a avaliação subjetiva da qualidade de vida, que pode ser aplicado quer a indivíduos saudáveis quer a doentes com qualquer tipo de patologia16.
Este questionário é composto por 26 questões, com resposta do tipo likert, podendo a cada questão ser atribuída uma classificação entre 1-5. O valor 5 corresponde ao valor mais elevado, excetuando nas questões três, quatro e 26, que estão formuladas negativamente e onde o valor 5 corresponde ao valor mais baixo.
Para a análise dos dados foi utilizado o software IBM Social Package for the Social Sciences (SPSS), version 19.0, tendo sido usado o teste t de student para variáveis paramétricas e o teste Mann-Whitney para as variáveis não paramétricas.
ResultadosNa Tabela 1 encontram-se as diferenças no ajustamento psicossocial entre os dois géneros, no autorrelato.
Teste de Mann-Whitney para as diferenças entre género nas dimensões do ajustamento psicossocial, no autorrelato
ASR/YSR (AR) | M (n=41)Média | F (n=33)Média | u | p |
I | 36,30 | 38,98 | 725,500 | 0,591 |
QS | 32,39 | 43,85 | 886,000 | 0,021 |
A/D | 30,77 | 45,86 | 952,500 | 0,003 |
AP | 31,33 | 45,17 | 929,500 | 0,005 |
PA | 33,41 | 42,58 | 844,000 | 0,067 |
CD | 36,78 | 38,39 | 706,000 | 0,744 |
CA | 29,63 | 47,27 | 999,000 | 0,000 |
Int | 31,18 | 45,35 | 935,500 | 0,005 |
Ext | 34,18 | 41,62 | 812,500 | 0,139 |
A/D: ansiedade/depressão; AP: alterações do pensamento; AR: auto relato; CA: comportamento agressivo; CD: comportamento delinquente; Ext: externalização; F: feminino; Int: internalização; I: isolamento; M: masculino; p: nível de significância; PA: problemas de atenção; QS: queixas somáticas; u: u de Mann Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
Na Tabela 2 figuram as diferenças no ajustamento psicossocial entre os participantes com formas graves de CC comparados com os que têm formas moderadas ou ligeiras.
Teste de Mann-Whitney para as diferenças nas dimensões do ajustamento psicossocial de acordo com a gravidade da cardiopatia congénita, no autorrelato
ASR/YSR (AR) | C (n=27)Média | M/m (n=47)Média | u | p |
I | 43,54 | 34,03 | 471,500 | 0,065 |
Q S | 43,93 | 33,81 | 461,000 | 0,049 |
A/D | 38,59 | 36,87 | 605,000 | 0,740 |
AP | 44,63 | 33,40 | 442,000 | 0,027 |
PA | 35,00 | 38,94 | 702,000 | 0,446 |
CD | 42,56 | 34,60 | 498,000 | 0,119 |
CA | 43,22 | 34,21 | 480,000 | 0,081 |
Int | 45,11 | 33,13 | 429,000 | 0,021 |
Ext | 34,85 | 39,02 | 706,000 | 0,422 |
A/D: ansiedade/depressão; AP: alterações do pensamento; AR: auto relato; C: complexa; CA: comportamento agressivo; CD: comportamento delinquente; Ext: externalização; I: isolamento; Int: internalização; M/m: moderada ou menor; p: nível de significância; PA: problemas de atenção; QS: queixas somáticas; u: u de Mann Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
Na Tabela 3 figuram as diferenças no ajustamento psicossocial entre participantes submetidos a intervenção cirúrgica, quando comparados com os que não necessitaram de cirurgia, avaliados pelos cuidadores.
Teste de Mann-Whitney para as diferenças do ajustamento psicossocial entre os doentes com e sem intervenções cirúrgicas, no relato dos cuidadores
ABCL/CBCL (RC) | C/I (n=54)Média | S/I (n=11)Média | u | p |
I | 32,67 | 34,64 | 315,000 | 0,751 |
QS | 30,87 | 43,45 | 412,000 | 0,041 |
A/D | 31,35 | 41,09 | 386,000 | 0,117 |
AP | 30,94 | 43,14 | 408,500 | 0,040 |
PA | 33,21 | 31,95 | 285,500 | 0,840 |
CD | 32,88 | 33,59 | 303,500 | 0,907 |
CA | 34,06 | 27,82 | 240,000 | 0,317 |
Int | 32,70 | 34,45 | 313,000 | 0,779 |
Ext | 32,96 | 33,18 | 299,000 | 0,972 |
A/D: ansiedade/depressão; AP: alterações do pensamento; CA: comportamento agressivo; CD: comportamento delinquente; C/I: com intervenção; Ext: externalização; I: isolamento; Int: internalização; p: nível de significância; PA: problemas de atenção; QS: queixas somáticas; RC: relato dos cuidadores; S/I: sem intervenções; u: u de Mann Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
A Tabela 4 relata as diferenças do ajustamento psicossocial entre participantes com percurso escolar satisfatório e os que tiveram um percurso mal sucedido.
Teste de Mann-Whitney para as diferenças nas dimensões do ajustamento psicossocial entre participantes com percurso escolar satisfatório e os que tiveram um percurso mal sucedido, no autorrelato
ASR/YSR (AR) | PEI (n=26)Média | PES (n=48)Média | u | p |
I | 44,75 | 33,57 | 812,500 | 0,031 |
QS | 38,94 | 36,72 | 661,500 | 0,667 |
A/D | 46,35 | 32,71 | 854,000 | 0,009 |
AP | 43,52 | 34,24 | 780,500 | 0,070 |
PA | 48,25 | 31,68 | 903,500 | 0,001 |
CD | 40,25 | 36,01 | 695,500 | 0,410 |
CA | 41,29 | 35,45 | 722,500 | 0,263 |
Int | 44,92 | 33,48 | 817,000 | 0,029 |
Ext | 44,40 | 33,76 | 803,500 | 0,042 |
A/D: ansiedade/depressão; AP: alterações do pensamento; AR: auto relato; CA: comportamento agressivo; CD: comportamento delinquente; Ext: externalização; I: isolamento; Int: internalização; p: nível de significância; PA: problemas de atenção; PEI: percurso escolar insatisfatório; PES: percurso escolar satisfatório; QS: queixas somáticas; u: u de Mann Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
A Tabela 5 apresenta os resultados da prevalência de diagnóstico psiquiátrico dos nossos participantes comparativamente com os valores de referência de outros estudos.
Prevalência de diagnóstico psiquiátrico nos participantes do nosso estudo comparativamente com os valores de referência para diversas populações
Diagnóstico psiquiátrico | n (74) | % |
Sem diagnóstico | 57 | 77 |
Com diagnóstico | 17 | 23 |
Valores de referência | 10a | |
25b | ||
19,4c | ||
37,9d | ||
18,1e | ||
25,2f | ||
47,4g |
É de salientar que as participantes de sexo feminino apresentavam uma prevalência de psicopatologia mais de duas vezes superior aos de sexo masculino (33,3 e 14,6%, respetivamente, sendo a diferença estatisticamente significativa).
Na Tabela 6 constam os dados relativos à caracterização da amostra em todos os domínios da QV, sendo comparados com os valores de referência para a população portuguesa.
Média e desvio padrão para os quatro domínios da QV e QV geral, nos nossos participantes, e valores de referência na população portuguesa
VR | PE | t | p | |||
M | DP | M | DP | |||
F | 77,49 | 12,27 | 75,29 | 13,516 | −1,400 | 0,166 |
P | 72,38 | 13,50 | 73,34 | 13,924 | 0,590 | 0,557 |
RS | 70,42 | 14,54 | 74,91 | 16,573 | 2,333 | 0,022 |
A | 64,89 | 12,24 | 70,65 | 13,209 | 3,754 | 0,000 |
G | 71,51 | 13,30 | 72,47 | 15,89 | 0,518 | 0,606 |
A: domínio ambiente da QV; DP: desvio padrão; F: domínio físico da QV; G: QV geral; M: média; p: nível de significância; P: domínio psicológico da QV; PE: população do estudo; RS: domínio relações sociais da QV; t: t de Student; VR: valores de referência para a população saudável portuguesa.
Negritos: valores com significância estatística.
Na Tabela 7 figuram as diferenças da qualidade de vida obtidas pelos pacientes que foram submetidos a intervenção cirúrgica comparativamente com os que não foram submetidos a cirurgia.
Teste T de Student para os quatro domínios da QV e teste de Mann-Whitney para a QV Geral, comparando doentes que foram submetidos a cirurgia com os que não tiveram intervenções
C/I (n=60) | S/I (n=14) | t | p | |||
M | DP | M | DP | |||
F | 15,81 | 2,224 | 17,06 | 1,567 | −1,989 | 0,050 |
P | 15,46 | 2,304 | 16,71 | 1,557 | −1,928 | 0,058 |
RS | 15,69 | 2,634 | 17,24 | 2,409 | −2,012 | 0,048 |
A | 15,14 | 2,207 | 16,04 | 1,525 | −1,443 | 0,153 |
M | M | u | p | |||
G | 35,12 | 47,71 | 563,000 | 0,037 |
A: domínio ambiente da QV; C/I: com intervenção; DP: desvio padrão; F: domínio físico da QV; G: QV geral; M: média; p: nível de significância; P: domínio psicológico da QV; RS: domínio relações sociais da QV; S/I: sem intervenção; t: t de Student; u: u de Mann-Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
A Tabela 8 descreve as diferenças de qualidade de vida entre grupos com bom suporte social e com má qualidade de suporte.
Teste T de Student para os quatro domínios da QV e teste de Mann-Whitney para a QV Geral, comparando os participantes com bom suporte social com os que tinham suporte insuficiente
MSS (n=54) | PSS (n=20) | t | p | |||
M | DP | M | DP | |||
F | 16,52 | 2,011 | 14,77 | 2,083 | 3,287 | 0,002 |
P | 16,16 | 2,167 | 14,45 | 1,935 | 3,094 | 0,003 |
RS | 16,62 | 2,143 | 14,27 | 3,145 | 3,669 | 0,000 |
A | 15,70 | 1,901 | 14,25 | 2,348 | 2,725 | 0,008 |
M | M | u | p | |||
G | 41,52 | 26,65 | 323,000 | 0,005 |
A: domínio ambiente da QV; DP: desvio padrão; F: domínio físico da QV; G: QV geral; M: média; MSS: melhor suporte social; p: nível de significância; P: domínio psicológico da QV; PSS: pior suporte social; RS: domínio relações sociais da QV; t: t de Student; u: u de Mann-Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
Na Tabela 9 encontram-se as diferenças relativas à qualidade de vida, entre participantes com percurso escolar satisfatório e insatisfatório.
Teste T de Student para os quatro domínios da QV e teste de Mann-Whitney para a QV Geral, comparando participantes com percurso escolar satisfatório e insatisfatório
PES (n=48) | PEI (n=26) | t | p | |||
M | DP | M | DP | |||
F | 16,42 | 2,192 | 15,36 | 1,968 | 2,045 | 0,045 |
P | 16,06 | 2,218 | 15,03 | 2,127 | 1,950 | 0,055 |
RS | 16,15 | 2,327 | 15,67 | 3,185 | 0,752 | 0,455 |
A | 15,73 | 2,210 | 14,52 | 1,708 | 2,413 | 0,018 |
M | M | u | p | |||
G | 40,98 | 31,08 | 457,000 | 0,046 |
A: domínio ambiente da QV; DP: desvio padrão; F: domínio físico da QV; G: QV geral; M: média; p: nível de significância; P: domínio psicológico da QV; PES: percurso escolar satisfatório; PEI: percurso escolar insatisfatório; RS: Domínio Relações Sociais da QV; t: t de Student; u: u de Mann-Whitney.
Negritos: valores com significância estatística.
É ainda importante referir que 51,4% dos participantes do nosso estudo tiveram reprovações na escola (com média de 1,74 anos+0,86).
DiscussãoNeste estudo, os pacientes de sexo feminino apresentaram de forma estatisticamente significativa mais queixas somáticas, maiores índices de ansiedade e de depressão, mais alterações do pensamento, mais comportamentos agressivos, bem como maior grau de internalização e, portanto, pior ajustamento psicossocial.
As diferenças verificadas entre os sexos nos pacientes com cardiopatias congénitas poderão estar relacionadas com a presença de uma cicatriz localizada no peito, resultante da intervenção cirúrgica, podendo afetar a imagem corporal e a autoestima e revelar-se como um fator de insegurança e de incerteza no relacionamento interpessoal e sexual. Para além da cicatriz, outro aspeto que pode constituir-se como um fator de insegurança para as pacientes com cardiopatias congénitas reside na possibilidade da doença cardíaca interferir na sua capacidade reprodutiva e com o parto5,6,20.
De salientar que os pacientes do sexo feminino tendem também a apresentar índices mais elevados de preocupação nos aspetos relacionados com o seu corpo, quando comparados com o sexo masculino5.
Também revelam uma tendência para apresentar níveis superiores de ansiedade/depressão perante obstáculos que interferem a nível interpessoal, o que se traduz em níveis superiores de internalização5,6.
As participantes do nosso estudo evidenciaram, assim, um risco superior para apresentar problemas emocionais e comportamentais, quando comparadas com os participantes do sexo masculino21.
Os pacientes com cardiopatias congénitas complexas manifestavam em autorrelato mais queixas somáticas, mais alterações do pensamento e também índices mais elevados de internalização, quando comparados com os pacientes com cardiopatias congénitas menores ou moderadas. Os resultados obtidos parecem sugerir que os adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas complexas apresentam pior ajustamento psicossocial, podendo este facto estar associado à necessidade de estes pacientes requererem mais cuidados a nível médico no decurso da sua vida, enquanto os adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas leves ou moderadas poderão manter uma vida diária idêntica à de outras pessoas da mesma idade consideradas saudáveis6,22.
Tendo em consideração que as cardiopatias complexas apresentam um maior risco para os indivíduos, quando comparadas com as cardiopatias menores ou moderadas, é compreensível que os adolescentes e jovens adultos que têm uma forma complexa apresentem mais queixas somáticas, estando estas associadas ao facto de os pacientes se encontrarem mais vigilantes para os sinais emitidos pelo seu corpo. Estes sinais tendem a interferir com o seu pensamento, tornando-se, deste modo, mais ansiosos relativamente a possíveis complicações que possam surgir (a ansiedade é uma das componentes da escala de internalização).
Quando avaliados pelos cuidadores, os adolescentes e jovens adultos que não tinham sido submetidos a intervenções cirúrgicas apresentavam mais queixas somáticas, assim como alterações do pensamento comparativamente com os adolescentes e jovens adultos que foram sujeitos a intervenções cirúrgicas. Os resultados obtidos no estudo revelam que as intervenções cirúrgicas exercem um papel preponderante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com cardiopatias congénitas9,23.
A doença cardíaca congénita implica um acompanhamento médico regular, sendo que, por esta razão, muitos dos pacientes necessitam de faltar mais à escola. Este afastamento tem como consequência a diminuição do rendimento académico, ansiedade/depressão, problemas de atenção, índices superiores de internalização e de externalização, sendo que estes aspetos corroboram os dados obtidos no estudo, ou seja, os pacientes que apresentavam um percurso escolar insatisfatório apresentavam pior ajustamento psicossocial1,23-26.
No que se refere à morbilidade psiquiátrica, 23% dos pacientes apresentavam diagnóstico psiquiátrico. Tendo por base o valor de referência de 10% apresentado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a população mundial saudável, os resultados sugerem que os adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas poderão ter mais propensão para a psicopatologia17.
Contudo, quando comparada a nossa prevalência (23%) com os valores apontados por um estudo que reúne os dados de seis países europeus (25%) no que diz respeito à presença de algum tipo de perturbação mental, pode constatar-se uma semelhança nos resultados obtidos18. Num outro estudo foram também encontrados resultados semelhantes de prevalência de desordens mentais em Espanha (19,4%), Itália (18,1%) e Alemanha (25,2%), embora estes se contraponham aos números mais díspares para França (37,9%) e Estados Unidos da América (47,4%)19.
Seria, porém, pertinente e desejável comparar a prevalência de psicopatologia nos nossos doentes com valores obtidos para a população portuguesa, o que não é possível por não estarem ainda disponíveis, sendo esta uma das limitações mais importantes do nosso estudo.
Comparando as participantes de sexo feminino com os de sexo masculino, verificamos mais do dobro da prevalência nas primeiras, o que é consistente com o pior ajustamento psicossocial também verificado e com a prevalência de psicopatologia (sobretudo de tipo depressivo e ansioso) reportadas em estudos populacionais de vários países.
Neste estudo, foi possível verificar que a população de pacientes com cardiopatias congénitas revelava uma melhor perceção da sua qualidade de vida, comparativamente com os valores de referência da população saudável portuguesa nos domínios das relações sociais e ambiente. Outros autores também verificaram uma menor qualidade de vida comparativamente com a população normal, sobretudo a nível do domínio físico e no domínio da qualidade de vida geral do WHOQOL-BREF, enquanto também se verificam diferenças nos domínios psicológico e social, mas não com uma diferença tão expressiva12.
Os indivíduos que não foram submetidos a qualquer tipo de intervenção cirúrgica obtiveram melhor qualidade de vida ao nível físico, de relações sociais e geral, na autoavaliação, quando comparados com participantes sujeitos a cirurgia(s). Ainda que a grande parte dos pacientes com cardiopatias congénitas sujeitos a correções cirúrgicas tendam a conseguir um funcionamento normal nos vários vetores da sua vida, são colocados em jogo alguns desafios desenvolvimentais nos casos em que a cardiopatia tem uma gravidade complexa ou moderada, o que dificulta o planeamento a longo prazo do futuro dos pacientes27.
O suporte social revelou uma grande influência na qualidade de vida, uma vez que os indivíduos com melhor suporte social apresentam melhor qualidade de vida em todos os domínios avaliados, mais concretamente físico, psicológico, relações sociais, ambiente e qualidade de vida geral.
O suporte social, seja a nível individual, da família ou da comunidade é um dos recursos primários com um efeito mais significativo, mesmo como mediador de extrema importância entre stress e bem-estar psicológico28. É também importante destacar o papel atribuído ao suporte social, uma vez que a perceção da disponibilidade de suporte social é muito importante para diminuir os efeitos do stress a nível dos problemas de saúde, seja a nível físico ou psicológico28. Os indivíduos com um percurso escolar satisfatório apresentam melhor qualidade de vida a nível físico, ambiente e qualidade de vida geral, além de uma tendência para melhor qualidade de vida a nível psicológico. O desempenho escolar pode ser altamente afetado pelas cardiopatias congénitas, já que a necessidade de hospitalizações e de restrição das atividades com os colegas pode implicar afastamentos regulares da atividade escolar1,29.
ConclusõesOs resultados obtidos neste estudo parecem evidenciar que os adolescentes e jovens adultos com cardiopatias congénitas apresentam uma predisposição para apresentar problemas emocionais e comportamentais. Entre eles, os pacientes que parecem sofrer mais com os efeitos decorrentes do ajustamento psicossocial são os pacientes do sexo feminino, os pacientes com cardiopatias congénitas complexas, os pacientes que não foram sujeitos a intervenções cirúrgicas (opinião dos cuidadores) e os pacientes com um percurso escolar insatisfatório.
Os dados obtidos sobre morbilidade psiquiátrica nesta população parecem indicar uma propensão ligeiramente mais alta para ser afetado por distúrbio psicopatológico.
Além disso, os participantes deste estudo revelaram uma melhor qualidade de vida comparativamente à população portuguesa, tendo-se destacado o papel do suporte social.
No entanto, ainda que os vários tipos de suporte social tenham um papel de destaque, o facto de ser um tipo de doença diagnosticada numa fase inicial da sua vida faz com que os pacientes tenham de pôr em jogo todas as suas competências para conseguirem fazer face às tarefas do desenvolvimento normativo e viver uma vida normal, com algumas limitações que são suplantadas com recurso às estratégias de coping que elaboraram.
FinanciamentoEsta investigação teve o financiamento da CESPU.
Conflito de interessesEsta investigação teve o financiamento da CESPU.
AgradecimentosEsta investigação teve o financiamento da CESPU.