O tromboembolismo venoso (TEV) é a terceira doença cardiovascular mais frequente depois do acidente vascular cerebral e do enfarte do miocárdio, atinge pelo menos uma pessoa em cada 1000da população geral1. A sua incidência aumenta exponencialmente com a idade; em cada três doentes com embolia pulmonar (EP), dois têm pelos menos 60 anos. O TEV é uma causa comum de morte, é responsável por mais de três milhões de mortes todos os anos; a EP, concretamente, é a causa evitável mais comum de morte relacionada com um internamento hospitalar. A EP é fatal em cerca de 30% dos casos não tratados e metade das mortes, muitas vezes súbitas, ocorre nas primeiras horas de evolução. A apresentação clínica da EP é muito variável e o seu diagnóstico requer um elevado índice de suspeição. Por tudo isso, o TEV tem justamente merecido atenção especial nas políticas de melhoria da qualidade dos cuidados de saúde. A prevenção, o diagnóstico e a iniciação rápida do tratamento apropriado são componentes cruciais de uma estratégia para a redução da mortalidade e da carga de doença imputável ao TEV. Outras consequências do TEV incluem a recorrência – que é particularmente elevada nos primeiros meses após o episódio inicial, assim como nos casos de TEV espontâneo ou associado a cancro ativo – e complicações crónicas como a síndrome pós‐trombótica e a hipertensão pulmonar tromboembólica, que determinam sofrimento, morbidade e podem encurtar a esperança de vida.
A epidemiologia da EP em Portugal foi recentemente caracterizada com dados dos internamentos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, entre 2003 e 20132. Nesse período, ocorreram 35200 episódios de internamento (de doentes adultos) em que pelo menos um dos diagnósticos foi EP (diagnóstico principal em 67% dos casos). A taxa de incidência estimada em 2013 foi de 35 por 100000 habitantes (na população adulta), um valor inferior ao de outros países e que por isso leva a perguntar se há uma maior taxa de subdiagno¿stico em Portugal. Entre 2003 e 2013, o número anual de episódios aumentou, mas a taxa de mortalidade intra‐hospitalar diminuiu (de 31,8% para 17% em todos os episódios e de 25% para 11,2% nos episódios com EP como diagnóstico principal). Os autores do estudo estimam que 79% da redução da mortalidade intra‐hospitalar da EP observada nos anos mais recentes podem ser atribuídos à maior efetividade dos cuidados de saúde hospitalares e o restante à alteração favorável nas características dos doentes associadas ao risco de morte.
O TEV, e a EP em concreto, estão mais próximos da cardiologia do que é percebido. Vários dos fatores de risco predisponentes para o TEV são frequentemente encontrados nos doentes com patologia cardíaca: idade avançada, obesidade, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, fumo de tabaco, doença pulmonar obstrutiva crónica, dislipidemia e hipertensão arterial3. A prevalência de calcificação coronária é significativamente maior nos doentes com história de TEV espontâneo do que na população geral4. No primeiro ano após um episódio de TEV, o risco de internamento por enfarte do miocárdio ou acidente vascular cerebral aumenta duas a três vezes5; por sua vez, nos primeiros seis meses após um episódio de enfarte do miocárdio, o risco de EP aumenta oito vezes6.
A terapêutica de reperfusão, habitualmente a trombólise, é fundamental na EP que se apresenta com choque ou hipotensão (considerada EP com risco elevado). Na EP sem risco elevado, a anticoagulação durante um mínimo de três meses é uma parte essencial do tratamento, para evitar a morte precoce e as recorrências sintomáticas ou fatais. Nos primeiros cinco a dez dias, a Sociedade Europeia de Cardiologia recomenda começar com um anticoagulante parentérico (heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular ou fondaparinux) e depois passar para um antagonista da vitamina K (nesse caso, é necessário um período de sobreposição de fármacos) ou um anticoagulante oral direto (DOAC, dabigatrano ou edoxabano)1. Quando se opta pelo rivaroxabano ou o apixabano, a anticoagulação pode ser totalmente oral desde o momento do diagnóstico, embora com uma dose maior do fármaco nas primeiras três semanas ou sete dias, para o rivaroxabano ou o apixabano, respetivamente. Nos doentes com maior risco de recorrência, a duração ideal da anticoagulação é superior a três meses ou até mesmo vital, mas o risco hemorrágico tem que ser ponderado e periodicamente reavaliado nessa decisão.
Os resultados dos ensaios clínicos dos quatro DOACs no tratamento do TEV mostram que esses fármacos são pelo menos tão eficazes quanto a estratégia que usa um antagonista da vitamina K e possivelmente mais seguros (em termos de hemorragias major)7. Juntos com as múltiplas limitações dos antagonistas da vitamina K e as inconveniências e riscos dos anticoagulantes parentéricos, esses resultados mostram que os DOACs são uma estratégia terapêutica muito atrativa para a prevenção e o tratamento do TEV. Este número da Revista Portuguesa de Cardiologia contribui para a acumulação de experiência com o uso dos DOACs no TEV com risco moderado a elevado8. Os autores concluem que esses fármacos são tão eficazes e seguros quanto a estratégia histórica e permitem encurtar a duração do internamento.
Em suma, o TEV é uma patologia comum e letal, que atinge doentes internados e ambulatórios, recorre frequentemente, está subdiagnosticada e leva a complicações crónicas. A medicina cardiovascular pode ter um papel relevante na redução da carga de doença atribuível ao TEV. A anticoagulação é crucial no tratamento do TEV e, nesse contexto, os DOACs têm melhor relação risco‐benefício do que os antagonistas da vitamina K, simplificam o tratamento e são mais convenientes.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflito de interesses.