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Vol. 37. Núm. 4.
Páginas 305-306 (Abril 2018)
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Adesão terapêutica – o elefante na sala
Therapeutic adherence: The elephant in the room
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António Miguel Ferreira
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, CHLC, Carnaxide, Portugal
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Ana C. Cabral, Mariana Moura-Ramos, Margarida Castel-Branco, Fernando Fernandez-Llimos, Isabel V. Figueiredo
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A hipertensão arterial (HTA) é reconhecidamente um dos fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento de doença cardiovascular e suas complicações1,2. Apesar do uso de fármacos anti‐hipertensores cada vez mais eficazes e de uma crescente sensibilização da sociedade para as consequências da HTA, continuamos a ter uma proporção significativa da população com HTA não controlada. Entre as diversas razões para esse fenómeno a falta de adesão à terapêutica farmacológica surge em lugar de destaque. Esse é um problema que recebe habitualmente pouca atenção nas publicações e reuniões científicas, mas que se torna incontornável se realmente queremos reduzir a carga da doença cardiovascular na nossa sociedade. A evidência está aí e deve fazer‐nos refletir: cerca de metade dos doentes deixa de tomar a medicação crónica no primeiro ano de prescrição e aqueles que não cumprem os esquemas terapêuticos têm pior qualidade de vida, mais internamentos e mais eventos cardiovasculares3. Desenganem‐se aqueles que possam pensar que a má adesão à terapêutica tem um lado positivo com alguma poupança em medicamentos. Essa eventual poupança é amplamente suplantada por um enorme acréscimo de custos diretos e indiretos (em internamentos, intervenções etc.), de tal forma que em alguns países se estima que a má adesão à terapêutica seja responsável por 3‐10% dos custos totais com cuidados de saúde4. Perante um fator tão importante para o sucesso do combate às doenças cardiovasculares, é espantoso o quão pouco investigamos sobre esse assunto.

Melhorar a adesão terapêutica dos nossos doentes implicará a compreensão da extensão, das causas e dos mecanismos desse fenómeno complexo. Nessa tarefa, os desafios começam logo na forma de avaliar a dimensão do problema. Infelizmente, a perceção dos clínicos sobre se um determinado doente toma (ou não) a medicação prescrita parece ser pouco melhor do que o método «moeda ao ar»5,6. Ter uma forma objetiva de medir a adesão terapêutica é, pois, um primeiro passo essencial para avaliar o impacto de eventuais intervenções. Existem várias formas de aferir a adesão terapêutica, que se podem classificar em diretas e indiretas. As formas diretas incluem a observação direta da toma, a medição dos níveis sanguíneos do fármaco ou seus metabolitos e a medição de marcadores biológicos. Como é fácil de perceber, os métodos diretos não são práticos para uso clínico rotineiro. Por sua vez, os métodos indiretos incluem a administração de questionários, o autorreporte, a contagem de comprimidos, a taxa de dispensa de prescrições e a monitoração electrónica, entre outros7. Pela sua facilidade de uso, os questionários estão entre as ferramentas mais frequentemente empregadas no estudo da adesão terapêutica. Embora possam ser enviesados pela tendência dos doentes em sobrevalorizar o seu próprio cumprimento terapêutico, os questionários são uma forma fácil, rápida e barata de aferir a adesão terapêutica. É nesse contexto que se enquadra o artigo original de Cabral et al. publicado neste número da Revista Portuguesa de Cardiologia8. Nesse artigo, os autores procedem à adaptação para português e validação de uma escala de adesão à terapêutica farmacológica (8‐item Morisky Medication Adherence Scale) em uma população de 472 hipertensos medicados inquiridos em nove farmácias comunitárias e um hospital público. A versão portuguesa dessa escala de adesão terapêutica mantém uma estrutura semelhante à da escala original e apresenta boas propriedades psicométricas, o que a valida para aplicação clínica e investigacional entre nós. Os autores devem ser cumprimentados pela contribuição que dão, ao fornecer aos clínicos e investigadores portugueses uma ferramenta para medir a adesão terapêutica. Acessoriamente, dão‐nos uma ideia da dimensão do desafio que temos pela frente: 28% dos doentes revelavam uma adesão baixa, 38% uma adesão média e apenas 34% reportavam uma adesão elevada à terapêutica anti‐hipertensora. Se esses números forem representativos da nossa realidade, pode bem dizer‐se que estamos perante verdadeiro «elefante na sala»: um problema bem evidente, mas do qual pouco se fala. Possa esse artigo ser um estímulo a que esse tema mereça de todos nós uma maior atenção.

Conflitos de interesse

O autor declara não haver conflitos de interesse.

Bibliografia
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A. Cabral, M. Moura-Ramos, M. Castel-Branco, et al.
Cross‐cultural adaptation and validation of a European Portuguese version of the 8‐item Morisky medication adherence scale.
Rev Port Cardiol., 37 (2018), pp. 297-303
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