Lemos com muito interesse o estudo HIPOGAIA1, que, durante o ano de 2014, avaliou 479 doentes com fibrilhação auricular não‐valvular anticoagulados com antagonistas da vitamina K (AVK) e que revelou um padrão de controlo da farmacodinâmica destes fármacos de grau moderado, com um Time in Therapeutic Range (TTR) médio de 67,4%, com cerca de um terço dos doentes (35,4%) a apresentarem um padrão de controlo inadequado (TTR médio<60%), nos cuidados de saúde primários.
Os resultados são interessantes, contudo, parece‐nos importante uma contextualização, tendo em conta a evolução do padrão de prescrição dos anticoagulantes orais em Portugal, particularmente com os novos anticoagulantes orais (Non‐vitamin K antagonists oral anticoagulants [NOAC]).
Os NOAC foram aprovados para a fibrilhação auricular não valvular em data antecessora ao estudo HIPOGAIA, sendo três deles (apixabano, rivaroxabano e dabigatrano) comparticipados para esta indicação desde agosto de 2014, período que envolve o estudo. O valor terapêutico adicional, baseado na conveniência e segurança2–4, aliadas a uma eficácia pelo menos não‐inferior à varfarina, faz com que estes fármacos sejam opções atraentes nos doentes que não apresentem contraindicações.
Por estes motivos, estima‐se que uma proporção substancial de doentes seja medicada com NOAC ad initio e outros realizem a alteração de AVK para NOAC (por exemplo, doentes com controlo de INR inadequado – TTR baixo). Logo, a população de doentes que realiza anticoagulação oral com AVK vai sendo cada vez mais selecionada, podendo explicar parte dos resultados verificados no estudo HIPOGAIA (tal como a permanência de doentes com TTR mais baixo em consulta hospitalar5).
A apoiar a hipótese dos NOAC como a primeira linha da anticoagulação oral em Portugal (tal como recomendado pelas normas de orientação clínica da Sociedade Europeia de Cardiologia6), estão os dados de prescrição de anticoagulantes orais do INFARMED e da IMS (independentemente da indicação terapêutica).
Desde 2010 ao primeiro trimestre de 2016 que o número de caixas e doses diárias definidas ([DDD] uma medida padronizada pela Organização Mundial de Saúde para avaliar a prescrição e/ou dispensa de fármacos) dos NOAC têm vindo aumentar (Figuras 1 e 2). Os AVK atingiram o seu pico de prescrição em 2014, estando atualmente em decréscimo (Figuras 1 e 2).
Apesar desta variação no padrão de prescrição, a quantidade de anticoagulantes orais prescritos tem aumentado significativamente (um bom indicador, tendo em conta a subprescrição de anticoagulantes orais previamente documentada7), muito à custa dos NOAC. No primeiro trimestre de 2016, os NOAC já dominavam a quota de mercado dos anticoagulantes orais com 58,4% das embalagens vendidas e 51,1% das DDD (Figura 1).
Portugal já está na era dos NOAC!
FinanciamentoDC recebeu uma bolsa Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) –SFRH/SINTD/96409/2013 – bolsa interno‐doutorando.
Conflito de interessesDC e JJF declaram não haver conflito de interesses. FJP é consultor da Astra Zeneca, Bayer e Boehringer Ingelheim.
À IMS e ao INFARMED, os nossos agradecimentos pela disponibilização dos dados de prescrição/dispensa de anticoagulantes orais em ambulatório.