Marta Braga et al.1 estudaram uma população de 731 doentes coronários que concluíram a fase II do programa de reabilitação cardíaca (PRC) de um centro português, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2016, com o objetivo de comparar os ganhos condicionados pela participação no programa nos doentes que apresentavam idade igual ou superior a 65 anos (designados por idosos) e que correspondiam a 15,9% do total dos participantes, com os que tinham idade inferior.
O grupo dos idosos, quando comparado com o grupo dos indivíduos com idade < 65 anos, distinguiu‐se por ter proporções mais elevadas de indivíduos do sexo masculino, de hipertensos, de diabéticos e de doentes com perímetro de cintura mais elevados, enquanto o grupo mais jovem tinha uma proporção mais elevada de fumadores e valores superiores de LDL e de triglicéridos na admissão.
No grupo dos idosos predominaram as síndromes coronárias agudas sem supra de ST e a doença multivaso. A gravidade da disfunção ventricular esquerda não foi significativamente diferente nas duas populações.
Foram avaliados o perfil metabólico, a capacidade funcional, parâmetros da função autonómica cardíaca e a qualidade de vida. Não foram encontradas diferenças significativas nos ganhos obtidos entre os dois grupos de doentes, pelo que os autores concluíram que os doentes idosos obtiveram ganhos semelhantes aos dos mais jovens nos quatro domínios.
Comprovando a excelência do programa, observou‐se uma diminuição em 2‐3 centímetros do perímetro abdominal, mais significativo no grupo das mulheres idosas que tiveram a redução mais acentuada que a das mais jovens (‐3,5 ± 3,1 versus 0,6 ± 6cm, p = 0,031). Esta redução do perímetro abdominal, não acompanhada por uma baixa significativa do peso corporal, sugere que tenha ocorrido uma alteração positiva da composição corporal, com aumento da massa magra e diminuição da massa gorda, que poucas vezes se observa em programas bissemanais com a duração inferior a três meses, como foi o caso da intervenção descrita neste estudo, particularmente no grupo etário dos idosos.
Em relação à modificação do perfil lipídico, observaram‐se descidas médias de 37,5 e de 17mg/dl, respetivamente no LDL‐colesterol e nos triglicéridos. A redução dos triglicéridos pode ser explicada apenas pelo exercício e por cuidados dietéticos, enquanto a do LDL, pela sua amplitude, só pode ser atingida pelo início ou reforço da medicação da dislipidemia, comprovando o bom acompanhamento cardiológico do programa.
O estudo tem várias limitações, devidamente assinaladas pelos autores. Desde logo, as inerentes à sua natureza retrospetiva e à possibilidade de vieses de referência e de seleção dos participantes, a não utilização de prova de esforço cardiorrespiratória2 para quantificar a capacidade funcional de forma mais rigorosa, a ausência de dados relativos aos parâmetros estudados para além da fase II que impossibilitam avaliar o impacto do PRC em longo prazo. Devem ainda considerar‐se outras duas: (1) não estudo dos doentes através de nenhuma forma de avaliação direta da composição corporal e (2) não utilização de um questionário específico para doença coronária da Qualidade de Vida relacionada com a Saúde.
O objetivo deste estudo é muito meritório porque os doentes idosos3, e em particular os de sexo feminino4, que no artigo sob comentário representam apenas 20,7% dos doentes idosos, raramente são referenciados para PRC, por uma incorreta e generalizada perceção de que a idade avançada, associada ou não a fragilidade, condiciona risco acrescido e menores benefícios. Confirmando esta perceção, é de salientar que a percentagem de participantes no PRC avaliado, que reflete a atividade de sete anos consecutivos do PRC de um dos hospitais com país com um número de participantes dos mais elevados do país, incluiu apenas de 15,9% com idade igual ou superior a 65 anos, quando, de acordo com os dados mais recentes do Registo Nacional de Síndromes Coronárias Agudas5, a idade média dos doentes que sofrem enfarte agudo do miocárdio em Portugal é de 66 ± 13 anos, tendo 26% dos doentes uma idade superior a 75 anos.
Contrariamente a esta perceção, este estudo veio demonstrar, mais uma vez6, que os idosos têm ganhos de magnitude semelhante à dos jovens, o que é muito interessante e justifica que os idosos sejam referenciados para os PRC, tal como os mais novos, após evento agudo (síndrome coronário a cirurgia cardíaca) ou no contexto de situações crónicas como a insuficiência cardíaca.
Os idosos apresentam habitualmente um risco clínico mais elevado por terem um perfil de risco cardiovascular e metabólico mais grave e várias comorbilidades associadas7, como fragilidade, doença cérebro‐vascular, alterações cognitivas, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, arteriopatia periférica e patologia do aparelho locomotor.
Tendo risco mais elevado que os doentes mais jovens, têm muito a lucrar em termos de redução do risco com a participação no PRC, proporcionado pelos benefícios condicionados pelo exercício físico regular e individualizado, melhor conhecimento da doença e do apoio psicossocial.
A inclusão dos doentes idosos num PRC é um desafio para qualquer programa porque implica esforços concertados para ultrapassar vários tipos de barreiras8,9, relacionadas com:
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Médicos: não referenciação e não apoio à participação no PRC;
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Doentes: indisponibilidade pessoal, ausência de cultura desportiva, embaraço pelo uso de roupa e calçado desportivo, perceção de que os programas não lhes são destinados, presença de comorbilidades, limitações financeiras e dificuldades de transporte.
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Centros: distribuição assimétrica e escassa disponibilidade em muitas zonas do país, horários desajustados e ausência de programas domiciliários com capacidade para telemonitorização.
A grande questão que se coloca na RC de idosos, tal como nos mais jovens, é saber se é possível mudar e manter os comportamentos saudáveis propostos no decorrer do PRC durante os anos que seguem.
Neste estudo ficou demonstrado que se obtêm benefícios significativos em soft endpoints (capacidade funcional, perfil metabólico, atividade do sistema nervoso autónomo e qualidade de vida) após um PRC com duração de 2‐3 meses, mas não se evidenciou redução de hard endpoints como o número de reenfartes, hospitalizações por doença cardíaca e mortalidade, o que carecia de um estudo com um maior número de doentes e por um período mais alargado de tempo.
Para se reduzir a probabilidade de ocorrência dos hard endpoints é necessário manter por muitos anos a adesão dos doentes ao estilo de vida saudável e à medicação com impacto prognóstico3. Este objetivo será mais facilmente atingido se os doentes forem integrados e em algum tipo de programa de fase III (manutenção), com duração indefinida, de forma a consolidar e manter os ganhos obtidos na fase II.
As limitações atrás referenciadas não põem em causa as muito válidas e interessantes conclusões deste estudo, que classifico de muito valioso, pela correta metodologia utilizada, qualidade da intervenção integrada que foi realizada, população do estudo vasta, com doentes da vida real enquadrados num excelente PRC português.
No inquérito nacional de RC de 2013‐14, publicado por Conceição Silveira et al.10, registaram‐se 1927 doentes portugueses integrados na fase II dos PRC de todos os centros do país no decorrer de 2013, dos quais 51,8% após síndrome coronária aguda. Estimou‐se que apenas 8% dos doentes que sofreram síndrome coronária aguda no país participaram nos programas. Este inquérito, tal como os anteriormente publicados, não informa sobre os dados demográficos dos participantes, nomeadamente em termos de idade e de género, o que nos impede de avaliar se a população deste estudo reflete a realidade nacional. Este tipo de informação estará disponível no Registo Nacional de Reabilitação Cardíaca que será brevemente lançado pelo Grupo de Estudos de Fisiopatologia do Esforço e Reabilitação Cardíaca e que ficará alojado no Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia.
Conflitos de interesseO autor declara não ter qualquer conflito de interesse.