O acesso radial para efetuar um cateterismo cardíaco foi descrito pela primeira vez por Radner, em 19481, mas só em 1989 Campeau publicou a primeira série de 100 doentes submetidos a coronariografia por via radial2, e Kiemeneij, em 1993, publicou os primeiros três casos de angioplastia com colocação de stents com este acesso vascular3. Nesta altura, a via radial era vista com alguma desconfiança, pela taxa elevada de insucesso e de crossover para via femoral e, por isso, na grande maioria dos centros a via femoral continuou a ser preferida. Um dos principais motivos que contribuiu para isso tinha a ver com a forma viciada com que os operadores dedicados ao acesso femoral faziam a punção radial e o cateterismo por esta via. Outro importante motivo era a falta de material dedicado, como agulhas de punção, introdutores hidrofílicos e cateteres específicos para diagnóstico e intervenção que só começaram a ser disponibilizados pelas companhias na década seguinte4.
Nos últimos dez anos, temos assistido a um incremento importante no volume de intervenções percutâneas por esta via, sendo a primeira escolha como via de acesso vascular para as coronariografias e intervenções coronárias na Europa e em muitos países do mundo. Em Portugal, a intervenção por acesso radial passou de 4,1% em 2004 para 57,9% em 20135, situando‐se no ano de 2016 em 75,5%, segundo o Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção (RNCI, APIC‐SPC)6.
A vantagem inequívoca deste acesso tem sobretudo a ver com a segurança dos procedimentos, principalmente quando estão em causa intervenções em doentes de maior fragilidade e sob terapêuticas antitrombóticas mais agressivas, como nas síndromas coronárias agudas7,8. Outra vantagem adicional é a redução do tempo de internamento e a deambulação precoce, abrindo a possibilidade de procedimentos em regime de ambulatório.
No enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento ST (STEMI), vários estudos comprovaram as vantagens desta via, pela redução das complicações hemorrágicas e pelo impacto na redução da mortalidade e, por isso, o acesso radial é uma das recomendações atuais das guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia9.
O cateterismo por acesso radial apresenta, no entanto, alguns desafios adicionais, mesmo com operadores experientes, como sejam a tortuosidade da artéria subclávia direita, que pode levar a manipulação excessiva e eventual torção dos cateteres, o mau apoio na coronária direita com o uso de cateteres convencionais desenhados para a via femoral e o espasmo da artéria radial, aquando da punção ou durante o procedimento.
Recentemente, o desenvolvimento de introdutores hidrofílicos 7 em 6F (introdutor 6F com lúmen interno equivalente a 7F) permite angioplastias mais complexas com cateteres de maior calibre: Rotablator, oclusões crónicas ou técnicas de dois stents em simultâneo no tratamento de bifurcações.
A taxa de sucesso na punção radial tem uma relação direta com a experiência do operador e do centro, mas também do tipo de doente e apresentação clínica. Todas as estratégias que possam ter impacto no aumento do número de doentes que possam beneficiar de uma abordagem radial têm impacto potencial na redução de eventos.
O trabalho de Ünal et al.10 é um estudo aleatorizado, que compara duas estratégias de intervenção na redução do espasmo radial durante a punção arterial para cateterismo por esta via. Um total de 90 doentes propostos para cateterismo por via radial foi aleatorizado em dois grupos: ao primeiro grupo, foi administrado uma mistura de baixas doses de nitroglicerina e diltiazem de forma subcutânea; no segundo grupo, os doentes eram sujeitos a um processo de aumento da temperatura corporal no local de punção por aquecimento, através de contacto direto com a mão do operador durante três minutos. O endpoint do estudo é um score que reflete a facilidade da punção (puncture score: 1‐4) e que, neste estudo, foi mais baixo no grupo de doentes em que a punção radial foi feita após aquecimento local. Não foi objeto deste estudo, mas seria interessante perceber, se esta estratégia ajudou a prevenir espasmos arteriais após a punção já no decurso do cateterismo.
As temperaturas baixas estimulam o sistema nervoso adrenérgico causando vasoconstrição, agravada pela administração de lidocaína, e é lógico que este processo possa ser contrariado pelo aumento da temperatura local. Melhorando a eficácia da punção o procedimento é mais rápido, menos traumático para o doente e provavelmente terá menos espasmo arterial durante o resto do exame ou intervenção. Não foi ainda provada uma relação direta entre a ocorrência de espasmo arterial com a oclusão radial, mas parece óbvio que uma artéria com redução de calibre após espasmo possa sofrer mais dano pelos introdutores e cateteres do que uma artéria radial sem espasmo, com uma punção fácil conseguida na primeira tentativa. A administração de heparina, o uso de introdutores de menor calibre e tempos de compressão mais curtos foram já associados a um menor número de oclusões radiais no seguimento11. Este será um importante endpoint a ter em conta num estudo posterior, pois há um significativo número de doentes que podem beneficiar de novos procedimentos pela mesma via de acesso.
Por último, deve ser referido que este é o primeiro estudo e que, de forma ideal, o conceito inerente à manobra de Balbay deverá ser validado num estudo com maior número de doentes e, de preferência, multicêntrico.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.