Os leaks paravalvulares (PVL) são uma das complicações mais frequentes associadas à implantação cirúrgica de próteses valvulares mecânicas ou biológicas, bem como, mais recentemente, à implantação percutânea de válvulas. A incidência varia conforme as séries publicadas entre 2‐10% para as próteses aórticas e entre 7‐17% para as próteses mitrais1,2.
Ainda que muitos destes doentes sejam pouco sintomáticos e, por isso, habitualmente tratados de forma conservadora, alguns PVL podem levar a uma evolução clínica desfavorável, com insuficiência cardíaca, anemia hemolítica e morte.
Atualmente, reconhece‐se a necessidade do encerramento de PVL quando está associada a anemia hemolítica, a insuficiência cardíaca congestiva, ao agravamento da função ventricular esquerda e, finalmente, à dilatação progressiva do ventrículo esquerdo.
Não é tão relevante a severidade do jato(s) regurgitante(s), como são as consequências clínicas da regurgitação. Por isso mesmo, os PVL com regurgitação paravalvular considerada ligeira ou moderada, por critérios ecocardiográficos, poderão ser alvo de tratamento se estiverem associadas a hemólise, insuficiência cardíaca ou deterioração progressiva do ventrículo esquerdo3.
Após implantação transcateter de válvulas (TVI), doentes de risco intermédio com PVL ligeiras têm habitualmente uma evolução clínica benigna, mas doentes de maior risco e com comorbilidades estão associados a mais mortalidade após dois anos de seguimento4–6.
O tratamento médico é meramente paliativo e, até recentemente, a correção cirúrgica de PVL era a única alternativa para os doentes com indicação clínica para o encerramento. Várias técnicas de encerramento estão descritas, como a sutura direta, colocação de tecido autólogo ou encerramento com patch, mas todas estas opções têm elevadas taxas de insucesso, variando entre 12‐35%. Também se observa uma mortalidade hospitalar elevada, principalmente nos casos de reintervenções, podendo variar entre 12‐37%, como na série publicada por Echevarria et al., com 618 reintervenções cirurgicas7.
O primeiro encerramento percutâneo de um PVL foi descrito por Hourihan et al.8, em 1992, e, desde então, têm sido publicadas várias pequenas séries de doentes com encerramentos percutâneos de PVL. Numa meta‐análise recentemente publicada, incluindo 362 doentes, a taxa de sucesso do procedimento foi de 76,5%. O sucesso do procedimento esteve associado a mais baixa mortalidade cardíaca no seguimento (OR 0,08, 95% intervalo de confiança [IC] 0,01-0,9), menos reintervenções cirúrgicas (OR 0,08, 95% IC 0,01-0,4) e melhoria da IC e da anemia hemolítica9. A incidência de eventos adversos major aos 30 dias é inferior a 10% (morte, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, hemorragia major e cirurgia urgente) e, por isso, compara-se favoravelmente à cirurgia10. A embolização destes dispositivos é uma complicação rara e estão descritos muito poucos casos de embolizações tardias11.
No caso dos PVL aórticos, a técnica de encerramento é habitualmente mais simples, com uma só via de acesso e o apoio ecocardiográfico não é tão decisivo, mas já no caso da válvula mitral poderão ser usadas várias vias de acesso (anterógrada transeptal, retrógrada transaórtica e transapical), sendo fundamental a ajuda de outras técnicas de imagem para além da angiografia, como sejam a ecocardiografia transesofágica 3D. Recentemente, têm sido usadas algumas novas modalidades de imagem integradas com tecnologia de fusão (tomografia, angiografia e ecocardiografia), como por exemplo o HeartNavigator ou o EchoNavigator (Philips Medical Systems)12. Algumas localizações de PVL em posição mitral são bastante desafiadoras, nomeadamente os de localização medial ou septal, e, por isso, podem ser úteis as bainhas deflectíveis como a AgilisNXT (St Jude Medical), loops arteriovenosos e, em alguns casos, a melhor opção poderá ser a via transapical.
Outro aspeto crucial para o sucesso destes procedimentos é a experiência do operador, com um decréscimo das complicações e um aumento da taxa de sucesso à medida que o operador ganha experiência13. É, por isso, mandatória a concentração da experiência num centro de referência e num operador com treino em intervenção cardíaca estrutural.
Relativamente aos dispositivos disponíveis para encerramento dos PVL, o seu uso tem sido condicionado conforme a sua disponibilidade em cada um dos centros e no país, dependendo também da experiência do operador com esses mesmo dispositivos noutros tipos de intervenções estruturais. Algumas casuísticas publicadas são baseadas apenas num só tipo de dispositivo, como, por exemplo, a série de Cruz‐González, com o Amplatzer AVP III (St Jude Medical), com taxas de sucesso acima dos 90%14. No entanto, a grande maioria das séries tem por base mais do que um dispositivo, sendo o mais usado o Amplatzer AVP II (St Jude Medical) que está aprovado pela Food and Drug Administration e que, por isso, pode ser usado nos Estados Unidos. Os tamanhos mais utilizados variam entre 8‐12mm no caso do Amplatzer AVP II e, pela sua forma redonda, permite a colocação de mais dispositivos. Aliás, o conceito de múltiplos dispositivos mais pequenos em vez de um grande parece fazer sentido, com maiores taxas de encerramento completo e menos interferências com a prótese valvular10. No caso das PVL após implantação de válvula aórtica transcateter, o dispositivo mais usado é o Amplatzer AVP IV, mas com taxas de sucesso mais baixas de cerca de 60%, fundamentalmente pela difícil canulação do PVL. Recentemente, surgiram novos dispositivos especificamente desenhados para PVL, mas o seu uso está ainda limitado a pequenas séries, como sejam os Occlutech PLD, com forma retangular ou quadrada (Occlutech)15 (Figura 1).
Exemplos de dispositivos para encerramento percutâneo de PVL
1) Amplatzer Vascular Plug II; 2) Amplatzer Vascular Plug III; 3) Amplatzer Vascular Plug IV; 4) Amplatzer Duct Occluder; 5) Amplatzer Muscular VSD Occluder; 6) Amplatzer Septal Occluder; 7) Occlutech PLD (forma quadrangular); 8) Occlutech PLD (forma retangular).
A série apresentada neste número por Azevedo et al.16 mostra‐nos a experiência de um centro, englobando diferentes tipos de doentes com próteses mecânicas e biológicas, PVL aórticas e mitrais, com vários tipos de dispositivos. Os resultados são, de forma geral, bons e consistentes com publicações anteriores de séries com maiores números de doentes. Será importante também aqui, pelo número pequeno de doentes intervencionados em cada um dos centros portugueses, fazerem‐se registos nacionais prospetivos e multicêntricos, com informação mais sistematizada, para dar visibilidade a esta alternativa terapêutica.
Muito dificilmente haverá estudos especificamente desenhados para fundamentar futuras recomendações nesta área, mas de forma natural o encerramento percutâneo dos PVL, pelos seus bons resultados quando comparado com a alternativa cirúrgica, é já apontado como a primeira linha do tratamento dos PVL clinicamente relevantes3.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.