A Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC) inicia este ano a publicação de um artigo com o objetivo de destacar os artigos originais publicados na Revista no ano anterior que poderão ter maior impacto na cardiologia portuguesa. Essa é uma prática já seguida noutros países com outras revistas médicas conceituadas, como o Journal of the American College of Cardiology (JACC). No entanto, há uma diferença fundamental com a dos outros países. Na RPC, todos os artigos originais são acompanhados de um Comentário Editorial feito por um cardiologista escolhido pelo Corpo Editorial, normalmente com experiência sobre o tema, o que facilita o leitor na interpretação dos aspetos fundamentais do artigo original.
O ano de 2017 foi excelente para a RPC que se internacionalizou definitivamente, com todos os artigos publicados predominantemente em inglês.
Numa apreciação global, foram publicados 56 artigos originais, dos quais 20 de outros países (35,7%) – (10da Turquia, sete do Brasil e umda China, da Espanha e da Hungria).
A origem dos 36 artigos de centros portugueses foi variável. O hospital que mais publicou foi Santa Marta (nove), seguido dos hospitais do Porto (seis) – São João dois e Biomédicas quatro –, Santa Cruz (cinco), Gaia (quatro), Santa Maria (quatro), Coimbra (três) e Fernando da Fonseca (um) e quatro de um conjunto de hospitais.
Apenas dois artigos (3,6%) foram de investigação animal em ratos (um de Coimbra e um do Brasil‐Alfenas).
São vários os aspetos pelos quais um artigo será merecedor de destaque e tal como me foi pedido assumo a responsabilidade da sua seleção.
O artigo que me parece ter maior impacto e potencial generalização para a cardiologia portuguesa é o ProACS risk score com dados do registo prospetivo multicêntrico de síndromes coronárias agudas da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. O registo engloba 31 829 doentes de vários centros portugueses incluídos entre janeiro de 2002 e outubro de 2014 com análise feita no Centro Nacional de Colheita de Dados em Cardiologia1. O artigo traduz a realidade portuguesa e merece por isso o maior destaque. O score deriva da seleção de quatro variáveis com maior potencial preditivo, usa análise de regressão logística, atribui‐se uma pontuação baseada no coeficiente de regressão de cada variável no modelo de regressão logística: um ponto para pressão arterial sistólica ≤ 116mmHg, classe 2 ou 3 de Killip e elevação do segmento ST; dois pontos para idade ≥ 72 anos e três pontos para classe 4 de Killip. O score permite uma estratificação de risco precoce e simples para mortalidade hospitalar que pode ser usada no primeiro contacto médico.
Outros artigos que considero importantes são principalmente os que foram prospetivos:
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Progressão da desnervação simpática cardíaca na polineuropatia amiloidótica familiar2. Trata‐se de um grande estudo prospetivo com 232 doentes (portadores da mutação TTR‐V30M) de um único centro (Hospital de Santa Maria) seguidos em média durante 4,5 anos; 47 doentes (20,3%) faleceram. A cintigrafia com MIBG na inclusão dos doentes foi um forte preditor prognóstico detetou‐se aumento do risco de morte em 27,8% por cada redução decimal do índice de captação coração/mediastino (C/M) tardio. Esse índice diminuiu com a idade, mas a progressão da desnervação cardíaca foi muito lenta e não justificou a repetição anual do exame. Durante o seguimento, 70 doentes foram submetidos a transplante hepático. O índice C/M tardio diminuiu 0,19/ano até ao transplante e deixaram de serem detetadas variações a partir do procedimento. O transplante hepático permite a estabilização da desnervação cardíaca, não há deterioração adicional da captação de MIBG após o procedimento.
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A estratificação prognóstica na hipertensão pulmonar3 num estudo com investigadores do Hospital de Santa Maria e do INSERM da Universidade de Paris Diderot e do Hospital Saint Louis Lariboisiére de Paris. Neste estudo prospectivo determinou‐se o valor prognóstico de novos biomarcadores (porção médio‐regional da pro‐adrenomedulina (MR‐proADM), copeptina, endotelina.1, porção médio‐regional da próhormona ANP (MR‐proANP) e recetor solúvel da interleucina‐33 (sST2), determinou‐se o valor prognóstico de um painel de novos biomarcadores, criou‐se um score multibiomarcador para morbimortalidade por insuficiência cardíaca direita secundária a hipertensão pulmonar. O NT‐proBNP (log) e a renina são preditores independentes da mortalidade e o MR‐proANP e o sST2 são preditores da morte e hospitalização. Criou‐se um score multibiomarcador que pela primeira vez melhora a acuidade da estratificação prognóstica e possibilita a identificação dos doentes de alto risco que poderão beneficiar de intervenções intensivas precoces.
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Epidemiology and patient care in the US and Portugal4. Trata‐se de um estudo muito curioso que revê os dados de 2000 e 2010 nos perfis epidemiológicos de doença coronária e em 30 tecnologias de saúde (16 dispositivos médicos e 14 terapêuticas farmacológicas) introduzidas entre 1980 e 2015 e compara os Estados Unidos e Portugal. O estudo inclui vários investigadores e instituições portuguesas e estrangeiras, o que o torna muito informativo. As diferenças nos mecanismos regulatórios e na regulamentação de preços tiveram impacto significativo nos tipos de tecnologias de saúde disponíveis nos dois países. No entanto, outros fatores podem influenciar a sua adoção e difusão e isso parece ter maior impacto na mortalidade devido a situações agudas.
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Relationship between rotors and complex fractioned electrograms in atrial fibrillation5. Os autores descrevem um novo método de mapping electroanatómico a quatro dimensões e avaliam a relação entre rotores focais e os complexos fracionados de eletrogramas auriculares em doentes com fibrilhação auricular. Essa relação pode ter implicações na seleção de alvos de substrato para ablação.
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BETTER‐HF investigators6. O objetivo foi determinar de modo prospetivo os preditores da resposta à terapêutica de ressincronização em 79 doentes com insuficiência cardíaca crónica e disfunção sistólica de um centro único. Aos seis meses 64,6% foram respondedores. Por análise multivariada só valores elevados da excursão sistólica do plano do anel tricúspide (TAPSE ≥ 15mm) foram independentemente associados à resposta positiva com os valores mais altos e predisseram uma resposta positiva. TAPSE <15mm associou‐se a não respondedores.
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Prevalência da fibrilhação auricular paroxística7. Estudo prospetivo com o objetivo de calcular a prevalência da fibrilhação auricular paroxística em 4843 doentes com ≥ 40 anos submetidos a monitoração eletrocardiográfica contínua de 24 horas. A prevalência de doentes com fibrilhação/flutter auricular foi de 12,4% correlacionou‐se com o sexo masculino, a idade (70‐79 anos e>80 anos) e a hipertensão arterial. A fibrilhação auricular paroxística afeta doentes mais jovens e é menos dependente de fatores de risco como a hipertensão arterial. Correlaciona‐se com percentagem superior de AVC. Apenas 12,8% dos doentes com fibrilhação auricular paroxística estavam hipocoagulados.
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BETTER‐HF investigators8. Estudo prospetivo (101 doentes) que comparou a resposta à ressincronização em doentes com fibrilhação auricular (FA) ou ritmo sinusal (RS) e insuficiência cardíaca; 95% dos doentes conseguiram pacing biventricular e 5,7% fizeram ablação da junção auriculoventicular. A taxa de resposta clínica e ecocardiográfica foi semelhante na FA e em RS com melhor resposta funcional em doentes com FA. Redução da massa ventricular esquerda e do remodeling reverso da aurícula esquerda só foi vista em doentes com RS.
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Role of biomarkers in dilated cardiomyopathy9. Estudo prospetivo de avaliação da gravidade clínica e remodeling reverso em 50 doentes com cardiomiopatia dilatada. Não se verificaram correlações entre os biomarcadores e o remodeling reverso ventricular esquerdo, mas CA125, BNP e hsCRP foram preditores da gravidade clínica e da congestão. O BNP correlacionou‐se com parâmetros de disfunção sistólica e diastólica, enquanto que o CA‐125 se correlacionou com medições de disfunção diastólica.
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Venous thromboembolism risk – ARTE Study10. Estudo prospetivo com coorte aberto de 4248 doentes em que se estudou o perfil de risco de tromboembolismo venoso em doentes hospitalizados num grupo de hospitais. A profilaxia foi implantada em 67,2% dos doentes com heparina de baixo peso molecular na maioria dos casos (88,3%). A incidência global de eventos tromboembólicos foi de 1,5%. Eventos hemorrágicos major registaram‐se em 3,89% dos doentes e a mortalidade por qualquer causa foi de 3,4%. O estudo propõe um score de risco modificado que efetivamente estratifica o risco de uma população hospitalizada e que melhora a prática de tromboprofilaxia nos hospitais.
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Oxigenação por membrana extracorporal11. É o primeiro registo, embora retrospetivo e observacional, com a experiência global com oxigenação por membrana extracorporal (ECMO) publicado em Portugal num hospital terciário. O estudo engloba 48 doentes entre abril de 2011 e outubro de 2016: 29 com ECMO venoarterial (indicação principal o enfarte agudo e as complicações principais a isquemia do membro inferior e a disfunção renal) e 19 com ECMO venovenoso (por síndrome de dificuldade respiratória aguda secundária a infeção viral). A hemorragia no local de acesso foi a complicação mais frequente e a disfunção hematológica a disfunção de órgão mais prevalente. A sobrevivência hospitalar foi de 37,9% no ECMO‐VA e de 63,2% no ECMO‐VV. O número de inotrópicos foi preditor da mortalidade.
O autor declara não haver conflitos de interesse.