A rápida evolução da ressonância magnética cardíaca (RMC) e da angio-TC cardíaca colocam desafios aos clínicos quanto ao conhecimento das suas indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens.
MétodosEfetuámos um questionário online a todos os médicos sócios da Sociedade Portuguesa de Cardiologia com o intuito de avaliar a familiaridade, perceções e padrões de uso dos novos métodos de imagem.
ResultadosO questionário foi respondido por 205 médicos (21% do total). Cerca de metade disse requisitar menos de uma RMC (51%) ou angio-TC cardíaca (52%) por semana. A suspeita de doença coronária em doentes sintomáticos com probabilidade pré-teste intermédia foi considerada uma indicação boa ou excelente para angio-TC por 59% dos respondedores quando efetuada como exame de 2.a linha, e por 29% como exame de 1.a linha. Massas cardíacas, cardiopatias congénitas e miocardiopatias foram consideradas indicações boas/excelentes para RMC por mais de 90% dos respondedores, ao passo que a avaliação de viabilidade e enfarte com coronárias normais foram consideradas indicações boas/excelentes por 75 e 65% dos respondedores, respetivamente. Menos de metade (39%) respondeu corretamente a todas as perguntas acerca das contraindicações para RMC e 15% desconheciam que a RMC não utiliza radiação ionizante. As principais razões para não referenciar doentes para RMC foram a disponibilidade (45%) e o custo (36%).
ConclusõesOs cardiologistas portugueses parecem moderadamente familiarizados e conhecedores das indicações, contraindicações e vantagens dos novos métodos de imagem. Devem ser envidados esforços no sentido de melhorar estes indicadores por forma a permitir um uso racional destes exames complementares de diagnóstico.
Rapid advances in cardiac magnetic resonance (CMR) and cardiac computed tomography angiography (CCTA) pose challenges for practicing physicians in terms of awareness of their indications, contraindications, advantages and pitfalls.
MethodsWe conducted a nationwide online survey assessing the familiarity, perceptions and patterns of use concerning these imaging modalities based on a questionnaire sent to all physician members of the Portuguese Society of Cardiology.
ResultsThe responses from 205 physicians (21% response rate) were analyzed. Roughly half of them requested less than one CMR (51%) or CCTA (52%) per week.
Suspected coronary artery disease in symptomatic patients with intermediate pretest probability was considered a good or excellent indication for CCTA by 59% of respondents when performed as a second-line exam, and by 29% as a first-line exam. Cardiac masses, congenital heart disease and cardiomyopathies were considered good or excellent indications for CMR by over 90% of respondents, while assessment of myocardial viability and acute myocardial infarction with normal coronary arteries were considered good or excellent indications by 75% and 65% of respondents, respectively. Less than half (39%) answered all the questions regarding contraindications for CMR correctly, and 15% were unaware that CMR does not involve ionizing radiation. The main reasons for not referring a patient for CMR were limited availability (45%) and cost (36%).
ConclusionsPortuguese cardiologists appear to be moderately aware of the indications, contraindications and advantages of these new imaging modalities. Greater efforts should be made to improve physician education on this subject in order to improve patient care.
Nos últimos anos, importantes avanços tecnológicos permitiram que a ressonância magnética cardíaca (RMC) e a angio-TC cardíaca se fossem firmando como métodos de diagnóstico de crescente relevância na prática clínica. Estes avanços traduziram-se num aumento substancial das indicações para estes exames1–3. No entanto, o caráter relativamente recente e a rápida evolução destes métodos de imagem colocam desafios aos clínicos no que respeita ao conhecimento das suas indicações e contraindicações, bem como às suas potenciais vantagens e desvantagens quando comparados com métodos mais estabelecidos na prática clínica.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a familiaridade, as perceções e os padrões de uso da RMC e angio-TC cardíaca entre os cardiologistas portugueses.
MétodosOs médicos sócios da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) foram convidados a responder a um questionário anónimo online através de um mailing, efetuado em janeiro de 2011, para os endereços eletrónicos constantes da base de dados da SPC. O estudo era identificado como uma iniciativa do Grupo de Estudo de Cardiologia Nuclear, Ressonância Magnética e TC Cardíaca (GECNRMTC) da SPC, sendo os médicos convidados a responder sem consultar quaisquer fontes. Um segundo mailing, destinado apenas aos não respondedores, foi enviado em outubro de 2011. Em ambos foi utilizado um código de identificação eletrónico para impedir que a mesma pessoa pudesse responder mais do que uma vez ao questionário.
Os questionários respondidos de forma muito incompleta (preenchimento limitado aos dados demográficos, n=18) foram excluídos da análise. Por uma questão de homogeneidade da população, foram também excluídas as respostas de médicos que afirmaram pertencer a outras especialidades que não Cardiologia, Cirurgia Cardiotorácica, Cardiologia Pediátrica e Medicina Interna. Foram excluídas por este motivo quatro respostas (Medicina Geral e Familiar, n=2; Medicina Física e de Reabilitação, n=1; Radiologia, n=1).
Os resultados são apresentados em valor absoluto e percentagem. Os dados de variáveis contínuas encontram-se expressos em média ± desvio padrão.
ResultadosForam consideradas 205 respostas (correspondendo a 21% dos médicos sócios da SPC à data do primeiro mailing). Os médicos respondedores tinham uma idade média de 47 ± 11 anos, eram maioritariamente do sexo masculino (67%, n=137) e especialistas (89%, n=183) há 15 ± 10 anos. A grande maioria (87%, n=178) eram cardiologistas. Responderam também 15 cirurgiões cardíacos (7%), 6 cardiologistas pediátricos (3%) e 6 especialistas em Medicina Interna (3%). Os distritos com mais respondedores foram Lisboa (38%, n=77), Porto (20%, n=40), Coimbra (9%, n=19) e Viseu (3%, n=7). Responderam médicos de todos os distritos e regiões autónomas de Portugal, com exceção de Beja, Bragança e Guarda.
A maioria dos respondedores (80%, n=164) afirmou realizar regularmente ecocardiogramas transtorácicos; 10% (n=20) disseram fazer angio-TC cardíaca, 7% (n=15) cintigrafia de perfusão miocárdica e 7% (n=14) RMC. Apenas 17% (n=34) declararam praticar mais do que uma destas modalidades de imagem; outros 17% (n=34) revelaram não praticar nenhuma delas. A grande maioria dos respondedores (94%, n=192) afirmou-se capaz de fazer uma interpretação autónoma de imagens de ecocardiografia transtorácica, ao passo que 17% (n=34) disseram ser capazes de uma avaliação diagnóstica correta de imagens de RMC (Figura 1). O número de exames que cada médico disse requisitar numa semana de trabalho típica encontra-se discriminado na Figura 2. Ainda em relação aos hábitos de prescrição de exames, a maioria dos respondedores (60%, n=122) declarou nunca ter pedido um score de cálcio, 15% (n=30) disseram nunca ter pedido uma angio-TC cardíaca e 5% (n=11) afirmaram nunca ter pedido uma RMC. Em 18% (n=37) e 20% (n=40) dos casos, respetivamente, o último pedido de angio-TC ou RMC tinha sido feito há mais de 6 meses.
Respostas à questão: «Em qual ou quais das seguintes modalidades pensa que seria geralmente capaz de fazer uma avaliação diagnóstica correta com base apenas nas imagens ou filmes do exame (sem relatório)?». AngioTC: angiotomografia computorizada; CAT: coronariografia invasiva; CPM: cintigrafia de perfusão miocárdica; Eco: ecocardiografia transtorácica; RMC: ressonância magnética cardíaca.
Respostas à questão: «Numa semana de trabalho típica, quantos exames requisita de cada uma das seguintes modalidades de imagem? (Se trabalha em vários locais/contextos, considere o somatório destes)». AngioTC: angiotomografia computorizada; CPM: cintigrafia de perfusão miocárdica; Eco: ecocardiograma transtorácico; Eco stress: ecocardiografia de sobrecarga; RMC: ressonância magnética cardíaca; Score Ca: score de cálcio.
Quando convidados a classificar um conjunto de oito indicações para RMC, a maioria considerou as indicações boas ou excelentes, com exceção da angio-RM das artérias coronárias (Figura 3). Massas cardíacas, cardiopatias congénitas e miocardiopatias foram consideradas indicações boas/excelentes para RMC por mais de 90% dos respondedores, ao passo que a avaliação de viabilidade e enfarte com coronárias angiograficamente normais foram consideradas indicações boas/excelentes por 75 e 65% dos respondedores, respetivamente. Quanto às indicações para angio-TC, as mais bem classificadas foram a avaliação de doente assintomático com prova de esforço positiva, a avaliação de bypasses, a avaliação de doente sintomático com probabilidade pré-teste intermédia de doença coronária obstrutiva (como exame de 2.ª linha), e a exclusão de doença coronária pré-cirurgia valvular (Figura 4). A suspeita de doença coronária em doentes sintomáticos com probabilidade pré-teste intermédia foi considerada uma indicação boa ou excelente para angio-TC por 29% dos respondedores quando efetuada como exame de 1.ª linha.
Respostas à questão: «Como classificaria as seguintes indicações para ressonância magnética cardíaca?». AngioRM: angioressonância magnética; CAVD: cardiopatia arritmogénica do ventrículo direito; DCC: doença cardíaca congénita; EAM CN: enfarte agudo do miocárdio com coronárias normais; NS/NR: não sabe/não responde; MCH: miocardiopatia hipertrófica; RM stress: ressonância magnética de sobrecarga.
Respostas à questão: «Como classificaria as seguintes indicações para angio-TC cardíaca?». A – Doente sintomático com probabilidade pré-teste intermédia de doença coronária obstrutiva (como exame de 2.a linha); B – Doente sintomático com probabilidade pré-teste intermédia de doença coronária obstrutiva (como exame de 1.a linha); C – Doente assintomático com prova de esforço positiva; D – Doente assintomático com vários fatores de risco cardiovascular; E – Avaliação de bypasses; F – Doente com doença coronária conhecida; G – Avaliação de stents coronários; H – Exclusão de doença coronária pré-cirurgia valvular. NS/NR: não sabe/não responde.
Quanto às contraindicações para RMC, a grande maioria (91%) identificou a presença de pacemaker ou cardioversor-desfibrilhador implantável como contraindicação, mas uma percentagem significativa considerou que a presença de prótese valvular mecânica ou de fios de aço de sutura de esternotomia contraindicavam o exame (45 e 25%, respetivamente) (Figura 5). Apenas 43% (79/185) responderam corretamente a todas as questões acerca das contraindicações para RMC.
De seguida, os inquiridos eram convidados a ordenar por ordem crescente de dose média de radiação as quatro seguintes técnicas: cintigrafia de perfusão miocárdica (CPM) com 99mTc (protocolo stress-repouso), angiografia coronária invasiva diagnóstica (sem ventriculografia), angio-TC cardíaca e RMC. Dos 173 médicos que responderam a esta questão, 40% (n=69) consideram ser a CPM a técnica com maior dose média de radiação ionizante, ao passo que 27 (n=46) e 25% (n=44) afirmam ser a angio-TC e a angiografia coronária diagnóstica, respetivamente. Cerca de metade dos respondedores (54%, n=94) pensa que a dose média de radiação da angio-TC é superior à dose da coronariografia invasiva; 45% (n=78) pensam que a dose média da angio-TC é superior à da CPM. Quanto à RMC, 15% dos respondedores (n=26) parecem desconhecer que esta técnica não emprega radiação ionizante.
Na questão seguinte, pedia-se aos inquiridos que ordenassem por ordem crescente de custo médio os seguintes exames (sem atender a questões de comparticipação ou reembolso): ecocardiograma de sobrecarga, CPM, angiografia coronária invasiva diagnóstica, angio-TC cardíaca e RMC. Dos 163 médicos que responderam a esta questão, 50% (n=81) consideraram ser a coronariografia invasiva a técnica mais dispendiosa, ao passo que 40 (n=65) e 7% (n=12) afirmaram ser a RMC e a CPM, respetivamente. Apenas 2% (n=3) dizem ser a angio-TC cardíaca a técnica mais onerosa. Não obstante, 66 (n=108) e 63% (n=102) pensam que a angio-TC é mais cara que a CPM e a angiografia invasiva, respetivamente. Quanto à RMC, 67 (n=109) e 53% (n=87) pensam que é uma técnica mais dispendiosa que a CPM e a angiografia invasiva, respetivamente.
Quando questionados acerca do principal obstáculo ao uso mais frequente da RMC na prática clínica, 45% dos respondedores (n=84) identificaram problemas de acessibilidade, 36% (n=66) o custo, e 15% (n=27) a falta de familiaridade com a técnica. As opiniões dos respondedores em relação ao score de cálcio encontram-se expostas na Tabela 1.
Respostas à questão: «Qual das seguintes afirmações se aproxima mais da sua opinião acerca do score de cálcio?»
Opinião/Opinion | |
Potencialmente interessante, mas a evidência é ainda insuficiente para o tornar parte da prática clínica diáriaPotentially interesting, but the evidence is still insufficient to make it a part of everyday clinical practice | 41% (n=76) |
É uma ferramenta útil, que deveria ser mais utilizadaA useful tool. Should be used more often. | 27% (n=51) |
É um gerador de exames e custos desnecessáriosResults in unnecessary tests and costs. | 15% (n=27) |
Não tenho opinião sobre este assuntoI have no opinion on this topic | 7% (n=13) |
Não acrescenta nada à avaliação clássica do risco cardiovascularAdds nothing to the classic cardiovascular risk assessment | 6% (n=11) |
Deveria estar para a Cardiologia como a mamografia está para a SenologiaIt's place in Cardiology should be similar to the place of mammography in Senology | 4% (n=7) |
Tanto quanto é do nosso conhecimento, este é o primeiro estudo destinado a avaliar a familiaridade dos cardiologistas portugueses com as técnicas de RMC e TC cardíaca. De uma forma global, pode dizer-se que estes parecem moderadamente familiarizados e conhecedores das indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens destes métodos de imagem. No entanto, parece existir algum desfasamento entre a utilidade que os inquiridos reconhecem a estas técnicas e o uso que delas fazem na prática clínica. A título de exemplo, apesar de a maioria dos clínicos respondedores considerarem a RMC como uma ferramenta útil ou muito útil numa grande variedade de indicações clínicas muito prevalentes, cerca de 1/4 não tinha pedido qualquer RMC nos últimos seis meses (incluindo 5% sem qualquer pedido ao longo de toda a sua prática clínica). Este dado poderá significar que os cardiologistas portugueses tendem a reservar este exame para os casos mais complexos (em que os testes «convencionais» sejam incapazes de dar uma resposta clínica adequada), mas hesitam em usar a RMC como alternativa a outros métodos com os quais estão mais familiarizados. De facto, mesmo em situações em que a RMC demonstrou ótimo desempenho, como no estudo de viabilidade miocárdica4, no diagnóstico diferencial de enfarte com coronárias angiograficamente normais5 e na miocardite6, cerca de 25 a 35% dos inquiridos não as consideraram boas razões para referenciação para RMC. Talvez de forma menos surpreendente, por ser uma técnica mais recente e com implantação ainda incipiente em algumas zonas do país, os estudos de isquemia por RMC foram considerados uma indicação importante por pouco mais de metade dos respondedores. No entanto, atendendo a que a RMC de sobrecarga obteve resultados superiores à CPM e ao ecocardiograma de sobrecarga em estudos comparativos diretos7,8, é de esperar um crescimento significativo deste método nos próximos anos.
As razões apontadas para não solicitar uma RMC na prática clínica são várias, sendo a dificuldade de acesso o principal problema identificado pelos participantes no estudo (45%). Apesar de a disponibilidade da técnica ter aumentado muito nos últimos anos (sobretudo nos grandes centros, onde a maioria dos clínicos respondedores exerce a sua prática clínica), há que reconhecer que ela ainda não se encontra acessível em muitos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde, onde poderão existir dificuldades ou relutância no envio para outras instituições. Simultaneamente, mais de 1/3 identificou o custo da técnica como sendo o principal fator limitante. Esta última justificação, porém, parece ter origem na perceção errada de que a RMC é um exame mais caro do que, por exemplo, uma CPM ou uma angiografia coronária invasiva. Na realidade, a RMC apresenta um custo inferior ao da CPM e da coronariografia por cateterismo9. Novamente, é de referir que a RMC não está disponível em muitos Hospitais e não se encontra convencionada pelo Serviço Nacional de Saúde, o que pode constituir um obstáculo ao seu uso na prática clínica corrente. Por outro lado, apenas uma minoria dos cardiologistas (15%) aponta a falta de familiaridade como uma razão importante para a não referenciação. Esta falta de familiaridade torna-se relativamente evidente quando atendemos à diminuta proporção dos respondedores que considerou ser capaz de fazer uma avaliação diagnóstica correta autónoma, à percentagem de inquiridos que desconhece várias das contraindicações para RMC e, mais ainda, ao facto de 15% dos respondedores pensarem que a técnica emprega radiação ionizante. Estes resultados, que seriam piores se os médicos executantes habituais tivessem sido excluídos da análise (dados não apresentados), reforçam a necessidade de formação nesta área da imagiologia cardíaca que, até há pouco tempo, merecia muito pouca atenção nos curricula da Cardiologia.
A familiaridade dos cardiologistas com a angio-TC parece ser ligeiramente superior à reportada para a RMC, com 29% dos respondedores a consideraram-se capazes de uma interpretação autónoma dos exames. A maior implantação da angio-TC no nosso país e a sua menor complexidade técnica poderão justificar esta diferença. É também de realçar que uma percentagem relevante de cardiologistas (quase 30%) considera que esta técnica é boa ou excelente quando usada como primeiro teste na avaliação de doentes sintomáticos com probabilidade pré-teste intermédia, uma conceção inovadora que está em linha com recomendações clínicas recentemente publicadas1,10. Parece assim que os cardiologistas portugueses têm uma perceção globalmente adequada da utilidade clínica da angio-TC, identificando os doentes que mais beneficiam da técnica, nomeadamente aqueles com suspeita de doença coronária e com probabilidade pré-teste intermédia ou baixa. No entanto, cerca de 1/3 dos inquiridos afirmaram não ter pedido qualquer angio-TC nos últimos seis meses (incluindo cerca de 15% de clínicos que declararam nunca ter pedido uma angio-TC em toda a sua prática clínica). Tal como na RMC, parece existir aqui alguma dissociação entre o reconhecimento da utilidade da técnica e o seu uso na prática clínica, o que poderá estar associado a problemas de acessibilidade e/ou a perceções relativas a custos e dose de radiação, entre outros. No que diz respeito aos custos, é interessante notar que a angio-TC é percebida por cerca de dois terços dos inquiridos como uma técnica mais dispendiosa do que a angiografia coronária invasiva ou que a CPM. Na realidade, o preço médio da angio-TC é inferior a metade do custo de qualquer um destes exames9. O facto de uma grande proporção dos inquiridos não identificar a angiografia coronária invasiva diagnóstica como o teste mais dispendioso de todos os apresentados no inquérito poderá dever-se ao fácil acesso que os clínicos têm a esta técnica e ao facto de a grande maioria desses exames ser realizada no Serviço Nacional de Saúde, sem que o médico referenciador ou o doente tomem consciência dos custos envolvidos. Quanto à dose de radiação, cerca de metade dos inquiridos pensam que a dose média da angio-TC é superior à da angiografia coronária invasiva ou mesmo da CPM. Estudos da prática clínica diária mostram que esta perceção não corresponde à realidade, sendo as doses médias de radiação atualmente empregues na angio-TC significativamente inferiores às da CPM, e semelhantes ou inferiores à dose de radiação de um cateterismo diagnóstico11,12.
O acesso relativamente mais fácil à angiografia coronária invasiva do que à angio-TC, juntamente com algumas perceções incorretas acerca dos custos e dose de radiação poderão explicar, em parte, a elevada percentagem de cateterismos diagnósticos sem doença coronária obstrutiva, que se situa entre os 41-62% nas séries publicadas13–15. É expectável que uma maior implementação da angio-TC cardíaca contribua para minorar este problema, já que esta técnica, quando corretamente utilizada, parece ter um impacto positivo na redução do número de coronariografias normais16.
No que diz respeito ao score de cálcio coronário, é interessante notar que, embora apenas uma pequena percentagem considere que este exame não aporta informação prognóstica incremental à avaliação clássica do risco cardiovascular, a maioria (60%) declarou nunca ter pedido um score de cálcio em toda a sua prática clínica. Este método está provavelmente subutilizado, atendendo ao facto de que parece ser superior a outros marcadores em termos de poder discriminativo e reclassificação de risco17 e de que apresenta atualmente uma indicação de classe iia nas recomendações europeias e norte-americanas para a estratificação de risco cardiovascular em indivíduos assintomáticos com risco intermédio18,19. Os cardiologistas portugueses parecem reconhecer o seu potencial, mas consideram que a evidência é ainda insuficiente para a tornar parte da prática clínica diária, o que poderá ser um reflexo da ausência de orientações terapêuticas claras em função dos valores de score de cálcio.
Como comentário final, parece evidente alguma falta de familiaridade dos cardiologistas portugueses com estes exames. Para isso contribuem certamente a relativa juventude de ambas as técnicas e o facto de não estarem habitualmente disponíveis nos Serviços de Cardiologia. A recente inclusão da RMC e angio-TC nos programas de formação dos internos de Cardiologia portugueses poderá revelar-se uma medida eficaz para melhorar o conhecimento e a implementação destes métodos. Paralelamente, parece ser necessário e desejável intensificar as iniciativas nacionais de formação contínua nesta área.
Este estudo apresenta algumas limitações que importa considerar. Em primeiro lugar, apenas foram apreciadas as respostas dos médicos com endereço de email válido na base de dados da SPC e que voluntariamente responderam às questões colocadas. Por este motivo, existe provavelmente um viés de seleção que tende a sobrerrepresentar médicos com interesse e conhecimento nestas áreas e por isso mais propensos a responderem a um inquérito sobre estes temas. Por outro lado, por não existir ainda um levantamento nacional e regional da disponibilidade da RMC e angio-TC cardíaca, os dados relativos à acessibilidade não puderam ser relacionados com as respostas obtidas. Ainda assim, parece evidente que as dificuldades no acesso são uma realidade que merece atenção por parte dos responsáveis. Só assim a escolha do método diagnóstico adequado a cada situação clínica poderá ser verdadeiramente baseada na evidência e de acordo com a melhor relação custo/benefício.
ConclusõesOs cardiologistas portugueses parecem moderadamente familiarizados e conhecedores das indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens da RMC e angio-TC cardíaca. Os padrões de uso destes métodos parecem ficar um pouco aquém da utilidade clínica que lhes é reconhecida pelos clínicos, provavelmente devido a problemas de acessibilidade e a algumas perceções incorretas acerca destes exames, nomeadamente no que diz respeito aos seus custos e às doses de radiação envolvidas. Devem ser envidados esforços no sentido de melhorar a familiaridade dos cardiologistas portugueses com a RMC e angio-TC cardíaca, por forma a permitir um uso racional e apropriado destes exames complementares de diagnóstico.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.