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Vol. 34. Núm. 1.
Páginas 13-15 (janeiro 2014)
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É possível reduzir o custo da fibrilhação auricular?
Is it possible to reduce the cost of atrial fibrillation?
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João de Sousa
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
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Rev Port Cardiol. 2015;34:1-1110.1016/j.repc.2014.08.005
Miguel Gouveia, João Costa, Joana Alarcão, Margarida Augusto, Daniel Caldeira, Luís Pinheiro, António Vaz Carneiro, Margarida Borges
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A fibrilhação auricular (FA) é a arritmia mantida mais frequente, sendo responsável pela maioria dos internamentos hospitalares por disritmia, e é a causa mais frequente de acidente vascular cerebral (AVC) embólico1. Além disso, a FA associa‐se a significativo impacto negativo na qualidade de vida dos doentes afetados e a um aumento da mortalidade global2.

A prevalência de FA tem sido calculada globalmente em cerca de 0,9% da população, aumentando progressivamente com a idade, sendo de 3‐5% acima dos 65 anos e superior a 10% após os 80 anos de idade3. Com o progressivo envelhecimento da população nos países mais desenvolvidos, a sua prevalência aumenta significativamente, assim como os custos de saúde associados ao seu tratamento4. Finalmente, não é negligenciável a perca de produtividade para a sociedade (absentismo ou incapacidade laboral) dos doentes portadores de FA.

Vários estudos recentemente publicados analisaram os custos em saúde, diretos e indiretos, relacionados com a FA5–9. Assim, por exemplo, nos Estados Unidos5, o custo do tratamento de doentes do sistema Medicare com AVC relacionado com a FA foi calculado em mais de 2 bilhões de dólares, sendo a despesa global com FA avaliada em 6,5 bilhões de dólares/ano. Em Inglaterra6, o custo relacionado com o tratamento da FA representou cerca de 1% de todos os gastos em saúde. Estes gastos estão sobretudo relacionados com episódios de hospitalização, a qual representa 60‐85% do custo global. Em França7, uma análise incluindo as despesas médicas diretas, os fármacos e as complicações, nomeadamente tromboembólicas, encontrou um custo por doente de 3308 euros (incluindo 1296 euros de hospitalização, 998 euros de tratamento de insuficiência cardíaca e 334 euros de tratamento de AVC). O Euro Heart Survey na FA8 calculou um custo anual por doente nos diversos países europeus entre 1100‐3225 euros. Sendo a percentagem mais importante do custo relacionada com a hospitalização, a forma de apresentação clínica (permanente ou recorrente – paroxística ou persistente) será decisiva, nomeadamente com a necessidade de re‐internamentos frequentes, como foi demonstrado no Registo Fratal9.

Neste número da Revista Portuguesa de Cardiologia, Gouveia et al.9 publicam uma análise compreensiva da carga e dos custos com a FA em Portugal, com base nas estatísticas demográficas e de saúde no ano de 2010 (mortalidade), na análise da base de dados hospitalar de 2011 e com avaliação dos custos do Sistema Nacional de Saúde referentes a 2013. O risco relativo foi calculado com base em dados do estudo de Framingham. Neste artigo os autores utilizaram como medida da carga da doença os DALY (anos de vida perdidos ajustados por incapacidade ou por morte prematura) e consideraram como custos o consumo de recursos de saúde e as percas de produtividade dos doentes, tanto relacionados com a FA como com a sua principal complicação, o AVC isquémico. A análise revelou que 3,8% (4070 indivíduos) da mortalidade em Portugal foi devida a FA e a carga da doença foi estimada em 23084 DALY (incluindo morte prematura e incapacidade gerada pela morbilidade). O custo total estimado de custos diretos foi de 115 milhões de euros (34 milhões em internamentos e 81 milhões em ambulatório) e de custos indiretos (por incapacidade relacionada com a doença) foi de 25 milhões, representando globalmente um muito significativo custo total de 140 milhões de euros, ou seja, 0,08% do PIB português.

Apesar dos custos apurados serem muito relevantes, as estimativas do custo de FA apuradas neste estudo estarão ainda muito provavelmente subvalorizadas. Assim, o cálculo da prevalência de FA foi obtido com base nos dados do estudo FAMA11, o qual encontrou uma prevalência em Portugal de 2,5% em indivíduos com idade superior a 40 anos. No entanto, neste estudo não foi identificada a esmagadora maioria dos doentes com FA paroxística recorrente (os quais representam pelo menos 25% desta patologia e têm um risco potencial de AVC isquémico semelhante aos com FA permanente). Por outro lado, as consequências em termos de mortalidade e morbilidade da associação habitual da FA com a insuficiência cardíaca não foram completamente contabilizadas. A prática clínica e os estudos mostram que esta associação é muito frequentemente causa de necessidade de re‐internamento e de agravamento da insuficiência cardíaca, com aumento do risco de mortalidade.

Finalmente, como os autores reconhecem, não foram também considerados os custos associados a AVC hemorrágicos resultantes da terapêutica anticoagulante utilizada como profilaxia do AVC em doentes com FA.

No presente estudo10, a distribuição do custo direto relacionado com a FA foi significativamente maior nos cuidados de ambulatório (80985925 euros), comparativamente com o internamento (34503800 euros), o que contrasta com a maioria dos estudos publicados. Assim, numa recente revisão da literatura12, incluindo 37 estudos publicados entre 1990‐2009, os custos associados ao internamento representaram 50‐70% dos custos totais, e os custos indiretos representaram cerca de 20%. Três estudos5–7 efetuados nos Estados Unidos, em Inglaterra e em França mostraram que os custos relacionados com o internamento representaram 44‐52%, os com o ambulatório 19‐30% e os relacionados com fármacos representaram entre 4‐23% do total. Os custos foram mais elevados nos doentes em que foi adotada uma estratégia de controlo do ritmo12 (em oposição a apenas controlo da frequência), naqueles com FA recorrente, nos doentes jovens ou do sexo feminino e em presença de comorbilidades significativas. Esta discrepância em relação à literatura publicada estará provavelmente relacionada com a metodologia de cálculo de custos relacionados com o tratamento ambulatório dos doentes com FA adotada.

Sendo a carga e os custos associados à FA tão significativos e com tanto peso para a sociedade em geral, deve colocar‐se com premência a questão de como obter uma redução dos mesmos. A resposta passará pela adoção de uma estratégia de atuação bem definida em três vertentes.

Em primeiro lugar, devem ser prevenidas, controladas e tratadas as entidades que mais frequentemente levam ao desenvolvimento da FA: a hipertensão arterial, a cardiopatia isquémica, a insuficiência cardíaca e a diabetes mellitus. Outros fatores de risco que deverão ser minimizados são o tabagismo, o consumo excessivo de álcool, a obesidade e a apneia do sono.

Em segundo lugar, deverá ser potenciado o diagnóstico de FA, pela simples avaliação clínica do pulso ou pela realização de eletrocardiogramas de rastreio, dado que só através da deteção adequada poderão ser tomadas as atitudes terapêuticas corretas. No estudo FAMA apenas 61,7% dos doentes com FA tinham sido diagnosticados anteriormente e, destes, apenas 37,8% estavam medicados com anticoagulação oral, ou seja, só uma minoria dos doentes se encontrava a fazer terapêutica preventiva para fenómenos tromboembólicos. As recentes guidelines da ESC13 recomendam a avaliação do pulso como método fácil e imediato para suspeitar da presença de FA nos cuidados primários de saúde.

Em terceiro lugar deverão ser implementadas (e generalizadas) opções terapêuticas recentes que permitam a redução do risco de AVC isquémico e das recorrências clínicas em doentes com FA, desde que associadas a perfis favoráveis de avaliação custo‐eficácia. Estas armas terapêuticas são, nomeadamente, os novos anticoagulantes orais e a ablação por cateter.

Os novos anticoagulantes orais, quer inibidores do fator X (rivaroxabano, apixabano) quer inibidores de trombina (dabigatrano), demonstraram ter melhor relação de eficácia comparativamente com a varfarina na prevenção do embolismo sistémico, com redução da mortalidade e da incidência de eventos hemorrágicos. Estudos económicos mostraram tratarem‐se de terapêuticas com rácio de custo‐efetividade incremental (RCIE) entre 3000‐15000 euros, portanto, dentro dos valores considerados como custo‐eficazes. Em Portugal foram já publicados estudos de custo‐eficácia de dois destes fármacos (dabigatrano14 e rivaroxabano15) comparativamente com a varfarina. Em relação ao rivaroxabano foram utilizados dados do ROCKET AF Trial16 e em relação ao dabigatrano foram utilizados dados do estudo RELY17, tendo sido obtidos respetivamente RCEI de 3895 euros e de 8409 euros/anos de vida ajustados à qualidade (AVAQ). Estes dados positivos derivaram também de não ser necessário o controlo de tempo de protrombina com estes fármacos, ao contrário do que ocorre com os antagonistas da vitamina K.

A ablação por cateter de FA, através do isolamento das veias pulmonares, está atualmente indicada como terapêutica de primeira linha em doentes com FA paroxística, ou persistente de curta duração, não controlada com fármacos antiarrítmicos18. As taxas de eficácia obtidas situam‐se nos 70‐80%, com percentagem de complicações major de cerca de 2‐4% e com necessidade de repetir o procedimento em cerca de um quarto dos doentes. Apesar dos resultados da ablação serem encorajadores, não existem ainda estudos aleatorizados que comprovem a redução da incidência de AVC isquémico a longo prazo, pelo que os resultados dos estudos económicos publicados19–21 são ainda pouco robustos e dependentes da melhoria sintomática, com redução das recorrências arrítmicas e diminuição das hospitalizações. A análise de custo‐eficácia da ablação de FA nestes estudos19–21 mostrou ser favorável (inferior a $50000 por AVAQ), sobretudo em doentes jovens e com risco moderado de AVC.

Recentemente foi publicada uma análise de custo‐eficácia baseada no estudo MANTRA‐PAF22 (no qual a ablação por cateter de primeira intenção foi comparada com a terapêutica farmacológica antiarrítmica). Este estudo mostrou que a ablação por cateter em primeira intenção é benéfica com um ganho de 0,06 AVAQ com RCIE/AVAQ de 50570 euros. Esta terapêutica foi mais custo‐efetiva e eficaz nos doentes jovens (<50 anos) com FA paroxística (RCIE/AVAQ de 3434 euros) e associou‐se a uma relação de custo‐eficácia desfavorável em doentes acima dos 50 anos (RCIE/AVAQ de 108937 euros).

Em conclusão, a evidência científica atual mostra que a FA e as complicações associadas (AVC isquémico) representam uma parcela muito significativa dos custos em saúde globais em Portugal. Além disso, prevê‐se que esta despesa possa ainda ser mais significativa com o aumento progressivo da prevalência de FA, acompanhando o envelhecimento progressivo da população nos países desenvolvidos. No entanto, uma atitude proativa baseada em medidas preventivas na generalização do diagnóstico de FA e na tomada de opções terapêuticas adequadas, nomeadamente no que respeita à prevenção do AVC isquémico e das recorrências sintomáticas de FA com necessidade de hospitalização, poderá contribuir decisivamente para a redução dos custos associados a esta patologia.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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