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Vol. 33. Núm. 6.
Páginas 383.e1-383.e5 (junho 2014)
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Vol. 33. Núm. 6.
Páginas 383.e1-383.e5 (junho 2014)
Caso clínico
Open Access
Drenagem venosa pulmonar anômala em gestante identificada pela ressonância magnética cardíaca
Anomalous pulmonary venous return in a pregnant woman identified by cardiac magnetic resonance
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Fernanda Maria Soutoa,
Autor para correspondência
, Stephanie Macedo Andradea, Ana Terra Fonseca Barretoa, Maria Júlia Silveira Soutoa, Maria Amélia Russob, José Teles de Mendonçab, Joselina Luzia Menezes Oliveirac, Luiz Flávio Galvão Gonçalvesc
a Departamento de Medicina, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil
b Hospital do Coração, São Paulo, Brasil
c Serviço de Ressonância Magnética e Laboratório de Ecocardiografia (ECOLAB), Clínica e Hospital São Lucas, Aracaju‐SE, Brasil
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Resumo

A drenagem venosa pulmonar anômala (DVPA) é uma rara anomalia cardíaca definida como drenagem de uma ou mais veias pulmonares fora do átrio esquerdo, com retorno venoso direta ou indiretamente para o átrio direito. A situação mais comum é a DVPA parcial, na qual de uma a três veias pulmonares drenam para veias sistêmicas ou para o átrio direito. É descrito um caso de paciente diagnosticada com DVPA parcial através da ressonância magnética cardíaca (RMC) realizada durante a gestação.

Palavras‐chave:
Cardiopatias congênitas
Veias pulmonares
Imagem por ressonância magnética
Abstract

Anomalous pulmonary venous return (APVR) is a rare cardiac anomaly defined as one or more pulmonary veins draining into a structure other than the left atrium, with venous return directly or indirectly to the right atrium. The most common form is partial APVR, in which one to three pulmonary veins drain into systemic veins or into the right atrium. We report the case of a woman diagnosed with partial APVR by magnetic resonance imaging during pregnancy.

Keywords:
Congenital heart disease
Pulmonary veins
Magnetic resonance imaging
Texto Completo
Introdução

A drenagem venosa pulmonar anômala (DVPA) é um raro defeito cardíaco que decorre de falha na formação das veias pulmonares e corresponde a menos de 1% dos defeitos cardíacos congênitos1. Pode ser classificada em total, quando todas as quatro veias pulmonares drenam fora do átrio esquerdo, ou parcial, quando uma a três veias pulmonares drenam em uma veia sistêmica ou no átrio direito. A DVPA parcial é a situação mais frequente em adultos e geralmente está associada à comunicação interatrial2,3.

O diagnóstico de DVPA parcial é, em geral, obtido por ecocardiograma e angiografia convencional. Entretanto, considerando‐se que demonstração completa e seletiva pode não ser obtida por esses métodos, outros exames não invasivos têm sido cada vez mais utilizados. Nesse sentido, a angiorressonância de veias pulmonares, assim como a angiotomografia, podem representar técnicas de imagens mais adequadas para avaliação das veias pulmonares4. É descrito caso de uma paciente gestante na qual o diagnóstico de DVPA parcial foi realizado através da ressonância magnética cardíaca (RMC).

Relato de caso

Trata‐se de paciente do sexo feminino, 22 anos, apresentando dispneia progressiva aos esforços, dor torácica, palpitações, tontura e episódios de síncope há seis anos. Após atendimento ambulatorial com médico generalista realizou ecodopplercardiograma transtorácico, com equipamento Hewlett‐Packard/Phillips SONOS 5.500, com transdutores de 2,5 e 5‐ 7,5mHz, que evidenciou: a) aumento leve a moderado de ventrículo direito (VD); b) insuficiência tricúspide de grau leve; c) hipertensão pulmonar de grau leve a moderado.

Diante da evolução do quadro com piora da sintomatologia, a paciente foi referenciada ao cardiologista. Ao exame físico encontrava‐se em bom estado geral, eupneica e com pulsos normais. A pressão arterial era 120/80mmHg e a ausculta cardíaca revelava sopro sistólico alto em borda esternal esquerda. Não havia edema de membros inferiores ou hepatomegalia. Foi, portanto, solicitado um ecodopplercardiograma transesofágico, que evidenciava VD dilatado, átrio direito (AD) e seio venoso coronariano também dilatados e septo interventricular com movimentação anômala. A função sistólica global estava preservada. A pressão do AD foi estimada em 5mmHg, pelo índice de colabamento da veia cava inferior, através do corte subcostal com cursor alinhado no modo M. Quanto à pressão do território pulmonar, feita através de análise do refluxo tricúspide na fase sistólica, foi obtido valor de 33mmHg. Como sugestão para explicar a dilatação de seio venoso coronariano, o ecocardiografista levantou a hipótese de veia cava superior esquerda persistente.

Para elucidação diagnóstica foi realizada RMC em aparelho Philips Achieva® 1,5T, no qual foi obtida sequência de cine (Balance Steady‐State Free Precession [b‐SSFP]) e phase contrast para disfunção valvar. Como no momento da realização do exame a paciente estava no terceiro mês de gestação, optou‐se pela não utilização de contraste, não sendo possível a realização de angiorressonância de veias pulmonares. Através da cine‐ressonância, foi verificada a presença de duas veias pulmonares direitas com óstios adjacentes e aparentando desembocar em AD, enquanto as duas veias pulmonares esquerdas desembocavam normalmente em seu sítio no AE. Não foram observadas comunicações interatriais ou interventriculares e havia aumento de cavidades direitas, VD hipertrófico e seio venoso coronariano dilatado. Aventou‐se a suspeita diagnóstica de DVPA parcial para explicar os achados da RMC e a hipótese de veia cava superior esquerda persistente levantada à ecocardiografia foi confirmada. Neste momento, institui‐se tratamento clínico com diuréticos e dada continuidade à gestação. Oito meses após o parto a paciente realizou nova RMC, desta vez complementada com angiorressonância de veias pulmonares (Figura 1), que confirmou o diagnóstico de DVPA parcial. O exame também verificou redução de diâmetros e volumes direitos quando comparados à RMC anterior, o que pode ser explicado pelo estado hipervolêmico induzido pela gestação da paciente naquela ocasião.

Figura 1.

Angiorressonância de veias pulmonares: imagens tridimensionais em visão superior (A) e posterior (B). Exame confirma a presença de drenagem anômala parcial de veias pulmonares, com duas veias pulmonares drenando em cada um dos átrios.

(0.19MB).

Com esses dados, a paciente foi então encaminhada para cirurgia de correção total da drenagem anômala, realizada com circulação extracorpórea, hipotermia de 24°C e uso de solução cardioplégica. Através de atriotomia direita foram visualizadas as duas veias pulmonares direitas desembocando no AD (Figura 2). O septo interatrial íntegro foi ressecado e as veias anômalas foram tunelizadas com pericárdio bovino para o átrio esquerdo. A paciente encontra‐se neste momento recuperando‐se bem do procedimento com regressão dos sintomas.

Figura 2.

Cirurgia de correção da DVAP parcial: confirmação da drenagem anômala parcial de veias pulmonares direitas (VPD) drenando para átrio direito com septo interatrial íntegro (SIA). 3 A ‐ Drenagem das veias pulmonares direitas (VPD) no átrio direito com ausência de CIA --‐ (seta vermelha) seio venoso coronariano, seta amarela: fossa oval, septo interatrial íntegro; 3 B ‐ Septo interatrial aberto cirurgicamente: visualização do átrio esquerdo com as veias pulmonares esquerdas --‐ (setas pretas) veias pulmonares direitas (setas amarelas) veias pulmonares esquerdas; 3 C ‐ Correção terminada: patch de pericárdio bovino direcionando o fluxo das veias pulmonares direitas para o átrio esquerdo.

(0.24MB).
Discussão

A DVPA parcial é uma rara anomalia congênita na qual uma a três veias pulmonares drenam para o AD ou uma de suas veias tributárias, em vez do átrio esquerdo. Em mais de 95% dos casos de DVPA parcial as conexões anômalas ocorrem em uma ou em duas veias pulmonares e raramente derivam dos dois pulmões ao mesmo tempo2,3. É comum a associação com defeitos no septo interatrial, mas mesmo em 20‐33% dos casos no qual ele está íntegro observa‐se a persistência de repercussão clínica discreta, ainda que em longo prazo3,4. A principal manifestação clínica é a dispneia, que se inicia aos esforços. Na ausência de comunicação interatrial (CIA), as cavidades direitas sofrem com a sobrecarga de volume e se dilatam, ocasionando arritmias e hipertensão pulmonar4. O estado gravídico sabidamente piora o quadro clínico dessa cardiopatia congênita, já que neste há uma tríade que consiste em hipervolemia, hipercoagulabilidade e queda da resistência arterial periférica, aumentando, portanto, o débito cardíaco e ocasionando uma sintomatologia mais pronunciada5.

A ecodopplercardiografia permite identificar as veias pulmonares, seu trajeto, conexões com a circulação sistêmica e possíveis locais de obstrução, além de estimar a pressão pulmonar e o aumento da cavidade ventricular direita, sendo, portanto, de grande importância para a suspeição da DVPA parcial. Todavia, a ecocardiografia é operador dependente e apresenta certas limitações pela dificuldade de avaliar lesões complexas, sobretudo as que envolvem a vasculatura pulmonar central e as cavidades cardíacas direitas, ainda que utilizando‐se de ecocardiografia transesofágica. Usualmente, obtém‐se a confirmação do diagnóstico com a realização de estudo hemodinâmico (angiografia), fundamental também para avaliação do grau de hipertensão pulmonar6–8. Contudo, este é um método invasivo, traumático com o uso de radiação ionizante e de contraste com potencial nefrotoxicidade6,8.

Assim, a associação de métodos de imagem não invasivos é útil para a confirmação ou exclusão do diagnóstico de DVPA parcial. Nesse sentido, a RMC, ao aliar técnicas de angiografia com alta capacidade de resolução espacial e caracterização tecidual, é reconhecidamente importante6–8. Sem fazer uso de radiação ionizante, esse método permite delinear a anatomia dos grandes vasos com ampla avaliação do retorno venoso pulmonar e quantificação do volume de shunt esquerdo‐direito. Além disso, a RMC, através da análise da anatomia e morfologia das câmaras cardíacas e da função ventricular, é primorosa na mensuração do volume e fluxo no VD, também medindo massa ventricular, espessura e função contrátil. Desse modo, em pacientes com suspeita de DVPA parcial, a RMC fornece extensa avaliação superando grande parte das limitações da ecocardiografia e pode ser considerada como alternativa não invasiva à realização de cateterismo cardíaco para melhor indicação terapêutica, incluindo diferentes estratégias cirúrgicas6–9. No caso relatado, devido à condição gestacional da paciente quando da realização do exame de RMC, a DAPV parcial teve que ser constatada somente através da sequência em cine (Figura 3). A angioressonância com gadolínio, a fim de demonstrar a anormalidade da vasculatura de forma tridimensional, foi executada em um segundo exame (Figura 1).

Figura 3.

RMC: sequências de cine‐RM, revelando a presença de duas veias pulmonares esquerdas desembocando em átrio esquerdo (A e B) e duas direitas desembocando em átrio direito (C e D).

VCI: veia cava inferior; VPID: veia pulmonar inferior direita; VPIE: veia pulmonar inferior esquerda; VPSD: veia pulmonar superior direita; VPSE: veia pulmonar superior esquerda.

(0.38MB).

A maioria dos estudos sugere que a ressonância magnética (RM) pode ser realizada durante a gestação e que o magnetismo não oferece riscos à paciente grávida ou ao feto, não existindo na literatura relatos de teratogênese. Entretanto, alguns poucos estudos relatam que exposição prolongada pode causar efeitos deletérios sobre a embriogênese, estrutura cromossômica ou desenvolvimento fetal, efeitos que podem ser minimizados pelos recentes avanços nos equipamentos de RM com a incorporação de protocolos de aquisição de imagens de forma ultrarrápida9–11. Estudos sobre a utilização de contrastes em pacientes grávidas são limitados e pouco se conhece sobre seus efeitos em embriões humanos ou fetos. Sabe‐se que o gadolínio atravessa a placenta humana e passa para o feto quando dado em doses habituais12,13. Os quelantes presentes nesse composto podem se acumular no líquido amniótico, sendo a significância dessa exposição ao feto ou seu potencial de causar fibrose nefrogênica sistêmica desconhecidos. Por essa razão, esse contraste não deve ser utilizado rotineiramente em pacientes gestantes13. Embora vários estudos não demostrem riscos com a utilização da RM durante a gestação, de acordo com a Federal Drug Administration (FDA) a segurança dos estudos com RM na gravidez não foram provados definitivamente. Desse modo, atualmente sabe‐se que a idade gestacional ideal para a realização do exame de RM irá depender da doença de base, sendo geralmente recomendada após a 24.a semana de gravidez, período após a organogênese. Sua utilização no primeiro trimestre não é recomendada9,11.

As indicações cirúrgicas para DVPA parcial dependem de informações detalhadas da anatomia das veias pulmonares e sistêmicas, assim como da presença de CIA associada e da quantificação do shunt esquerdo‐direito1,3. Como a paciente do caso relatado não possui CIA, a cirurgia indicada foi o redirecionamento das veias pulmonares direitas para o átrio esquerdo.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência está na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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