A fibrilhação auricular é a arritmia cardíaca mais comum. Tem repercussões clínicas importantes pelo aumento de fenómenos tromboembólicos e da mortalidade. Os scores CHA2DS2VASc e HAS-BLED auxiliam o clínico a ponderar os benefícios e riscos da terapêutica antitrombótica.
ObjetivoPretendeu-se avaliar e melhorar a qualidade da terapêutica profilática antitrombótica prescrita a doentes com fibrilhação auricular.
MétodosÉ um estudo de qualidade integrando um circuito de avaliação e melhoria, aplicado à população de uma unidade de saúde familiar. O ciclo era composto por uma primeira avaliação, intervenção educacional e fechava-se com uma segunda avaliação. Calcularam-se ambos os scores para todos os doentes. Sempre que o CHA2DS2VASc recomendava o início de anticoagulantes ponderou-se o risco versus benefício com o HAS-BLED. Assim foi possível determinar para cada doente se a terapêutica prescrita era adequada.
ResultadosNa primeira avaliação foram incluídos 105 doentes, dos quais 49,5%, segundo a ponderação dos scores, tinham uma terapêutica profilática adequada. Na segunda avaliação, quatro meses após a intervenção, a adequação terapêutica foi de 60,0%. A variação correspondeu a uma melhoria de 21,2% quanto ao número de doentes com terapêutica adequada.
ConclusõesEm ambas as avaliações a inadequação terapêutica deveu-se à não instituição de profilaxia com anticoagulantes orais. Este ciclo de qualidade serve como ferramenta para se manter uma avaliação contínua na busca de uma melhoria de assistência aos doentes com fibrilhação auricular.
Atrial fibrillation is the most common cardiac arrhythmia and has important clinical repercussions, increasing thromboembolic events and mortality. The CHA2DS2-VASc and HAS-BLED scores assist the clinician in assessing the benefits and risks of antithrombotic therapy.
ObjectiveThe aim of this study was to assess and improve the quality of prophylactic antithrombotic therapy prescribed to patients with atrial fibrillation.
MethodsThis was a quality study, based on a cycle of assessment and improvement, applied to the population of a family health unit, consisting of an initial assessment, an educational intervention and a second assessment. Both scores were calculated for all patients. Whenever the CHA2DS2-VASc score recommended initiation of anticoagulation, the risk was calculated by the HAS-BLED score; it was thus possible to determine for each patient if the prescribed therapy was appropriate.
ResultsThe first assessment included 105 patients, of whom 49.5% had appropriate prophylactic therapy according to their scores. In the second assessment, four months after the educational intervention, 60.0% had been prescribed appropriate therapy, which represented a 21.2% improvement.
ConclusionsIn both assessments, inappropriate treatment was due to non-prescription of prophylactic oral anticoagulation. This quality cycle serves as a tool for continuous assessment in the pursuit of improved care for patients with atrial fibrillation.
A fibrilhação auricular (FA) tem um lugar de destaque entre as arritmias cardíacas por ser a mais comum1,2. Estima-se que a prevalência mundial de FA seja de 1%1,3, encontrando-se variações geográficas importantes2,4,5. Em Portugal admite-se uma prevalência acima dos 40 anos de 2,5%, chegando aos 10,4% na população com mais de 80 anos6. Por se relacionar diretamente com a idade7, prevê-se que devido ao envelhecimento da população dentro de 50 anos a sua prevalência duplique8.
A FA tem repercussões clínicas importantes. Duplica a taxa de mortalidade global, quintuplica a incidência de acidentes vasculares cerebrais (AVC), o número de hospitalizações, assim como aumenta a incidência de outros eventos tromboembólicos e diminui a qualidade de vida dos doentes2,3,9. Por este motivo é importante introduzir uma terapêutica profilática antitrombótica correta, eficaz na prevenção de complicações10.
Neste sentido, a Sociedade Europeia de Cardiologia recomenda o uso do score CHA2DS2VASc3. Esta ferramenta permite estratificar os doentes segundo o seu risco de sofrer um AVC no prazo de 12 meses e recomenda, segundo esse risco, uma terapêutica profilática antitrombótica (Tabela 1). Contudo, em todos os casos onde se pondera a introdução de anticoagulantes orais (ACO) é necessário avaliar o risco de complicações hemorrágicas. Para se iniciar os ACO o benefício na redução do risco de AVC tem de ser superior ao risco de complicações hemorrágicas. Para ajudar o clínico nesta tarefa surgiram escalas de risco hemorrágico, como é caso do score HAS-BLED11. Esta ferramenta que permite calcular o risco hemorrágico em pacientes com FA é um importante auxílio na hora de decidir sobre instituição de terapêutica antitrombótica.
Na prática clínica a ponderação entre o risco e benefício do uso de ACO deverá assentar no balanço entre o score CHA2DS2VASc e o HAS-BLED. Quando o score CHA2DS2VASc é ≥2, ou seja, o doente tem um risco trombótico que lhe confere indicação para iniciar terapêutica com ACO, o risco hemorrágico desta terapêutica supera os benefícios quando o score HAS-BLED é superior ao valor do CHA2DS2VASc11. Nos casos em que o score CHA2DS2VASc é 1, o risco hemorrágico supera os benefícios quando o HAS-BLED é ≥33,11.
Com o objetivo de avaliar e melhorar a qualidade assistencial respeitante à profilaxia antitrombótica prescrita a doentes com diagnóstico de FA, decidimos iniciar um ciclo de qualidade na nossa unidade de saúde familiar (USF).
Material e métodosTrata-se de um estudo realizado no âmbito de um ciclo de qualidade, integrando um circuito de avaliação e melhoria, sobre a qualidade técnico-científica da terapêutica profilática antitrombótica prescrita em doentes com diagnóstico de FA.
O estudo incidiu sobre uma amostra seletiva de base institucional, obtida a partir da lista de utentes inscritos na USF. A população alvo era composta pelos doentes com registo no processo informático de pelo menos um dos seguintes códigos ICPC-212 como um problema de saúde: K78 (fibrilhação/flutter auricular) ou K80 (arritmia cardíaca não especificada). Também se considerou o K80 para minimizar o viés provocado pela codificação incorreta do problema cardíaco. Porém, só foram incluídos na amostra os doentes que tinham FA comprovada através de exame complementar de diagnóstico (ECG ou Holter) registado no processo clínico. Excluíram-se aqueles em que havia registo processual de conversão da FA e os que tinham menos de dois contactos médicos na USF, nos 12 meses prévios ao início do estudo. Estes critérios de exclusão tinham como objetivo evitar o uso de informações obtidas de processos clínicos desatualizados.
Calculamos para todos os doentes os seus scores CHA2DS2VASc e HAS-BLED, apesar de só ser necessário ponderar ambos quando há indicação para iniciar ACO.
O cálculo do CHA2DS2VASc implica avaliar oito parâmetros (Tabela 2). A presença da insuficiência cardíaca congestiva correspondeu ao registo do código K77 (insuficiência cardíaca). Considerou-se que o paciente sofria de hipertensão arterial (HTA) caso estivesse registado no campo dos problemas um dos seguintes códigos ICPC-2, K86 (hipertensão sem complicações) ou K87 (hipertensão com complicações). Os códigos T89 (diabetes tipo 1) e T90 (diabetes tipo 2) corresponderam à presença de diabetes mellitus. Considerou-se haver antecedentes de fenómenos tromboembólicos perante o registo dos códigos K89 (isquemia cerebral transitória), K90 (trombose/AVC) e K94 (flebite/tromboflebite). A presença de doença vascular correspondeu aos códigos K74 (doença cardíaca isquémica com angina), K75 (enfarte agudo do miocárdio) e K76 (doença cardíaca isquémica sem angina).
O cálculo do HAS-BLED implica avaliar sete parâmetros (Tabela 3). Entre os doentes com registo de HTA atribuiu-se o score de hipertensão não controlada aos que tinham registo, nos últimos 12 meses, de um valor tensional sistólico superior a 160mmHg. Definiu-se que o doente sofria de disfunção renal quando havia registo no campo dos problemas ou antecedentes pessoais relativos à realização de diálise, transplante renal ou quando o valor de creatinina era superior a 2,25mg/dL. Considerou-se que havia alterações hepáticas quando havia registo de cirrose ou evidências bioquímicas de atingimento hepático, como seja a elevação da bilirrubina total acima de 1,0mg/dL em associação com elevação de pelo menos uma enzima hepática (AST, ALT ou LDH) três vezes acima do normal. Considerou-se haver antecedentes de AVC quando havia registo de algum dos códigos K91 (doença vascular cerebral) ou K90 (trombose/AVC). O parâmetro «medicação» refere-se ao uso de agente antiplaquetários ou de anti-inflamatórios não esteroides (AINES). Considerou-se que a medicação efetuada pelo doente corresponde ao registo do processo clínico no campo «medicação crónica». O consumo de álcool foi considerado relevante quando havia registo do código P15 (abuso crónico álcool) entre os problemas de saúde activos. Os parâmetros «hemorragias» e «INR lábil» entraram no cálculo do HAS-BLED como zero, devido à ausência de dados a este respeito no processo clínico.
Fatores de risco para cálculo do score HAS-BLED
Fatores de risco | Score | |
H | Hipertensão não controlada | 1 |
A | Alteração hepática ou renal | 1 ou 2 |
S | AVC | 1 |
B | Hemorragia | 1 |
L | INR lábil | 1 |
E | Idade ≥65 | 1 |
D | Medicação e/ou álcool | 1 ou 2 |
AVC: acidente vascular cerebral; INR: índice internacional normalizado.
A adequação da terapêutica profilática antitrombótica prescrita foi avaliada individualmente para cada doente. Procedeu-se à ponderação entre scores sempre que o valor do CHA2DS2VASc recomendava o início de ACO. Assim foi possível determinar para cada doente se a terapêutica profilática antitrombótica era correta ou incorreta.
O plano estabelecido para o ciclo de qualidade estendeu-se por quatro meses, compreendendo a avaliação inicial, a intervenção educacional e terminando com a reavaliação.
O ciclo iniciou-se com uma primeira avaliação, que serviu para conhecer a posição da USF no que respeita ao critério de qualidade. Os resultados foram apresentados, em reunião clínica, à equipa médica, fornecendo-se a cada médico a lista dos seus utentes com terapêutica inadequada, seguindo-se um período de discussão. Visando a melhoria foi promovida a autoavaliação e avaliação interna dos resultados.
A intervenção educacional consistiu numa apresentação oral, realizada uma semana após a apresentação dos resultados, sobre a terapêutica profilática antitrombótica da FA, segundo os scores CHA2DS2VASc e HAS-BLED. Esta apresentação foi elaborada pelos investigadores a partir das orientações da Sociedade Europeia de Cardiologia para o tratamento da FA3 e do artigo que suporta o score HAS-BLED11.
Após quatro meses foi feita nova avaliação da qualidade, submetendo os resultados a nova avaliação interna, fechando-se assim o ciclo.
Os dados necessários ao cálculo dos scores foram obtidos a partir dos processos clínicos informáticos, através do software MedicineOne. Para o tratamento estatístico foi utilizado o software Microsoft Excel 2010.
ResultadosOs dados para a primeira avaliação foram colhidos pelos investigadores, entre 1-4 de maio de 2012. A unidade estudada foi obtida a partir do universo composto pelos 15 749 utentes inscritos na USF.
Para a primeira avaliação apurámos uma amostra de 105 doentes, dos quais 50,5% (n=53) eram do sexo feminino, sendo a média etária de 74,3 anos (±9,44). A partir destes dados estima-se uma prevalência de FA entre os utentes da USF de 0,7%.
O cálculo do score CHA2DS2VASc mostra que a nível global 95,2% (n=100) dos doentes tinham um score igual ou superior a dois. Este valor é importante porque segundo a validação original um score igual ou superior a dois coloca os doentes num patamar de risco elevado para AVC. Entre os fatores de risco o mais prevalente foi a HTA, atingindo 81,9% (n=86) dos doentes, seguida da insuficiência cardíaca (52,4%; n=55), diabetes mellitus (26,7%; n=28), doença vascular (19,0%; n=20) e por último os antecedentes de fenómenos tromboembólicos (14,3%; n=15). Quanto ao risco conferido pela idade, 33,3% (n=35) tinham entre 65-74 anos de idade e 52,4% (n=55) tinham mais de 74 anos.
O risco hemorrágico foi avaliado para todos os doentes da amostra, verificando-se que 21,0% (n=22) tinham um score HAS-BLED ≥3. Este score confere-lhes um risco hemorrágico que obriga a uma vigilância mais apertada no caso de se iniciar terapêutica com ACO.
Entre os fatores de risco avaliados pelo score HAS-BLED o mais prevalente foi a idade superior a 65 anos (84,8%; n=89), seguido da medicação com antiplaquetários ou AINES (53,3%; n=56), 18,1% (n=19) sofriam HTA não controlada, 14,3% (n=15) tinham antecedentes de AVC, 4,8% (n=5) apresentavam alterações da função hepática ou renal e 3,8% (n=4) tinham história de consumo de álcool.
A análise dos scores mostra que 49,5% (n=52) tinham uma terapêutica adequada.
Analisando a taxa de adequação segundo o score CHA2DS2VASc, verifica-se que a adequação terapêutica diminui com o aumento do score, até um score igual a sete, quando passa a ser 100% (Tabela 4). Nenhum paciente faz ACO sem ter benefício nesta terapêutica. A inadequação terapêutica está na não instituição desta terapêutica em doente que dela beneficiariam (Tabela 5).
Taxa de adequação terapêutica segundo o score CHA2DS2VASc
CHA2DS2VASc | 1.a avaliação | 2.a avaliação | ||
% de adequação | n | % de adequação | n | |
0 | - | 0 | - | 0 |
1 | 80,0 | 5 | 100,0 | 5 |
2 | 69,2 | 13 | 81,8 | 9 |
3 | 50,0 | 22 | 54,5 | 12 |
4 | 42,3 | 26 | 59,1 | 13 |
5 | 41,7 | 24 | 47,6 | 10 |
6 | 33,3 | 12 | 45,5 | 5 |
7 | 100,0 | 1 | 100,0 | 1 |
8 | 100,0 | 2 | 100,0 | 2 |
9 | - | 0 | - | 0 |
N: número de doentes.
Taxa de adequação terapêutica segundo a terapêutica indicada pela ponderação de scores
Tratamento indicado | 1.a avaliação | 2.a avaliação | ||
% adequação | n | % adequação | n | |
AAS ou nada | 100,0 | 3 | 100,0 | 3 |
AAS ou ACO | 80,0 | 5 | 100,0 | 5 |
ACO | 46,4 | 97 | 56,3 | 87 |
AAS: ácido acetilsalicílico; ACO: anticoagulantes orais; n: número de doentes.
A segunda avaliação ocorreu quatro meses após a intervenção educacional. A colheita de dados decorreu entre 3-7 de setembro de 2012. A amostra apurada era constituída por 95 doentes, dos quais 50,5% (n=48) eram do sexo feminino, sendo a média etária de 73,6 anos (±9,21).
O score CHA2DS2VASc foi igual ou superior a dois para 94,7% (n=90) dos doentes. Por outro lado, para 21,1% (n=20) foi calculado um score HAS-BLED igual ou superior a três.
Após ponderação, o valor global de adequação terapêutica encontrava-se nos 60,0% (n=57). Isto significa um aumento em 21,2% do número de doentes com terapêutica adequada, comparativamente à primeira avaliação.
Analisando a taxa de adequação segundo o score CHA2DS2VASc, verifica-se uma diminuição da adequação terapêutica, entre os scores dois e seis, à medida que este aumenta (Tabela 4).
Todos os doentes que não têm benefício em fazer ACO ou não têm uma indicação rígida para ACO estão corretamente tratados. Assim como na primeira avaliação, a inadequação terapêutica está na não instituição de profilaxia com ACO (Tabela 5).
DiscussãoEste trabalho destaca-se pela originalidade em aplicar, numa USF, um ciclo de qualidade e melhoria sobre a profilaxia antitrombótica prescrita a doentes com FA. Foi desenhado como procedimento de avaliação interna e que se espera ser um estímulo para que ciclos similares sejam iniciados noutras USF.
O impacto que a FA tem na prática clínica, na vida dos doentes e a duplicação prevista da sua prevalência alertaram-nos para a necessidade de pensar novas estratégias. Elaborámos este ciclo para servir como uma abordagem estruturada e corretiva da terapêutica prescrita.
Este ciclo ganha ainda mais relevo perante os indicadores conhecidos para taxa de diagnóstico e terapêutica com ACO. O estudo FAMA, realizado para uma amostra representativa da população portuguesa com mais de 40 anos, mostra que a FA está subdiagnosticada e que apenas 38,5% dos doentes faz ACO6. O número de doentes medicados com ACO mesmo antes da intervenção educacional (49,5%) era superior ao que o estudo FAMA encontrou. A diferença na origem das amostras pode ser a explicação para esta diferença. Ao contrário do FAMA, este estudo não se baseia numa amostragem representativa da população portuguesa, baseia-se antes numa população servida por uma USF. Esta população pode estar sobre maior vigilância médica, devido ao trabalho na USF ser orientado por indicadores de desempenho, influenciando de forma positiva os resultados.
Relativamente aos cuidados de saúde primários, a Rede de Médicos Sentinela realizou, em 2006, um estudo que procurou caracterizar a FA e os regimes terapêuticos usados. Identificaram uma taxa de 46,5% de doentes a fazer ACO13.
Um estudo realizado numa USF, em 2010, incidindo sobre indivíduos com FA e acima dos 80 anos de idade, mostra que apenas 35,5% faziam ACO e que quase 10% não tinham qualquer terapêutica antitrombótica prescrita14. A divulgação destes dados à população pode ser uma boa forma de aumentar o conhecimento e a consciência coletiva face a este problema, podendo daí resultar ganhos ao nível do diagnóstico e da adesão à terapêutica.
Um ciclo de qualidade é uma excelente ferramenta para se melhorar a qualidade assistencial, permite-nos conhecer os erros, comparar resultados e obriga à atualização de conhecimentos. Um exemplo dessa exigência é a publicação de novas recomendações sobre a terapêutica da FA, em 2012, pela Sociedade Europeia de Cardiologia15. A principal novidade segundo as novas recomendações é que se deve iniciar ACO para scores de CHA2DS2VASc iguais a um, ao invés de se possível iniciar terapêutica com agentes antiplaquetários. Como a intervenção educacional foi realizada antes da publicação da atualização das recomendações, a segunda avaliação baseou-se nas orientações disponíveis na altura. Uma reanálise dos dados da segunda avaliação mostra que segundo as novas recomendações a adequação terapêutica se cifraria pelos 56,8%.
Ao contrário da validação original do score HAS-BLED11, a Sociedade Europeia de Cardiologia, nas suas novas recomendações, não vê este score como motivo para excluir per se os doentes da terapêutica com ACO. Apesar de neste estudo não se encontrarem doentes a fazer ACO, cuja ponderação entre scores o desaconselhe, é necessário ter cautela nesta apreciação pois o score HAS-BLED foi subcalculado devido às limitações metodológicas. Todavia, é consensual que os doentes com um score HAS-BLED igual ou superior a três devem ter uma vigilância mais apertada caso iniciem ACO, não sendo, no entanto, contraindicação absoluta.
A principal limitação metodológica relaciona-se com a origem dos dados. A seleção de pacientes com base na codificação processual dos problemas de saúde levanta a hipótese de subamostragem por codificação incorreta dos problemas de saúde no processo clínico. A ausência de registo processual dos exames complementares de diagnóstico também pode ter provocado subamostragem. Ao mesmo tempo, alguns doentes podem já não ter FA por algum processo de conversão e essa informação não estar disponível no processo. Assim, a desatualização da informação processual pode originar incorreções na obtenção da amostra e no cálculo dos scores. Esta limitação obrigou ao subcálculo do score HAS-BLED pela não avaliação de todos os fatores risco.
A prevalência de FA para a população estudada (0,7%) é inferior aos valores conhecidos para as populações portuguesa (2,5%)6 e mundial (1,0%)1,3. Esta diferença poderá dever-se às variações regionais de prevalência e às limitações metodológicas anteriormente abordadas.
O método de intervenção educacional foi desenhado pelos investigadores, que não encontraram nas fontes de informação nenhum outro modelo de intervenção validado.
Segundo a ponderação entre os scores, eram esperados mais doentes anticoagulados do que os encontrados. A melhoria de desempenho que se espera com o ciclo é precisamente melhorar o número de doentes corretamente medicados.
É necessário avaliar individualmente cada doente, porque muitas vezes apresentam características que não se enquadram nas orientações dos consensos clínicos. Nestes casos é fundamental que o clínico conheça o contexto em que se insere o doente, para que possa ponderar devidamente os riscos e benéficos da terapêutica com ACO.
O surgimento de novos fármacos anticoagulantes, com perfis farmacocinéticos e farmacodinâmicos diferentes, pode alterar muitas das práticas atuais relativas à vigilância e controlo dos doentes hipocoagulados. Podendo ser uma ajuda na melhor adequação terapêutica.
A perpetuação deste ciclo permitirá ter ganhos graduais no número de doentes corretamente tratados, seguindo as atualizações científicas que forem ocorrendo.
ConclusõesOs scores permitem ao médicos tomar uma decisão terapêutica informada e baseada na evidência científica. São uma importante ferramenta de auxílio aos clínicos para ultrapassarem as barreiras que se levantam na hora de iniciar ACO.
A orgânica da USF parece ser favorável ao melhor tratamento destes doentes e este trabalho pode servir de base de comparação a ciclos similares a instituir noutras unidades.
Avaliar o nosso desempenho é um procedimento fundamental para se conseguir melhorar a qualidade assistencial aos doentes.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.