Portugal é referido na literatura como um dos países com maiores níveis de tensão arterial média na população. O objetivo do presente estudo é realizar uma revisão estruturada da literatura acerca do âmbito (quantidade, foco e natureza) da investigação epidemiológica publicada sobre prevalência e incidência de hipertensão arterial na população portuguesa.
MétodosA revisão de âmbito foi realizada em junho de 2013. Através da consulta das fontes de informação Pubmed e B‐on foram pesquisados estudos sobre prevalência e incidência de hipertensão arterial cuja recolha de dados tivesse decorrido, respetivamente, entre 2005‐2013 e 1995‐2013.
ResultadosObtiveram‐se 527 publicações, das quais foram selecionadas 14 sobre prevalência e duas sobre incidência de hipertensão. Os resultados indicam maior número de estudos sobre populações da região Norte do país; a aparente inexistência de estudos específicos sobre as populações do Alentejo e Algarve; longos períodos de tempo entre a recolha de dados e a publicação dos resultados (até nove anos); variabilidade apreciável nos métodos utilizados para medir a tensão arterial; e a infrequente desagregação dos resultados por sexo e idade.
ConclusõesOs diferentes métodos de medição da hipertensão arterial, omissos na maioria dos trabalhos analisados, a rara desagregação dos resultados por sexo e idade e a assimetria de cobertura geográfica da população dificultam a monitorização das tendências da frequência de hipertensão arterial em Portugal.
The Portuguese population is reported to have among the highest levels of mean blood pressure. The aim of the present study is to conduct a structured literature review describing the scope (quantity, focus and nature) of published epidemiological research on the prevalence and incidence of hypertension in the Portuguese population.
MethodsThe scoping review was conducted during June 2013, using two information sources, B‐on and PubMed, to search for published studies on the prevalence and incidence of hypertension with data collected between 2005‐2013 and 1995‐2013, respectively.
ResultsWe identified 527 publications: 14 on the prevalence and two on the incidence of hypertension. The results show more studies on populations in the North region of Portugal; an apparent lack of published studies specifically targeting the Alentejo and Algarve populations; long delays between data collection and publication of results (up to nine years); considerable variability in measurement methods; and infrequent data stratification by gender and age.
ConclusionsDifferences in blood pressure measurement methods, not specified in most studies, the infrequency of stratification of results by gender and age, and the geographic asymmetry in coverage of the Portuguese population, hinder monitoring of the incidence and prevalence of hypertension in Portugal.
A hipertensão arterial (HTA) é o fator de risco mais importante para as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, nomeadamente, o enfarte agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral, importantes causas de morbilidade e mortalidade em todo o mundo1–3. Em 2008, a prevalência de HTA em adultos com idade ≥25 anos foi 40%, a nível global, após uma diminuição entre 1980‐20084,5.
Nos últimos 30 anos, a população portuguesa tem sido referida como tendo dos mais elevados níveis de tensão arterial média6,7. Em 2008, a prevalência de HTA ou o uso de medicamentos anti‐hipertensores em adultos com idades ≥25 anos foi estimado em 41,9% (46,5% nos homens e 37,4% nas mulheres)8. Entre 1980‐2008 ter‐se‐á verificado um decréscimo dos níveis médios de tensão arterial sistólica, mais acentuado nas mulheres8.
O conhecimento da evolução, tendências e situação atual das medidas epidemiológicas de frequência de HTA (incidência, prevalência e mortalidade) é importante em saúde pública para o planeamento, a avaliação e a administração da saúde da comunidade acerca do peso da HTA na população9.
Uma recente revisão sistemática da literatura (Pereira et al.) concluiu que entre 1990‐2005 a HTA (definida como tensão arterial diastólica e/ou sistólica ≥140/90mmHg) sofreu pouca variação nos adultos jovens e diminuiu em adultos de meia‐idade e idade avançada. Contudo, a prevalência de HTA autodeclarada aumentou, em média, 0,4% ao ano naquele período10.
Embora as revisões sistemáticas sejam, tradicionalmente, o método de revisão da literatura mais valorizado, o volume e interesse crescentes na investigação em saúde, levou ao desenvolvimento de métodos alternativos de revisão estruturada, entre os quais, o das scoping reviews, particularmente utilizado na investigação em saúde pública11.
Apesar de apresentarem uma configuração aparentemente mais simples, mantêm a organização e transparência necessárias a uma revisão da literatura, sendo descritas como um processo de mapeamento da literatura sobre um tema de forma a obter uma imagem geral do conhecimento sobre o mesmo11,12. São, principalmente, utilizadas para identificar lacunas de conhecimento e/ou para resumir os principais estudos existentes sobre determinada matéria13. A principal diferença em relação às revisões sistemáticas da literatura reside no facto de que estas visam uma avaliação inicial da qualidade dos estudos a incluir na revisão e uma síntese quantitativa e qualitativa dos resultados, enquanto as scoping reviews não pretendem fazer uma avaliação inicial da qualidade dos estudos, mas apenas uma síntese qualitativa do âmbito, métodos e resultados da atividade de investigação14.
Em Portugal, tanto quanto conhecemos, não foi até agora publicado um estudo com o propósito de descrever o âmbito e resultados da atividade de investigação num determinado tópico de saúde, utilizando o método de scoping review. Em relação à HTA, essa descrição é de elevada importância, dado o relevo da doença e a necessidade de identificar possíveis lacunas de conhecimento que contribuam para definir prioridades de investigação.
Embora não tenha sido encontrada nenhuma designação em português para scoping review, propõe‐se daqui por diante denominá‐la «revisão de âmbito».
ObjetivosO presente estudo tem como objetivo realizar uma revisão de âmbito sobre prevalência e incidência de HTA na população portuguesa visando descrever o âmbito (quantidade, foco e natureza)14,15 da atividade de investigação e resumir os seus principais resultados.
MétodosEsta revisão de âmbito foi realizada em junho de 2013, simultaneamente por dois investigadores. Um painel de três peritos, investigadores com experiência em cuidados de saúde, clínica, saúde pública, epidemiologia e investigação em saúde, validou as opções metodológicas (palavras‐chave, critérios de inclusão/exclusão, fontes de informação, resumo e análise dos resultados)12.
A revisão de âmbito envolveu as seguintes fases (figura 1), em concordância com a metodologia proposta por Arksey e O’Malley14: (1) estabelecimento da pergunta de investigação; (2) pesquisa de estudos relevantes; (3) seleção dos estudos baseada nos critérios de inclusão pré‐estabelecidos; (4) recolha de informação; e (5) resumo e comunicação da informação.
Estratégias de pesquisaForam incluídos estudos de prevalência de HTA cujo ano de recolha de dados fosse posterior a 2005 e/ou, cujo ano de publicação fosse posterior a 2005, quando o ano de recolha de dados fosse omisso. Foram, ainda, incluídos estudos com ano de publicação posterior a 2011, mesmo que a recolha de dados tivesse sido anterior a 2005. Pretendeu‐se, assim, obter publicações não incluídas no estudo de Pereira et al.10 sobre tendências de prevalência de HTA em Portugal de 1990‐2005, atualizando e alargando o âmbito do conhecimento. As diferenças metodológicas entre ambos os trabalhos, não impedem, contudo, que algumas publicações possam coincidir.
Relativamente à incidência de HTA, foram incluídos estudos com ano de publicação entre janeiro de 1995 e junho de 2013, de forma a abranger um maior número de publicações.
As fontes de informação utilizadas foram a biblioteca do conhecimento online (B‐on), sob a gestão da extinta Fundação para a Computação Científica Nacional16, e a Pubmed, mantida pela Biblioteca de Medicina dos Estados Unidos17.
Foram pesquisados estudos somente nas línguas portuguesa e inglesa, combinando as palavras‐chave (figura 1) através do operador booleano «AND». Na B‐on foram utilizadas as palavras‐chave em português «prevalência» AND «hipertensão» e «incidência» AND «hipertensão». Na Pubmed utilizaram‐se as palavras‐chave «prevalence» AND «hypertension» AND «Portugal», e «incidence» AND «hypertension» AND «Portugal».
Existe evidência de que a Pubmed representa uma boa fonte de informação para pesquisa de estudos relevantes na área das doenças crónicas18. A escolha da B‐on, apenas com o uso das palavras‐chave em português, deveu‐se à preocupação em incluir estudos publicados em revistas portuguesas, uma vez que a Pubmed não indexa todas as revistas publicadas em Portugal.
Foram excluídos estudos sobre HTA em amostras com características específicas, tais como diabéticos ou obesos, entre outros. Nenhum critério de inclusão foi estabelecido quanto ao desenho de estudo, tipo de publicação ou grupos etários das populações em estudo. Não foi usado como critério de inclusão a qualidade dos estudos, tal como é recomendado nas revisões de âmbito14.
Recolha da informaçãoForam recolhidos numa tabela padrão dados sobre as seguintes variáveis: autores, ano de publicação, local do estudo, população em estudo, dimensão da amostra, métodos de medição da tensão arterial, e principais resultados com desagregação por sexo e idade. Essa tabela foi preenchida à medida que os estudos foram selecionados tornando, posteriormente, mais fácil a elaboração do resumo da informação quanto a i) quantidade (número de estudos); ii) foco (populações, grupos etários, HTA diagnosticada ou autodeclarada, entre outros); e iii) natureza (origem da atividade de investigação)14,15.
ResultadosEstratégia de pesquisa, seleção de estudos e recolha de informaçãoObteve‐se um total de 527 publicações, das quais 295 na pesquisa de estudos sobre prevalência de HTA e 232 na pesquisa de estudos sobre incidência de HTA. Foram selecionadas para análise 16 publicações que satisfaziam os critérios de inclusão, das quais 14 publicações sobre prevalência de HTA (tabela 1) e 2 sobre incidência de HTA (tabela 4).
Resultados da pesquisa de estudos sobre prevalência de hipertensão arterial apresentados por ordem crescente dos grupos etários em estudo
Referência bibliográfica | Tipo publicação | Ano recolha de dados | Ano de publicação | Local do estudo | Local recolha dos dados |
Maldonado et al.34 | Artigo original | Ausente | 2009 | Coimbra ‐ Aveleira | Clínica da Aveleira |
Maldonado et al.19 | Artigo original | Ausente | 2011 | Coimbra ‐Aveleira | Clínica da Aveleira |
Oliveira‐Martins35 | Tese de licenciatura | 2009 | 2009 | Freguesia de Campanhã – Porto | 11 escolas públicas do ensino básico (EB1) da freguesia de Campanhã |
Rocha24 | Tese de mestrado | Ausente | 2010 | Lisboa | 8 escolas do ensino secundário da região de Lisboa (5 escolas públicas e 3 privadas) |
Silva et al.20 | Artigo original | 2006 | 2012 | Lisboa | Escola Secundária Camilo Castelo Branco Carnaxide – Lisboa |
Dores et al.36 | Artigo original | 2006 | 2010 | Lisboa | Ausente |
Brandão et al.32 | Artigo original | 2005‐2006 | 2008 | Aveiro | Laboratório de Enfermagem da Escola Superior de Saúde (ESSUA) da Universidade de Aveiro |
Cortez‐Dias et al.25 | Artigo original | 2006 e 2007 | 2009 | Portugal | Centro de saúde de cada um dos 719 médicos de família |
Loubão et al.23 | Artigo original | 2007 | 2010 | Barão do Corvo, Vila Nova de Gaia | Centro de Saúde de Barão do Corvo |
Machado et al.37 | Artigo original | Ausente | 2010 | Porto | 15 freguesias da cidade do Porto |
Oliveira‐Martins et al.38 | Artigo original | 2005‐2006 | 2011 | Portugal Continental | 60 farmácias das 5 regiões de saúde de Portugal (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) |
Perdigão et al.21 | Artigo original | 2006‐2007 | 2011 | Portugal | Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores |
Alves et al.26 | Artigo original | 1999‐2003 | 2012 | Porto | Porto |
Mendes et al.22 | Poster | 2011 | 2012 | Concelho de Bragança | 7 lares de idosos do conselho de Bragança |
Referência bibliográfica | Desenho de estudo | População em estudo | Grupos etários em estudo | Dimensão da amostra |
Maldonado et al.34 | Estudo, observacional, transversal | Adolescentes saudáveis provenientes da região centro de Portugal e seguidos numa consulta de medicina desportiva na Clínica da Aveleira | 5‐18 anos | 1618 |
Maldonado et al.19 | Estudo, observacional, transversal | Adolescentes saudáveis provenientes da região centro de Portugal e seguidos numa consulta de medicina desportiva na Clínica da Aveleira | 4‐18 anos | 5381 |
Oliveira‐Martins35 | Estudo, observacional, transversal | Crianças nascidas em 2001 a frequentarem o 2.° ano do 1.° ciclo do ensino básico das 11 escolas públicas da freguesia de Campanhã – Porto | 8 anos | 339 |
Rocha24 | Estudo, observacional, transversal | Estudantes do ensino secundário de 8 escolas da região de Lisboa, (5 públicas, 3 privadas) | 15‐18 anos | 854 |
Silva et al.20 | Estudo, observacional, transversal | Adolescentes a frequentar o ensino secundário da Escola Secundária Camilo Castelo Branco (Carnaxide) no ano letivo de 2005/2006 | 16‐19 anos | 234 |
Dores et al.36 | Estudo, observacional, transversal | Estudantes universitários da cidade de Lisboa – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (FCM‐UNL), Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e Instituto Superior Técnico (IST). | 18‐25 anos | 402 |
Brandão et al.32 | Estudo, observacional, transversal | Estudantes a frequentar a Universidade de Aveiro no ano 2005/2006 | 18‐25 anos | 378 |
Cortez‐Dias et al.25 | Estudo, observacional, transversal | População dos adultos residentes em Portugal continental e ilhas seguidos nos Cuidados de Saúde Primários (amostra representativa) | ≥18 anos | 16 856 |
Loubão et al.23 | Estudo, observacional, transversal | Utilizadores do Centro de Saúde de Barão do Corvo | ≥18 anos | 502 |
Machado et al.37 | Estudo, observacional, transversal | Indivíduos da cidade do Porto (amostra representativa) | ≥40 anos | 900 |
Oliveira‐Martins et al.38 | Estudo, observacional, transversal | Utentes de 60 farmácias de cinco regiões de saúde de Portugal (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) | ≥40 anos | 1042 |
Perdigão et al.21 | Estudo, observacional, transversal | Indivíduos de ambos os sexos, residentes em Portugal Continental ou nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, com idade igual ou superior a 40 anos (amostra representativa) | ≥40 anos | 38 893 |
Alves et al.26 | Estudo, observacional, transversal | Moradores do Porto (amostra representativa) | ≥40 anos | 2000 |
Mendes et al.22 | Estudo, observacional, transversal | Pessoas idosas institucionalizadas em 7 lares do concelho de Bragança | ≥65 anos | 91 |
Resultados da pesquisa de estudos sobre incidência de hipertensão arterial
Referência bibliográfica | Tipo publicação | Ano recolha de dados | Ano de publicação | Local do estudo | Local recolha dos dados | Desenho de estudo | População em estudo | Grupos etários em estudo | Dimensão da amostra |
Pereira et al.39 | Artigo original | 1999‐2003 | 2012 | Porto | Porto | Estudo, observacional, analítico de coorte | Moradores da cidade do Porto | ≥18 anos | 796 |
Branco et al.40 | Relatório | 2011 | 2012 | Lisboa | Norte; Centro; Lisboa e Vale do Tejo; Alentejo; Algarve; R. A. Açores; R. A. Madeira | Estudo observacional, analítico de coorte | Total de utentes dos médicos participantes na Rede Sentinela | Todos | 34 981 |
Das 14 publicações sobre prevalência de HTA selecionadas, 11 obtiveram‐se através da pesquisa na Pubmed e três na B‐on. Das duas publicações sobre incidência de HTA, uma adquiriu‐se através da Pubmed e outra na B‐on.
Atividade de investigação sobre prevalência de hipertensão arterial em PortugalOs estudos selecionados sobre prevalência de HTA (tabela 1) são artigos originais, à exceção de três, dos quais um é uma tese de licenciatura, outro é uma tese de mestrado e outro um poster.
Apenas três estudos têm âmbito nacional, sendo os restantes de âmbito regional. Desses estudos de âmbito regional, cinco referem‐se a populações da região Norte; três da região Centro e três da região de Lisboa e Vale do Tejo.
A data de recolha dos dados sobre HTA correspondeu, em um estudo, ao período 1999‐2003; em dois estudos ao período 2005‐2006; em dois estudos ao ano 2006; em dois estudos ao período 2006‐2007; em um estudo ao ano 2007; em um estudo ao ano 2009; e em um estudo ao ano 2011. Em quatro estudos essa informação é omissa.
Do total de estudos, três utilizaram amostras obtidas com base na população geral; dois usaram amostras obtidas de consultas numa clínica médica; dois estudaram amostras de utentes de centros de saúde; um estudou uma amostra dos utentes de 60 farmácias; cinco estudaram amostras de alunos em instituições de ensino e um estudo obteve a amostra entre utentes de sete lares de idosos.
Relativamente ao grupo etário das populações em estudo, cinco dos estudos selecionados têm como população em estudo crianças e/ou adolescentes; e nove estudos têm como população em estudo adultos (dois com idades entre 18‐25 anos; dois com idades ≥18 anos; quatro com idades ≥40 anos e um com idades ≥65 anos).
Das cinco publicações sobre prevalência de HTA que incidiram em crianças e/ou adolescentes, aquela que envolveu uma amostra de maior dimensão foi a do estudo de Maldonado et al.19 (5.381 participantes) e a que envolveu uma amostra de menor dimensão foi o estudo de Silva et al.20 (234 adolescentes). Nos estudos sobre prevalência de HTA em adultos, aquele que comportou uma amostra de maior dimensão foi o de Perdigão et al.21 (38.893 participantes) e o que envolveu uma amostra de menor dimensão foi o de Mendes et al.22 (91 adultos idosos).
Os estudos sobre prevalência de HTA em crianças e/ou adolescentes utilizaram definições de caso e métodos de medição da tensão arterial semelhantes (tabela 2). Nos cinco estudos considerou‐se HTA se a tensão arterial sistólica e/ou diastólica fosse igual ou superior ao percentil 95 (≥P95) e a medição tivesse sido realizada com aparelho digital. Em três estudos efetuou‐se a média de três medições e em dois foi realizada apenas uma medição. Em dois dos estudos a medição da pressão arterial foi efetuada em ambos os braços (apurando depois a média dos valores no braço com tensão arterial mais elevada), em dois estudos a medição foi efetuada no braço direito e em um estudo essa informação era omissa.
Descrição dos métodos de definição e medição da hipertensão arterial (HTA) dos estudos selecionados sobre prevalência de hipertensão arterial em crianças e, ou, adolescentes. As células assinaladas com uma cruz representam a presença da característica de definição ou medição da HTA
F – Feminino; HTA – Hipertensão Arterial; M – Masculino; N° ‐ número; PAD – Pressão Arterial Diastólica; PAS – Pressão Arterial Sistólica; P 95 – Percentil 95; Aus – Ausente.
Quanto aos nove estudos sobre prevalência de HTA em adultos, em dois deles a HTA é autorreportada e nos restantes sete a tensão arterial é medida considerando HTA valores de tensão arterial sistólica e/ou diastólica ≥140/90mmHg (tabela 3). Desses estudos, quatro apenas consideraram HTA quando os valores de tensão arterial fossem ≥140/90mmHg e acompanhada do consumo de anti‐hipertensores. Dos sete estudos, três utilizaram aparelhos de medição digitais, dois utilizaram esfigmomanómetros de mercúrio, um utilizou um aparelho aneroide e um utilizou aparelhos digital ou de mercúrio. A informação relativa ao braço onde foi medida a tensão arterial encontra‐se ausente em seis deles e apenas um estudo indica a medição no braço direito. Desses sete estudos, quatro referem ter apurado a média de duas medições, dois estudos a média de duas e/ou três medições (se a diferença entre as duas primeiras for superior a 5mmHg) e em um estudo essa informação é ausente.
Descrição dos métodos de definição e medição da hipertensão arterial (HTA) dos estudos selecionados sobre prevalência de hipertensão arterial em adultos. As células assinaladas com uma cruz representam a presença da característica de definição ou medição da HTA
F – Feminino; HTA – Hipertensão Arterial; M – Masculino; N° ‐ número; Aus – Ausente; NA – Não Aplicável.
A estimativa de prevalência de HTA em amostras de crianças e/ou adolescentes variou entre 9,8‐34%; em adultos com idade entre 18‐25 anos a prevalência variou entre 6,9‐24,9%; em adultos com idades ≥18 anos foi de 42,62%; em pessoas com idade ≥40 anos variou entre 23,5‐54,80%; e, por último, no único estudo em pessoas com idade ≥65 anos foi de 48,4%. As estimativas de prevalência de HTA encontram‐se ausentes para o estudo de Loubão et al. porque apenas apresenta estimativas desagregadas em fumadores e não fumadores23.
Dos estudos sobre prevalência de HTA, apenas quatro apresentam resultados estratificados por grupo etário; 11 apresentam resultados estratificados por sexo; e somente dois apresentam resultados estratificados simultaneamente por sexo e grupo etário. Nos quatro estudos que apresentam os resultados estratificados por grupo etário, a prevalência de HTA aumenta com idade.
Nos estudos envolvendo somente adolescentes que apresentam os valores de prevalência desagregados por sexo20,24 a prevalência de HTA medida objetivamente é superior no sexo masculino, contudo, nos três estudos em crianças e/ou adolescentes (com idades entre 4‐18 anos; 5‐18 anos e oito anos) a prevalência de HTA é mais elevada no sexo feminino do que no masculino em dois estudos, e é igual em um estudo (tabela 2).
Nos estudos em populações de adultos, e onde é medida a tensão arterial, a prevalência de HTA é sempre menor nas mulheres do que nos homens, verificando‐se o oposto quando a HTA é autodeclarada.
Atividade de investigação sobre incidência de hipertensão arterial em PortugalDos dois estudos selecionados sobre incidência de HTA na população portuguesa, um é um artigo original e o outro um relatório científico (tabela 4). Um tem como população‐alvo adultos com idade ≥18 anos e o outro indivíduos de todas as idades.
Desses dois estudos, apenas um faz referência aos métodos de medição da tensão arterial utilizados (tabela 5), considerando‐se como HTA valores ≥140/90mmHg e/ou consumo de anti‐hipertensores. A medição foi realizada utilizando aparelho digital e o resultado obteve‐se efetuando a média de duas medições (ou três, caso a diferença entre as duas primeiras fosse superior a 5mmHg).
Descrição dos métodos de definição e medição da hipertensão arterial (HTA) dos estudos selecionados sobre incidência de hipertensão arterial. As células assinaladas com uma cruz representam a presença da característica de definição ou medição da HTA
Abreviaturas: F – Feminino; HTA – Hipertensão Arterial; M – Masculino; N° ‐ número; Aus – Ausente.
No estudo com 796 participantes da região do Porto, a taxa de incidência de HTA foi de 57,3 por 1000 pessoas/ano e no estudo com 34 981 indivíduos de todas as regiões do país (Portugal) foi de 6,54 por 1000 pessoas/ano. Em ambos as taxas de incidência são inferiores no sexo feminino.
No estudo realizado na região do Porto as taxas de incidência aumentam com a idade em ambos os sexos. Por outro lado, no estudo de âmbito nacional são mais elevadas à medida que a idade avança até aos 54 anos, havendo uma diminuição a partir dessa idade.
DiscussãoA região cuja população foi alvo de mais estudos sobre prevalência de HTA foi a região Norte, nomeadamente, o Porto. Nenhum estudo incidiu exclusivamente sobre as regiões do Alentejo e Algarve, lacuna de conhecimento a ser colmatada através de novos estudos ou da publicação de estudos já realizados. Porém, os estudos de âmbito nacional Cortez‐Dias et al.25 e Perdigão et al.21 incluem estimativas de prevalência de HTA dessas regiões, respetivamente, avaliada e autodeclarada. Segundo esses, as estimativas de prevalência de HTA avaliada no Alentejo e Algarve são, respetivamente, de 51,54 e 44,57%, e as de HTA autodeclarada são, respetivamente, de 23 e 18,3%.
Verificou‐se um longo período de tempo entre a recolha de dados sobre a frequência de HTA e a sua publicação (até nove anos)26. Assim, os estudos cuja obtenção de dados tenha sido mais recente podem não ter sido ainda publicados. A título de exemplo, encontra‐se o estudo Portuguese HYpertension and SAlt Study (PHYSA), promovido pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão, cuja recolha de dados de uma amostra de 3720 indivíduos, representativa da população residente em Portugal Continental, se realizou em 2012, não estando ainda publicados resultados à data de conclusão deste artigo27.
Os estudos sobre prevalência de HTA em crianças e/ou adolescentes utilizaram definições de caso de HTA e aparelhos de medição de tensão arterial semelhantes (≥percentil 95 e aparelho digital), em conformidade com as recomendações do Center for Disease Control and Prevention (CDC), frequentemente utilizadas em estudos internacionais28. Tal facilitará a comparação de resultados entre diferentes estudos e um melhor acompanhamento da evolução e tendências da prevalência de HTA naqueles grupos da população. Contudo, relativamente ao número de medições da tensão arterial, em três estudos foram realizadas três medições e em dois estudos apenas uma medição. O braço onde é medida a HTA varia entre estudos (dois estudos em ambos os braços; dois no braço direito; e um com informação omissa). Segundo as recomendações do CDC, a avaliação da tensão arterial deve ser no braço direito28.
Relativamente aos nove estudos sobre prevalência de HTA em adultos, em apenas dois a HTA é autorreportada, sendo medida nos restantes estudos, considerando‐se HTA valores ≥140/90mmHg. Apenas cinco estudos referem o tipo de aparelho de medição usado, que é muito variável, e a informação relativa ao braço onde é medida a tensão arterial está presente em apenas um estudo. Tal revela uma insuficiente descrição dos métodos e dificulta a comparação entre estudos. Segundo uma recente revisão de Crim et al.29 as definições de HTA variam na literatura sendo fundamental a definição clara dos métodos de medição da HTA para monitorização das suas medidas de frequência (prevalência e incidência). Essa revisão propõe definições padrão de HTA a serem utilizadas em investigações neste âmbito.
A norma da Direção Geral de Saúde (DGS) «Hipertensão arterial: definição e classificação», dirigida especialmente aos profissionais do Serviço Nacional de Saúde, refere que no diagnóstico de HTA a medição deve ser efetuada pelo menos duas vezes, no braço com maior valor tensional30,31. Tal não se verificou claramente, em conjunto, em nenhum dos estudos incluídos na presente revisão de âmbito. Contudo, os estudos de Cortez‐Dias et al.25 e Brandão et al.32 mencionam explicitamente todos os métodos de medição utilizados, com exceção do braço onde foi medida a tensão arterial, mas referem ter seguido as recomendações da American Heart Association (AHA)33, semelhantes às recomendações da DGS.
Do total de estudos sobre prevalência de HTA, somente dois apresentam resultados desagregados simultaneamente por sexo e idade, o que poderá dificultar em grande medida a real compreensão da epidemiologia desta doença29.
Em todos os estudos em adultos que apresentam os resultados estratificados por sexo, e onde é medida a tensão arterial, a prevalência de HTA é menor nas mulheres, à semelhança do que é descrito na revisão sistemática da literatura de Pereira et al.10 e dos resultados da OMS para Portugal em 20084.
No único estudo em que são apresentados simultaneamente os resultados autorreportados para a prevalência de HTA e estratificados por sexo, observa‐se o inverso, tal como descrito também por Pereira et al.10.
De facto, os estudos que incidem em adultos apresentados no decorrer da atual revisão de âmbito, ao utilizarem diferentes métodos de medição, omissos em muitos casos, e ao apresentarem resultados raramente desagregados em grupos etários e, quando desagregados, raramente estratificados por sexo, dificultam em grande medida a sua comparação e análise. Tal, naturalmente, poderá ter repercussões no conhecimento da epidemiologia da HTA em Portugal e, consequentemente, no apoio à implementação de estratégias e políticas de saúde na área da HTA.
Os resultados do presente estudo indicam a necessidade de maior uniformidade nos métodos de medição e reporte de HTA para fins de investigação, de forma a aumentar a comparabilidade, observação e análise da evolução e tendências de HTA na população portuguesa. Por outro lado, apoiam a necessidade de realização de uma análise quantitativa que avalie a variabilidade dos resultados que advenha da aplicação de diferentes métodos de medição da HTA.
No que respeita à incidência de HTA, os dois estudos identificados referem‐se a populações de âmbito muito diferente: moradores da cidade do Porto e população portuguesa.
No estudo do Porto (1999‐2003) a taxa de incidência foi de 57,3 por 1000 pessoas/ano e no estudo de âmbito nacional (Rede Médicos‐Sentinela 2011) foi de 6,54 por 1000 pessoas/ano. Essa diferença poderá indicar a diminuição da taxa de incidência de HTA em Portugal entre 2003‐2011 ou, por outro lado, poderá dever‐se apenas a diferenças nas dimensões da amostra, populações‐alvo e métodos de medição.
A existência de apenas dois estudos sobre incidência de HTA em Portugal, desde 1995, revela uma lacuna de conhecimento nesta área de investigação com elevada pertinência de exploração futura.
ConclusõesA presente revisão de âmbito para descrição da atividade de investigação na prevalência e incidência de HTA na população portuguesa permitiu concluir que: (i) nos últimos oito anos foram publicados mais estudos sobre a população da região Norte; (ii) embora tenham sido incluídas em dois estudos nacionais as populações das regiões do Alentejo e Algarve, estas não foram alvo de estudos específicos publicados; (iii) verificou‐se um longo período de tempo entre a recolha de dados e a publicação de resultados das estimativas de prevalência de HTA (até nove anos), o que pode dificultar a comparação dos resultados desses estudos com outros cuja recolha de dados tenha sido próxima da sua data de publicação; (iv) foram apenas identificados dois estudos publicados sobre incidência de HTA entre 1995‐2013, revelando uma lacuna de conhecimento a ser colmatada; e (v) o uso de diferentes métodos de medição da tensão arterial, omissos na maioria dos estudos, e a rara desagregação dos resultados por sexo e idade, dificulta a comparação e discussão de resultados entre estudos e, consequentemente, o acompanhamento da evolução e tendências da frequência de HTA em Portugal (tabelas 1–5).
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.