Apesar de todos os progressos ocorridos nos últimos anos, as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em toda a Europa, incluindo Portugal1,2.
Nas duas últimas décadas tem havido uma progressiva diminuição das taxas de mortalidade destas doenças. Alguns dos fatores que estão na origem desta tendência são: a promoção de medidas e estratégias preventivas, como a Lei de Cessação Tabágica, a adoção de hábitos de vida saudáveis na comunidade, as campanhas e intervenções levadas a cabo por diversas organizações científicas e profissionais de saúde, os progressos científicos no tratamento das síndromes coronárias agudas e do acidente vascular cerebral (AVC) e a implementação de programas específicos de acesso a cuidados de saúde diferenciados3,4.
Neste número da Revista, Soares‐Oliveira et al. publicam dois artigos apresentando os resultados obtidos com a implementação em Portugal do sistema de resposta emergente ao AVC e do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa.
O primeiro artigo de Miguel Soares‐Oliveira elaborado em colaboração com o Grupo de AVC da Administração Regional de Saúde do Norte, «Implementação de um sistema regional de resposta emergente ao acidente vascular cerebral. Primeiros resultados», apresenta os resultados iniciais da implementação da «Via Verde do AVC» na região Norte do país, no período compreendido entre o seu início em 2005 e os quatro anos subsequentes5. O número crescente de doentes (já perto de 50%) que tem acesso a unidades especializadas de tratamento e que são submetidos a terapêutica fibrinolítica é indiscutivelmente um dos fatores que está na base da diminuição da taxa de mortalidade ocorrida em Portugal de uma forma consistente no mesmo período de tempo6. Existe ainda um longo caminho a percorrer no sentido de otimizar o acesso dos doentes a estas unidades de saúde, encurtando o tempo ocorrido desde o início dos sintomas até ao início da fibrinólise. Este trabalho passa pela implementação de percursos clínicos dedicados dentro das instituições e também por uma maior sensibilização na comunidade para a deteção precoce dos sinais e sintomas de alerta para o AVC7.
Por outro lado os números do Programa Nacional para as Doenças Cerebrovasculares divulgados recentemente pela Direção Geral de Saúde continuam a evidenciar assimetrias significativas na percentagem de admissões através das Vias Verdes nas unidades de AVC, por regiões de saúde, sendo que os maiores progressos ocorridos nos últimos anos ocorreram na região Centro e no Algarve6.
Este facto traduz deficiências na acessibilidade aos cuidados mais diferenciados e que urge corrigir quanto antes numa perspetiva de garantir a equidade e universalidade da prestação de cuidados de saúde em Portugal.
O segundo artigo de Miguel Soares‐Oliveira e Raquel Ramos, «Implementação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em Portugal»8, descreve o desenvolvimento e implementação de um programa de desfibrilhação automática externa no âmbito do Sistema Integrado de Emergência Médica, disponibilizando estes equipamentos em locais de acesso público em Portugal.
Apesar dos resultados positivos evidenciados, a implementação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em Portugal tem sido ocasionalmente associada a algum excesso de centralização, controlo e rigor legislativo, o que tem dificultado a colocação em larga escala e correspondente utilização de desfibrilhadores automáticos externos em locais de acesso público.
É obviamente desejável a manutenção de um programa de auditoria rigoroso que avalie os resultados ocorridos nas situações em que ocorreu a desfibrilhação automática, divulgando os resultados em mortalidade e sequelas resultantes e propondo melhorias na «cadeia de sobrevivência» que tem sempre que estar subjacente a estes programas. No entanto, esse rigor de avaliação não deve ser dificultador de um maior envolvimento e participação ativa dos indivíduos e das diversas entidades públicas e privadas.
Recomenda‐se, assim, maior facilitação nos processos de divulgação de manobras de suporte básico de vida pela comunidade mobilizando escolas, associações locais, universidades sénior etc. Devem ser criados estímulos (benefícios fiscais e outros) para as empresas e sociedades, estatais ou não estatais, que pretendam por iniciativa própria envolver‐se no processo, adquirindo e colocando desfibrilhadores automáticos externos em locais de grande visibilidade e circulação de pessoas9.
Experiências em outros países como a que ocorreu na região de Brescia (Itália) demonstraram que uma estratégia de colocação de desfibrilhadores automáticos externos em locais públicos de grande concentração de pessoas, e utilizados por voluntários com treino mínimo ou mesmo leigos, demonstrou ser segura e associada a uma maior sobrevivência de vítimas de paragem cardíaca10.
Para alcançarmos melhores resultados na redução de mortalidade e morbilidade por doença cardiovascular, precisamos de adotar estratégias inovadoras e mais eficientes. Precisamos de cidadãos mais informados e intervenientes11. Neste processo deverão estar mobilizadas sociedades científicas, profissionais de saúde e doentes. As associações de doentes trabalhando sob orientação médica e em parceria com outros profissionais de saúde podem ter um papel insubstituível na sensibilização da sociedade e dos decisores políticos para uma maior atenção para as doenças cérebro‐cardiovasculares12. Deverão ser incentivadas todas as iniciativas que aumentem o conhecimento da população em geral sobre as causas subjacentes à morte súbita e a sua ligação a arritmias cardíacas. A legislação a implementar deve favorecer o desenvolvimento de programas na comunidade que promovam o acesso imediato de vítimas de paragem cardíaca a manobras de suporte básico de vida efetuadas por testemunhas e o acesso mais rápido possível a desfibrilhação precoce13.