Informação da revista
Vol. 31. Núm. 9.
Páginas 619-621 (setembro 2012)
Visitas
12268
Vol. 31. Núm. 9.
Páginas 619-621 (setembro 2012)
Caso clínico
Open Access
Endocardite a Streptococcus agalactiae
Streptococcus agalactiae endocarditis
Visitas
12268
Carina Machado
Autor para correspondência
carinacmachado@gmail.com

Autor para correspondência.
, Carla Almeida, Emília Santos, Nuno Pelicano, Raquel Dourado, Dinis Martins
Serviço de Cardiologia, Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada, S. Miguel, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Resumo

A endocardite a Streptococcus agalactiae é uma entidade clínica rara. A sua apresentação clínica geralmente tem início agudo, com presença de vegetações de grandes dimensões, rápida destruição valvular e complicações frequentes, nomeadamente embolização. A mortalidade permanece elevada quando é apenas adotada terapêutica médica. Os autores apresentam um caso clínico de uma doente jovem com endocardite a Streptococcus agalactiae tratada com uma estratégia cirúrgica precoce e fazem uma revisão da literatura considerada pertinente.

Palavras-chave:
Endocardite infecciosa
Streptococcus agalactiae
Streptococcus do grupo B
Insuficiência mitral
Abstract

Streptococcus agalactiae endocarditis is a rare clinical entity that is generally characterized by acute onset, the presence of large vegetations, rapid valvular destruction and frequent complications, particularly embolization. Mortality is high with medical therapy alone. The authors present a case report of Streptococcus agalactiae endocarditis in a young patient treated by prompt surgery. The literature is reviewed.

Keywords:
Infective endocarditis
Streptococcus agalactiae
Group B streptococcus
Mitral valve regurgitation
Texto Completo
Introdução

A endocardite bacteriana a Streptococcus agalactiae (S. agalactiae) é uma entidade clínica rara1.

A sua incidência tem, no entanto, vindo a aumentar nos últimos anos1, particularmente em idades avançadas, e no contexto de doenças imunossupressoras crónicas nas quais se incluem o alcoolismo, diabetes mellitus, neoplasias e infeção por HIV2.

Aproximadamente 2 a 9% das bacteriémias a S. agalactiae apresenta-se como endocardite3–5.

O perfil clínico da endocardite causada por este microorganismo ainda permanece relativamente desconhecido, por ausência de dados na literatura atual.

Caso clínico

Os autores apresentam o caso clínico de uma doente do sexo feminino de 22 anos de idade, que recorreu ao Serviço de Urgência do hospital local por um quadro de febre, tosse seca, epistaxis, prostração e mialgias com 8 dias de evolução. Referia queixas de dispneia de início recente com agravamento progressivo. Não havia história de antecedentes pessoais conhecidos relevantes, nomeadamente hábitos toxicofílicos ou imunodeficiência.

Ao exame físico a doente encontrava-se sonolenta, polipneica (FR: 40cpm), taquicárdica (FC: 127bpm), normotensa, febril (temperatura axilar: 37,8°C), com hepatoesplenomegalia e edema maleolar bilateral. Analiticamente, destacava-se: anemia normocítica normocrómica (Hb: 9,1g/dL), trombocitopenia grave (11×103u/L), parâmetros infecciosos elevados (leucócitos: 11,2×103u/L, neutrofilia: 84,5% e PCR: 17,89mg/dL), ligeira elevação da fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase e na gasimetria com alterações compatíveis com insuficiência respiratória hipoxémica grave. A função renal, coagulação e sedimento urinário não tinham alterações significativas.

A radiografia de tórax evidenciava um padrão intersticial difuso bilateral.

Durante a permanência no Serviço de Urgência houve agravamento do quadro respiratório com necessidade de ventilação assistida. Foi colocada a hipótese de sépsis com ponto de partida respiratório e foi admitida na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalentes, sendo iniciada antibioterapia empírica e terapêutica de suporte.

No 2.° dia de internamento, após deteção de sopro sistólico 2/6 no bordo esternal esquerdo, e em contexto de síndrome febril, foi realizado ecocardiograma transtorácico, que revelou válvula mitral com vegetação aderente à face auricular do folheto anterior, pediculada, hipermóvel, de grandes dimensões (30mm maior eixo), condicionando insuficiência mitral moderada a grave; PSAP estimada de 15mmHg (Figuras 1 e 2). Para melhor caracterização do mecanismo de insuficiência valvular e para exclusão de complicações perivalvulares, realizou ecocardiograma transesofágico, que confirmou a presença de vegetação volumosa, bem como insuficiência mitral grave, por interferência da vegetação na coaptação dos folhetos valvulares e excluiu abcesso, fístula, pseudoaneurisma ou perfuração.

Figura 1.

Ecocardiograma transtorácico: sequência de Imagens mostrando massa de 3,1cm aderente ao folheto anterior da válvula mitral, condicionando regurgitação mitral moderada a grave.

(0.18MB).
Figura 2.

Ecocardiograma transtorácico: massa aderente ao folheto anterior da válvula mitral que durante a diástole faz protusão para o interior do ventrículo esquerdo.

(0.07MB).

As hemoculturas identificaram S. agalactiae, com elevada sensibilidade à penicilina, tendo-se ajustado antibioterapia.

Por suspeita de gravidez, foi pedido doseamento de beta-HCG, que foi positivo (45 mUI/mL). A doente foi observada pela ginecologia, que realizou ecografia pélvica. Não se visualizava saco gestacional, o que foi interpretado como aborto decorrido.

Foram realizadas tomografias axiais de crânio, abdómen e tórax que excluíram embolização séptica. As serologias virais excluíram imunodeficiência adquirida.

Pelas dimensões da vegetação, elevado risco embólico e insuficiência valvular grave, foi transferida para centro cirúrgico, onde foi submetida a implantação de prótese Mitral St. Jude n.° 27 e reconstrução de anel valvular com patch pericárdico, sem complicações no pós-operatório.

Discussão

O S. agalactiae é uma bactéria gram-positiva beta-hemolítica que coloniza o trato genital feminino, orofaringe, e reto. Geralmente, está associado a infeções neonatais e puerperais7.

A endocardite é uma apresentação rara da infeção sistémica por S. agalactiae. A doente típica na era pré-antibiótica era uma doente jovem, com doença mitral, que estava grávida3–5.

Segundo a evidência na literatura atual, a endocardite a S. agalactiae caracteriza-se por apresentação aguda, presença de vegetações de grandes dimensões, rápida destruição valvular e frequente aparecimento de complicações7. Uma das complicações possíveis é a de embolização sistémica, sendo que existem séries que descrevem uma taxa de cerca de 50%. Esta complicação muitas vezes é mesmo a primeira manifestação de doença. Pensa-se que o tamanho das vegetações possa explicar a elevada taxa de eventos embólicos4,5,8.

O seu curso clínico, com comportamento agressivo, assemelha-se mais a uma endocardite causada por Staphylococcus do que por outros Streptococcus, nomeadamente Viridans7. No entanto, ao contrário da endocardite por Staphylococcus, esta entidade raramente foi reportada no contexto de endocardite de prótese valvular4,5. Na literatura dos últimos 40 anos apenas foram descritos 5 casos de endocardite de prótese6.

Em geral, o S. agalactiae é uniformemente suscetível à penicilina (MIC0,1μg/mL)2,5, porém, os seus serotipos são ligeiramente mais resistentes à penicilina do que outros Streptococcus, pelo que poderá ser indicado manter terapêutica com aminoglicosídeo durante 4 a 6 semanas9–10.

Nas séries mais antigas presentes na literatura, chega a atingir uma mortalidade de 20% quando é utilizada uma terapêutica combinada médico-cirúrgica, e de 40 a 50% se utilizada terapêutica médica isoladamente4–5. Rollán et al., mais recentemente, numa série de 9 doentes, descrevem taxas de mortalidade global de 56%, e de 33% quando submetidos a cirurgia precoce, sendo que nenhum dos doentes submetidos apenas a terapêutica médica sobreviveu, pelo que os autores propõem que seja adotada uma estratégia cirúrgica precoce7.

Este caso clínico pretende alertar para uma etiologia rara de endocardite, com incidência crescente, que, como o nosso caso caracteriza, geralmente se associa a vegetações de grandes dimensões, com rápida destruição valvular, podendo condicionar insuficiência valvular grave e elevado risco embólico. Uma estratégia de terapêutica médica poderá ser insuficiente, e a hipótese de cirurgia precoce deve ser considerada, para melhorar o prognóstico.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
P. Muñoz, A. Llancqueo, M. Rodriguez-Creixems, et al.
Group B streptococcus bacteremia in nonpregnant adults.
Arch Intern Med, 157 (1997), pp. 213-216
[2]
M.M. Farley.
Group B streptococcal disease in nonpregnant adults.
Clin Infect Dis, 33 (2001), pp. 556-561
[3]
M. Akram, I.A. Khan.
Isolated pulmonic valve endocarditis caused by group B streptococcus (Streptococcus agalactiae).
Angiology, 52 (2001), pp. 211-215
[4]
B.E. Scully, D. Spriggs, H.C. Neu.
Streptococcus agalactiae (group B) endocarditis: a description of twelve cases and review of the literature.
Infection, 15 (1987), pp. 169-176
[5]
P.G. Gallagher, C.H. Watanakunakorn.
Group B streptococcal endocarditis: report of seven cases and review of the literature, 1962-1985.
Rev Infect Dis, 8 (1985), pp. 175-188
[6]
A. Sambola, J.M. Miro, M.P. Tornos, et al.
Streptococcus agalactiae Infective Endocarditis: Analysis of 30 cases and Review of the Literature, 1962-1998.
Clin Infect Dis, 34 (2002), pp. 1576-1584
[7]
M.J. Rollán, J.A. Román, I. Vilacosta, et al.
Clinical profile of Streptococcus agalactiae native valve endocarditis.
Am Heart Journ, 146 (2003), pp. 1095-1098
[8]
Baddour LM.
and the Infectious Diseases Society of America's Emerging Infections Network. Infective Endocarditis Caused by β-hemolytic Streptococci.
Clin Infect Dis, 26 (1998), pp. 66-71
[9]
W.R. Wilson, A.W. Karchmer, A.S. Dajani, et al.
Antibiotic treatment of adults with infective endocarditis due to streptococci, enterococci, staphylococci and HACEK microorganisms.
JAMA, 274 (1995), pp. 1706
[10]
W.R. Wilson, The Endocarditis Working Group of the International Society of Chemotherapy.
Antibiotic treatment of infective endocarditis due to viridans streptococci, enterococci and other streptococci.
Clin Microbiol Infect, 4 (1998), pp. S17-S26
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Baixar PDF
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.