O valor prognóstico do realce tardio na estratificação dos doentes com miocardiopatia hipertrófica é controverso. Este trabalho pretende avaliar a associação entre a presença de realce tardio na ressonância magnética cardíaca e características clínicas, imagiológicas e prognósticas em doentes com miocardiopatia hipertrófica.
MétodosDe 78 doentes com miocardiopatia hipertrófica avaliámos retrospetivamente 53, que realizaram ressonância cardíaca. Os doentes foram divididos em dois grupos, conforme a presença ou ausência de realce tardio. Foi feito seguimento clínico referente a disritmia ventricular e a morbi‐mortalidade.
ResultadosOs doentes com realce tardio eram mais jovens à data do diagnóstico (p=0,046), mais frequentemente tinham antecedentes familiares de morte súbita (p=0,008) e de doença coronária (p=0,086). No ecocardiograma apresentavam maior espessura parietal máxima (p=0,007); área (p=0,037) e volume indexado da aurícula esquerda (p=0,035); maior frequência de padrão restritivo de disfunção diastólica (p=0,011), com relação E/E’ mais elevada (p=0,003); e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (p=0,038). A ressonância validou as alterações ecocardiográficas associadas à presença de realce tardio: maior área da aurícula esquerda (p=0,029); espessura parietal máxima (p<0,001) e menor fração de ejeção do ventrículo esquerdo (p=0,056). Os doentes com realce tardio mais frequentemente eram portadores de CDI (p=0,015); não havendo diferenças na frequência de episódios de disritmia ventricular, terapias apropriadas de CDI ou mortalidade no seguimento clínico.
ConclusõesA presença de realce tardio surge como um marcador de risco, associando‐se a fatores já reconhecidos como preditores de morte súbita nesta população. A sua associação independente a eventos clínicos exige o estudo de populações de maior dimensão.
The prognostic value of late gadolinium enhancement (LGE) for risk stratification of hypertrophic cardiomyopathy (HCM) patients is the subject of disagreement. We set out to examine the association between clinical and morphological variables, risk factors for sudden cardiac death and LGE in HCM patients.
MethodsFrom a population of 78 patients with HCM, we studied 53 who underwent cardiac magnetic resonance. They were divided into two groups according to the presence or absence of LGE. Ventricular arrhythmias and morbidity and mortality during follow‐up were analyzed.
ResultsPatients with LGE were younger at the time of diagnosis (p=0.046) and more often had a family history of sudden death (p=0.008) and known coronary artery disease (p=0.086). On echocardiography they had greater maximum wall thickness (p=0.007) and left atrial area (p=0.037) and volume (p=0.035), and more often presented a restrictive pattern of diastolic dysfunction (p=0.011) with a higher E/E¿ ratio (p=0.003) and left ventricular systolic dysfunction (p=0.038). Cardiac magnetic resonance supported the association between LGE and previous echocardiographic findings: greater left atrial area (p=0.029) and maximum wall thickness (p<0.001) and lower left ventricular ejection fraction (p=0.056). Patients with LGE more often had an implantable cardioverter‐defibrillator (ICD) (p=0.015). At follow‐up, no differences were found in the frequency of ventricular arrhythmias, appropriate ICD therapies or mortality.
ConclusionsThe presence of LGE emerges as a risk marker, associated with the classical predictors of sudden cardiac death in this population. However, larger studies are required to confirm its independent association with clinical events.
A miocardiopatia hipertrófica (MCH) é uma doença hereditária, relativamente comum (1/500), caracterizando‐se pela sua complexidade e amplo espectro de expressão fenotípica e evolução natural1,2.
A morte súbita é a principal causa de morte nos jovens com MCH, contudo, o risco é baixo (+/‐1%/ano), sendo o cardioversor desfibrilhador implantável (CDI) o único método de prevenção eficaz3. Os algoritmos de estratificação de risco para predição de morte súbita nesta população caracterizam‐se pelo seu reduzido valor preditivo positivo e por alguma ambiguidade quanto à definição dos fatores de risco3,4.
A ressonância magnética cardíaca (RMC) tem‐se tornado um exame fundamental na caracterização morfológica e funcional destes doentes. O valor prognóstico do realce tardio (RT), ao identificar áreas de fibrose intramiocárdica com potencial arritmogénico, tem sido controverso5.
Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a associação entre a presença de realce tardio na ressonância magnética cardíaca e características clínicas, imagiológicas e prognósticas numa população portuguesa de doentes com MCH.
MétodosPopulaçãoAnálise retrospetiva de doentes com MCH seguidos regularmente em consulta externa de cardiologia num hospital central, que realizaram RMC com estudo de RT.
Foram identificados 78 doentes com o diagnóstico ecocardiográfico de MCH, destes 61 realizaram RMC.
Os motivos para a não realização de RMC foram os critérios clássicos que impedem a realização deste exame (por exemplo, portador de CDI, pacemaker, claustrofobia) ou a recusa do doente.
A definição de MCH baseou‐se nos critérios clássicos ecocardiográficos (ventrículo hipertrofiado, não dilatado e com uma espessura máxima da parede ≥15mm) e na demonstração da ausência de outra causa sistémica ou local de hipertrofia.
Foram excluídos cinco doentes nos quais não foi possível realizar o estudo de RT, uma doente com o diagnóstico de amiloidose cardíaca e duas doentes com síndrome de Noonan.
O grupo final de estudo incluiu 53 doentes.
Dados clínicosColhidos dos registos médicos dos doentes por um investigador cego para os resultados da RMC.
Características de baseForam colhidas as seguintes características de base: hipertensão arterial, diabetes mellitus, síndrome de apneia obstrutiva do sono, doença coronária, fibrilhação auricular, síncope, antecedentes de morte súbita num familiar de primeiro grau (<45 anos), classe funcional da New York Heart Association (NYHA), medicação com beta‐bloqueante ou antagonista dos canais de cálcio não dihidropiridínico, realização de miectomia ou ablação septal com álcool, portador de pacemaker ou de CDI, eletrocardiograma em repouso e valor de NT‐pro‐BNP.
O rastreio da doença de Anderson‐Fabry foi feito em 34 (64,1%) doentes e a pesquisa de mutação clássica para MCH em 41 (77,4%) doentes.
Avaliação de resposta tensional na prova de esforçoA prova de esforço segundo o protocolo de Bruce modificado foi realizada em 30 (56,6%) doentes. Uma resposta hipotensiva foi definida como a ausência de aumento da pressão arterial em 20mmHg ou uma descida de pelo menos 20mmHg durante o esforço.
Parâmetros ecocardiográficosO ecocardiograma transtorácico foi realizado por dois observadores experientes que desconheciam em parte a informação clínica dos doentes. Foram avaliados os seguintes parâmetros: diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo; espessura do septo interventricular, parede posterior e ápex; volume indexado da aurícula esquerda; presença de gradiente (≥30mmHg) em repouso e após manobra provocativa; quantificação de insuficiência mitral; classificação da função sistólica e disfunção diastólica do ventrículo esquerdo.
Treze dos doentes sem gradiente em repouso (33,4%) realizaram ecocardiograma de esforço para avaliação da presença de gradiente com o exercício.
Ressonância magnética cardíacaTodos os estudos foram realizados num scanner de ressonância magnética 1.5 Tesla (Phillips®).
A RMC foi realizada por três observadores experientes que desconheciam em parte a informação clínica dos doentes. Foram avaliados os seguintes parâmetros: área da aurícula esquerda; fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE); maior espessura da parede ventricular; presença de realce tardio.
As imagens de realce tardio foram adquiridas após administração de gadolínio endovenoso.
Seguimento clínicoOs doentes foram seguidos durante um período médio de 53,6±53,4 meses (entre 4‐271 meses).
Todos os doentes realizaram Holter das 24 horas, permitindo a identificação do número de extrassístoles ventriculares nesse período, bem como de episódios de taquicardia ventricular não mantida, definida como a presença de três ou mais complexos ventriculares consecutivos, com menos de 30 segundos de duração e sem compromisso hemodinâmico.
Nos doentes portadores de CDI foi feita pesquisa referente a todas as consultas de seguimento do dispositivo e foram consideradas terapias apropriadas as descargas de CDI e as terapias antitaquicardia (por overdrive pacing) desencadeadas por fibrilação ventricular e/ou taquicardia ventricular.
Foram definidos dois endpoints: mortalidade por qualquer causa e terapias apropriadas de CDI.
Análise estatísticaA análise estatística foi realizada com SPSS para Windows, versão 17.0.
As variáveis nominais foram expressas como contagens e percentagens. Foi feita comparação de variáveis nominais (combinação de frequências) com teste χ2. As variáveis contínuas foram expressas como média±desvio‐padrão, aplicou‐se o teste T de Student para comparar variáveis com distribuição normal e o teste Mann‐Whitney U para comparar variáveis que não respeitam uma distribuição normal.
Um valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
ResultadosCaracterísticas da populaçãoA população do estudo consistiu em 53 doentes: 27 (50,9%) do sexo masculino, com uma idade de 56,4±17,0 anos à data do diagnóstico.
A Tabela 1 mostra as principais características da população. Relativamente à capacidade funcional, de acordo com a classificação da NYHA: 29 (54,7%) dos doentes estava em NYHA I; 22 (41,5%) em NYHA II e dois (3,8%) em NYHA III. Nenhum doente foi submetido a miectomia e a realização de ablação septal com álcool foi feita em dois doentes.
Principais características da população
Hipertensão arterial | 38 (71,7%) |
Diabetes mellitus tipo 2 | 6 (11,3%) |
Síndrome de apneia obstrutiva do sono | 6 (11,3%) |
Fibrilhação auricular | 16 (30,2%) |
Antecedentes de doença coronária | 3 (5,7%) |
Antecedentes de síncope | 8 (15,1%) |
História familiar de morte súbita | 9 (17,3%) |
Medicação com beta‐bloqueante | 37 (69,8%) |
Medicação com ACC não dihidropiridínico | 7 (13,2%) |
Pacemaker definitivo | 5 (9,4%) |
ACC: antagonista dos canais de cálcio.
A Tabela 2 descreve as principais alterações eletrocardiográficas.
Principais alterações eletrocardiográficas
Bloqueio completo de ramo direito | 5 (9,4%) |
Hemibloqueio anterior esquerdo | 16 (30,2%) |
Bloqueio completo de ramo esquerdo | 1 (1,9%) |
Bloqueio bifascicular | 8 (15,1%) |
BAV 1.° grau | 13 (24,5%) |
BAV 2.° grau | 4 (7,5%) |
BAV 3.° grau | 3 (5,7%) |
Critérios de voltagem de HVE | 37 (69,8%) |
BAV: bloqueio auriculoventricular; HVE: hipertrofia ventricular esquerda.
Dos 34 (64,1%) doentes rastreados para doença de Anderson‐Fabry em nenhum foi encontrada uma mutação clássica.
A pesquisa de mutação das proteínas do sarcómero feita em 41 (77,4%) doentes foi negativa em 12 (29,3%); em nove (21,9%) foi identificada uma mutação clássica; em três (7,3%) uma mutação de significado indeterminado e 17 (41,5%) aguardam ainda o resultado do estudo.
O valor médio de NT‐pro‐BNP avaliado em 29 (54,7%) doentes foi de 3.130±5.762pg/mL.
Apenas quatro (13,3%) dos doentes que realizaram prova de esforço desenvolveram uma resposta hipotensiva.
Caracterização dos achados ecocardiográficos da populaçãoA distribuição fenotípica da MCH foi a seguinte: assimétrica em 36 (67,9%) doentes; apical em 13 (24,5%) e concêntrica em quatro (7,5%). A presença de movimento sistólico anterior da válvula mitral condicionando obstrução em repouso foi objetivada em 20 (37,7%) doentes, com um gradiente telessistólico de 69,4±27,3mmHg. Quanto à presença e gravidade da insuficiência mitral: ausente em seis (11,3%) doentes; mínima (grau 1) em 30 (56,6%); ligeira (grau 2) em 11 (20,8%); moderada (grau 3) em cinco (9,4%) e severa (grau 4) num doente (1,9%).
Apenas sete (13,2%) doentes não apresentavam disfunção diastólica; sendo o padrão pseudonormal o mais frequente, presente em 22 (41,5%) doentes; seguido da alteração do relaxamento em 21 (39,6%) doentes; com três (5,7%) doentes apresentando um padrão restritivo.
Um compromisso pelo menos ligeiro da função sistólica global foi identificado em sete (13,2%) doentes.
A Tabela 3 mostra as principais variáveis contínuas ecocardiográficas.
Principais variáveis contínuas ecocardiográficas
Diâmetro diastólico do VE, mm | 48,9±7,4 |
Septo interventricular, mm | 17,2±4,3 |
Parede posterior, mm | 11,2±3,3 |
Ápex (n=13), mm | 18,4±6,4 |
Área da AE (A4C), mm2 | 25,1±5,6 |
Volume indexado da AE, mm3 | 52,5±20,1 |
Velocidade da onda E, m/seg | 0,82±0,31 |
E′ lateral, cm/seg | 6,7±2,4 |
Relação E/E′ | 13,9±6,9 |
A4C: apical quatro câmaras; AE: aurícula esquerda; VE: ventrículo esquerdo.
Dos 13 doentes que realizaram ecocardiograma de esforço, sete (53,8%) apresentaram desenvolvimento de gradiente significativo com o exercício (69,3±31,9mmHg).
Caracterização dos achados da ressonância magnética cardíaca da populaçãoA caracterização fenotípica da MCH foi semelhante à previamente identificada por ecocardiograma transtorácico, permitindo, contudo, definir melhor a localização da hipertrofia ventricular.
A Tabela 4 mostra as principais variáveis contínuas avaliadas na RMC.
A presença de realce tardio foi identificada em 24 (45,3%) doentes.
Fatores preditores da presença de realce tardio na ressonância magnética cardíacaO diagnóstico de MCH foi feito numa idade mais jovem nos doentes com RT na RMC (52,3±16,9 versus 59,8±16,5; p=0,046) e mais frequentemente estes doentes apresentavam uma história familiar de morte súbita (33,3 versus 3,4%; p=0,008; OR 13,5).
Observou‐se uma tendência para os doentes com RT na RMC mais frequentemente apresentarem antecedentes de doença coronária (12,5 versus 0%; p=0,086) e valores mais elevados de NT‐pro‐BNP (5.151±7.882 versus 1.489±2.422; p=0,089).
Quanto às restantes características clínicas não houve diferenças entre os grupos em relação a sexo (p=0,669); antecedentes de hipertensão arterial (p=0,899), diabetes mellitus (p=0,532) ou síndrome de apneia obstrutiva do sono (p=0,135); presença de mutação identificada (p=0,676); antecedentes de síncope (p=0,288); classe funcional da NYHA; medicação prévia com beta‐bloqueante (p=0,454) ou antagonista dos canais de cálcio não dihidropiridínico (p=0,112); critérios de voltagem de HVE no eletrocardiograma (p=0,696); antecedentes de fibrilhação auricular (p=0,098).
Não foram observadas diferenças entre os grupos na resposta tensional na prova de esforço (p=0,348).
Nas variáveis ecocardiográficas, os doentes com realce tardio mais frequentemente apresentavam disfunção sistólica, caracterizada por uma FEVE inferior a 50% (25,0 versus 3,4%; p=0,038; OR 9,33) e disfunção diastólica com padrão pseudonormal (68,2 versus 29,2%) ou restritivo (9,1 versus 4,2%; p=0,011).
A Tabela 5 mostra as variáveis ecocardiográficas contínuas preditoras de realce tardio na RMC.
Variáveis ecocardiográficas contínuas preditoras de realce tardio na ressonância magnética cardíaca
Variável | Doentes com RT (n=24) | Doentes sem RT (n=29) | p |
Maior espessura, mm | 18,96±5,08 | 15,61±2,82 | 0,007 |
Área AE (A4C), cm2 | 26,85±5,97 | 23,57±4,94 | 0,037 |
Volume indexado AE, cm3 | 58,97±20,77 | 47,05±18,13 | 0,035 |
Relação E/E¿ | 16,73±7,72 | 11,32±4,96 | 0,003 |
A4C: apical quatro câmaras; AE: aurícula esquerda; RT: realce tardio.
Não foi observada qualquer associação entre o tipo de MCH e a presença de RT: MCH assimétrica (p=0,441); MCH apical (p=0,475) ou MCH concêntrica (p=0,844). Do mesmo modo, nem a presença de obstrução (p=0,242) ou a gravidade da insuficiência mitral (p=0,637) se associaram a RT.
A Tabela 6 mostra as variáveis da RMC preditoras de RT.
Variáveis da ressonância magnética cardíaca preditoras de realce tardio
Variável | Doentes com RT (n=24) | Doentes sem RT (n=29) | p |
Maior espessura, mm | 21,50±4,05 | 17,69±2,57 | <0,001 |
Área AE, cm2 | 32,88±3,58 | 29,00±5,26 | 0,029 |
FEVE, % | 63,4±8,4 | 68,1±8,8 | 0,056 |
AE: aurícula esquerda; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; RT: realce tardio.
Os doentes foram seguidos durante um período médio de 53,6±53,4 meses (entre 4‐271 meses).
Não houve diferenças entre os grupos na deteção de taquicardia ventricular não mantida em Holter de 24 horas (20,8 versus 20,7%; p=0,990), bem como no número de extrassístoles ventriculares documentadas (p=0,503).
Durante o seguimento clínico foi realizada implantação de CDI em 11 (20,7%) doentes para prevenção primária com base na presença de um ou mais fatores de risco clássicos. A implantação de CDI foi mais frequentemente realizada nos doentes com RT (37,5 versus 6,9%; p=0,015). Nos doentes portadores de CDI apenas num foi detetada terapia apropriada com overdrive pacing.
Em todo o seguimento clínico apenas faleceram dois doentes, um de cada grupo, por insuficiência cardíaca.
DiscussãoA RMC é a modalidade de imagem preferida para determinação da massa ventricular, do volume das cavidades cardíacas, da função sistólica global e do padrão e distribuição de hipertrofia ventricular em doentes com MCH6–8. A avaliação do RT representa um modo único de identificar áreas de fibrose, bem como a sua distribuição e quantificação9,10.
Características da populaçãoA idade média dos nossos doentes (56,4±17,0 anos) é superior à da maioria dos estudos publicados na literatura5,11,12, englobando poucos doentes na faixa etária mais associada à morte súbita (<35 anos).
A maioria dos nossos doentes era assintomática ou pouco sintomática, tal como em populações já previamente descritas na literatura9,13–15. Este facto realça a importância de novas estratégias de estratificação de risco de morte súbita, uma vez que esta poderá ser a primeira manifestação clínica da MCH anos após o diagnóstico inicial16,17.
Apesar da MCH assimétrica ser o padrão mais frequentemente encontrado (67,9%), é de realçar a elevada prevalência de MCH apicais (24,5%) na nossa população.
O facto da média da espessura máxima da parede ventricular ser de 19,4±3,8mm (avaliação por RMC) demonstra que a presença de hipertrofia ventricular esquerda significativa pode ocorrer em doentes muito pouco sintomáticos, tal como já descrito na literatura13–15.
A presença de obstrução no trato de saída do ventrículo esquerdo na nossa população (50,9%) foi inferior à descrita na literatura18; contudo, houve uma percentagem de doentes sem gradiente em repouso que não realizaram ecocardiograma de esforço.
Do mesmo modo, a percentagem de doentes que desenvolveu uma resposta hipotensiva na prova de esforço (13,3%) foi inferior à descrita na literatura (25%)19,20.
Significado clínico e prognóstico do realce tardioO nosso estudo confirmou que a presença de RT é uma característica fenotípica frequente nesta população, tendo, contudo, sido identificado numa percentagem (45,3%) inferior à descrita na literatura21–23.
O padrão de distribuição do RT não corresponde ao território de perfusão das artérias coronárias epicárdicas, mas relaciona‐se com áreas de hipertrofia ventricular, tendo uma localização mesocárdica9.
Foram fatores preditores de RT a idade mais jovem, história familiar de morte súbita, FEVE inferior a 50%, graus mais graves de disfunção diastólica, maior dilatação da aurícula esquerda e espessura máxima da parede ventricular esquerda.
É bem reconhecida a associação inversa entre a presença e a extensão de RT e a FEVE24, uma vez que o RT se relaciona com o remodelling ventricular que em última instância leva à insuficiência cardíaca13. Do mesmo modo, também está descrita na literatura a associação entre RT e a espessura máxima da parede ventricular esquerda25.
A dilatação auricular esquerda, surrogate marker de disfunção diastólica, também se associou à presença de RT26.
Apesar da reduzida taxa de mortalidade na nossa população, importa salientar que a causa foi sempre cardiovascular, neste caso insuficiência cardíaca.
Tal como em estudos prévios, também no nosso trabalho o valor prognóstico independente do RT ainda continua por demonstrar11,15.
Maron et al.12 documentaram uma elevada prevalência de eventos cardiovasculares no seguimento clínico de 202 doentes com MCH e RT, mas sem significado estatístico.
Em contrapartida, Bruder et al.15 estudaram 220 doentes com MCH oligosintomáticos, com um seguimento clínico médio de três anos, demonstrando que o RT era um preditor independente de mortalidade cardíaca (HR 8,6; p=0,038); enquanto a presença de dois ou mais fatores de risco clínicos não teve significado estatístico (HR 1,4; p=0,68).
Recentemente Green et al.5 realizaram uma meta‐análise com quatro estudos, incluindo 1.063 doentes com MCH, confirmando a elevada prevalência de RT (60% dos doentes) e a sua associação com eventos cardiovasculares adversos (morte cardíaca, morte por insuficiência cardíaca, mortalidade por todas as causas); contudo, sem associação com morte súbita/morte súbita abortada e sem acrescentar valor aos fatores clínicos tradicionais.
Numa população onde a presença de RT ronda os 60% e a taxa de eventos oscila entre 1‐5%/ano, tal relação será difícil de demonstrar. Assim, torna‐se pertinente o desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas para quantificação do RT, potenciando provavelmente a utilidade prognóstica desta técnica27. A quantificação da extensão do RT através das sequências ponderadas em T1 já foi validada noutras doenças miocárdicas (doença cardíaca isquémica e miocardiopatia dilatada), podendo ser também uma mais‐valia na MCH28,29.
O registo europeu de RMC incluiu 249 doentes com MCH, com um seguimento clínico atual de 12 meses, observou apenas uma tendência para um melhor prognóstico nos doentes sem RT30.
Limitações do estudoO nosso estudo tem várias limitações começando pelo número reduzido de doentes e de eventos.
Doentes portadores de CDI que não realizaram RMC previamente à implantação do dispositivo não foram incluídos no nosso estudo, sendo impossível prever como a inclusão destes doentes poderia mudar de um modo significativo os resultados.
A ausência de quantificação do RT, bem como da caracterização da sua distribuição é outra limitação.
Como em qualquer estudo retrospetivo fomos limitados pela informação que se encontra disponível nos ficheiros clínicos dos doentes.
ConclusõesA presença de realce tardio surge como um marcador de risco, associando‐se a fatores já reconhecidos como preditores de morte súbita na miocardiopatia hipertrófica, nomeadamente a história de morte súbita na família e a espessura máxima da parede ventricular esquerda. A sua associação independente a eventos clínicos exige o estudo de populações de maior dimensão em estudos com maior seguimento clínico.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.