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Vol. 31. Núm. 5.
Páginas 373-378 (maio 2012)
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Vol. 31. Núm. 5.
Páginas 373-378 (maio 2012)
Artigo original
Open Access
Desenvolvimento de um sistema para monitoramento da qualidade do atendimento ao infarto agudo do miocárdio via WEB
Development of a virtual tool for monitoring quality of care in acute myocardial infarction via the internet
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9902
Marcelo B. Rivas
Autor para correspondência
mbsrivas@gmail.com

Autor para correspondência.
, Francisco Viacava, Fabio N. Gonçalves, Hegláucio S. Barros, Rodrigo S. Moreira
Laboratório de Informações em Saúde (LIS), Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT), Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil
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Tabelas (1)
Tabela 1. Indicadores de monitoramento da atenção hospitalar inicial ao IAMCSST
Resumo
Fundamento

A mensuração de indicadores de qualidade contribui para monitoramento do desempenho do tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST).

Objetivo

Desenvolver uma ferramenta virtual para calcular indicadores de desempenho através de informações enviadas via WEB.

Métodos

Identificação de pontos críticos no processo terapêutico e formulação de indicadores avaliados em retrospetivo estudo piloto. Desenvolvimento de ferramenta virtual para coleta prospetiva dos dados relacionados com o atendimento inicial ao IAMCSST. Seleção e convocação dos hospitais para cadastro no sistema e exposição do projeto. Utilização do sítio www.qualiiam.cict.fiocruz.br/indicadores.php para acesso aos relatórios dos indicadores em tempo real.

Resultados

Houve variação no número de pacientes cadastrados por cada hospital (A=7; B=14; C=16; D=44; E=43). AAS foi administrado em 94,6% dos casos. A administração do IECA/BRA ocorreu em 76,1% dos pacientes. A administração de betabloqueadores ocorreu em 82,5%. 68,4% dos pacientes sem contra-indicação a fibrinolítico recebeu o fármaco. Em nenhum caso o tempo porta agulha foi inferior a 30min. A média obtida foi 122min. Todos os pacientes admitidos nos hospitais com hemodinâmica foram submetidos à angioplastia primária. A média obtida para tempo porta-balão foi 161min. Em apenas 28% destes pacientes o tempo porta balão foi menor do que 90min.

Conclusão

O sistema pode ser usado como ferramenta de gestão para monitoramento dos indicadores de performance no atendimento inicial ao IAM. Análises futuras destes indicadores poderão contribuir para avaliar o impacto destes relatórios sobre a incorporação de melhores práticas assistenciais.

Palavras-chave:
Indicadores de qualidade em assistência à saúde
Infarto do miocárdio
Medicina de emergência
Diretrizes
Gestão em saúde
Abstract
Background

Measurement of quality indicators contributes to monitoring the performance of initial treatment of ST-elevated myocardial infarction (STEMI).

Objective

To develop a virtual tool to calculate performance indicators of initial treatment of STEMI online via the internet.

Methods

We identified critical elements of the therapeutic process and formulated indicators in a retrospective pilot study, and developed a virtual tool for prospective data collection on initial treatment of STEMI. Rio de Janeiro hospitals with emergency care units were selected and invited to participate in the project. Online reports were developed to be accessed at www.qualiiam.icict.fiocruz.br/indicadores.php and analyzed.

Results

Five hospitals agreed to participate in the project and monitored treatment of different numbers of patients with a diagnosis of STEMI (A=7, B=14, C=16, D=44 and E=43). Aspirin was administered in 94.6% of cases, angiotensin-converting enzyme inhibitors or angiotensin receptor blockers in 76.1% and beta-blockers in 82.5%; 68.4% of patients with no contraindication received fibrinolysis. In no case was door-to-needle time less than 30min, and mean time was 122min. All patients admitted to hospitals with catheterization facilities underwent primary angioplasty; mean door-to-balloon time in these patients was 161min; in only 28% was it less than 90min.

Conclusion

The system can be used as a tool to monitor the performance of initial treatment of patients with STEMI. Analysis of these indicators in the future may help to evaluate the contribution of online reporting to the development of better treatment practices.

Keywords:
Quality indicators in health care
Myocardial infarction
Emergency medicine
Guidelines
Health management
Texto Completo
Introdução

A avaliação de indicadores de qualidade vem sendo utilizada na mensuração da performance em diversas etapas do cuidado hospitalar.

No IAMCSST, que representa 30 a 47% dos casos de infarto1, estratégias de reperfusão devem ser iniciadas ainda nas primeiras 12 horas após surgimento dos sintomas. Ocorre maior impacto sobre redução da mortalidade quando esta intervenção ocorre nas primeiras 3 horas2.

Diversos países realizam avaliações da performance do atendimento ao IAMCSST3–6, e estas medidas são baseadas nos indicadores divulgados por diretrizes7,8.

O Myocardial Ischaemia National Audit Project é uma base de dados que gerencia indicadores de qualidade da assistência ao IAM na Inglaterra. São divulgados relatórios quadrimestrais, permitindo avaliação dos desfechos e aprimoramento da qualidade no atendimento. Vêm sendo observadas melhorias sustentadas na fibrinólise e prevenção secundária desde sua implementação9.

O Medicare Quality Monitoring System é um sistema de informações sobre desempenho hospitalar mantido pelo governo dos EUA. Informações referentes à legislação, custos, morbimortalidade, entre outros, são analisadas e utilizadas no projeto Hospital Compare, que disponibiliza indicadores de desempenho no tratamento de condições específicas (por exemplo, mortalidade por pneumonia, tempo porta-balão ou taxa de utilização da aspirina no IAM)10.

O National Registry of Myocardial Infarction (NRMI), registro que já incluiu mais de 2 milhões de casos de IAM desde 1990, demonstrou que pelo menos um em cada 5 pacientes analisados deixou de receber todas as terapias recomendadas. Um declínio de 37% na mortalidade anual destes pacientes foi atribuído ao aumento nas taxas de adesão às recomendações dos guidelines entre 1990 e 200611.

Em nosso meio, apesar do crescente número de publicações no campo da qualidade em saúde, a maioria dos hospitais não realiza mensuração rotineira destas variáveis. Alguns hospitais como Hospital Albert Einstein em São Paulo e Hospital Pró-Cardíaco no Rio de Janeiro disponibilizam atualizações sobre seus indicadores em sítios de livre acesso na WEB12,13.

Material e métodos

Na primeira etapa do projeto foram identificados os pontos críticos do processo terapêutico do IAMCSST e formulados indicadores, a partir da análise dos protocolos clínicos americano e brasileiro, considerando a evidência científica. Foi construído um painel composto por especialistas no tema, para discutir pontos controversos existentes nos guidelines sobre o tratamento hospitalar do IAMCSST e uniformizar conceitos sobre as indicações e contraindicações às estratégias terapêuticas.

Na segunda etapa do projeto foi realizado um estudo piloto que buscou verificar as possibilidades de obter esses indicadores retrospetivamente, a partir de informações existentes em prontuários médicos de pacientes internados com diagnóstico de IAMCSST em um hospital universitário. Na análise do estudo piloto foram detetados elevados índices de ausência de registro das contraindicações às terapias preconizadas.

Na fase atual, foi desenvolvida uma ferramenta virtual para coleta prospetiva destes dados em tempo real, utilizando um ambiente cliente/servidor de forma que diversos hospitais tivessem acesso a um servidor da Fiocruz, onde os dados que geram automaticamente os indicadores são processados.

Para participar do projeto foram selecionados hospitais que, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), realizassem atendimento cardiológico de emergência abrangendo instituições que possuíam estrutura para realização de angioplastia primária com aparelhagem de hemodinâmica disponível, assim como aquelas que baseavam sua terapia de reperfusão exclusivamente na administração de fibrinolíticos.

Dez hospitais do município do Rio de Janeiro, que preenchiam os pré-requisitos, foram convidados para participar do projeto e convocados para uma reunião onde foram expostos os objetivos. Dados das instituições e dos médicos encarregados da alimentação do sistema foram cadastrados através do sítio virtual www.qualiiam.cict.fiocruz.br, que gera as senhas de acesso para os participantes.

Cada hospital desenvolve sua estratégia de captação de dados dos prontuários que são digitados em formulário eletrônico, sem que haja a identificação dos pacientes. Foram incluídos pacientes com idade igual ou superior a 18 anos. Os critérios utilizados para o diagnóstico de IAMCSST foram aumento característico e diminuição gradual da troponina ou aumento e diminuição mais rápidos para creatinaquinase CK fração MB (CK-MB), com pelo menos um dos seguintes critérios: a) sintomas isquêmicos; b) alterações eletrocardiográficas indicativas de isquemia (elevação, depressão do segmento ST ou BCRE novo); c) desenvolvimento de ondas Q patológicas no eletrocardiograma; ou d) evidência, em exames de imagem, de perda de viabilidade miocárdica ou contratilidade segmentar anormal4,14,15.

Para a alimentação do sistema foi desenvolvido um formulário eletrônico, constituído por campos definidos com base nas recomendações dos protocolos clínicos de tratamento nas primeiras 24h do IAMCSST. Este formulário contém um bloco inicial para cadastramento dos dados relacionados com a admissão hospitalar, incluindo data e hora da admissão, sexo, idade, horário do início dos sintomas, fonte pagadora, setor do hospital onde foi feito o diagnóstico do IAMCSST e informações sobre atendimento médico e administração prévia de fármacos. Seguem-se 4 blocos contendo campos relacionados com a administração dos fármacos preconizados pelos protocolos clínicos nas primeiras 24 horas: (i) ácido acetil salicílico (AAS)/clopidogrel; (ii) betabloqueadores; (iii) inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA)/bloqueadores do recetor da angiotensina (BRA); (iv) fibrinolíticos. No último bloco registram-se dados sobre intervenção coronariana percutânea (ICP).

Nos blocos destinados às terapias farmacológicas devem ser informados: data, hora e dosagem da prescrição e administração de cada fármaco, além da existência ou não de cada uma das contraindicações reconhecidas nos protocolos clínicos. Nos campos destinados à ICP devem ser registradas data e hora da insuflação do balão. Para os casos em que nenhum método de reperfusão foi empregado, há obrigatoriedade do preenchimento de justificativa.

Para garantir a padronização dos conceitos e assegurar a uniformidade na definição das variáveis, foi desenvolvido um glossário de termos que pode ser acessado por meio de ícone na ficha de coleta de dados.

Todos os campos do formulário eletrônico são de preenchimento obrigatório. Um sistema de críticas detecta inconsistências na data e hora de admissão e administração dos medicamentos, variáveis fundamentais para o cálculo dos indicadores.

Com base nos resultados obtidos no estudo piloto, onde a ausência de registro das contraindicações prejudicou a identificação da justificativa para não utilização das terapias preconizadas, foi inserida em todos os campos as opções: NH (quando não havia o fármaco disponível para utilização), A (ausência da informação no prontuário) e outros (campo livre para registro de outras limitações encontradas).

Uma vez preenchido, o formulário eletrônico é enviado via WEB para o servidor, onde é processado o cálculo dos indicadores em tempo real.

O processamento dos dados e cálculo dos indicadores ficou a cargo do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz, local sede do servidor. O cálculo dos indicadores de desempenho de qualidade no tratamento do IAMCSST levou em conta as contraindicações e indicações dos processos terapêuticos ocorridos nas 24h após a admissão hospitalar. Estes foram considerados itens de preenchimento obrigatório para a inclusão de pacientes. Nos casos em que não foi possível coletar o dado com precisão, a informação era assinalada.

Os indicadores foram calculados tendo no numerador o número de casos sem contraindicação que receberam a medicação e no denominador o número de casos em que não havia contraindicação. Considerou-se também que os pacientes que já haviam recebido a medicação antes da admissão hospitalar seriam excluídos do cálculo dos indicadores relacionados com a medicação recebida. Por essa razão, o número de pacientes considerados nos indicadores associados a cada procedimento terapêutico pode não ser o mesmo.

No caso do cálculo do indicador administração do IECA/BRA, o denominador leva em conta a ausência de contraindicações e o facto de que estes fármacos não são indicados em todos os casos de IAMCSST. Segundo a revisão das guidelines e o painel realizado com especialistas, a sua prescrição possui maior grau de recomendação nos pacientes portadores de hipertensão arterial, diabetes mellitus ou com sinais clínicos ou ecocardiográficos de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Em virtude destas características, o cálculo deste indicador foi realizado apenas nos casos em que havia indicação e ausência de contraindicação aos fármacos.

Paralelamente, foi desenvolvida uma ferramenta para acesso aos resultados dos indicadores, também via WEB, de tal forma que os representantes dos hospitais cadastrados pudessem gerar relatórios em tempo real, onde constam o número de pacientes considerados para o cálculo de cada indicador, valores de referência recomendados pelos protocolos e resultados médios obtidos pelo conjunto de todos os hospitais cadastrados neste sistema, preservando-se, portanto, a confidencialidade das informações de cada instituição. Através de senhas geradas pelo sistema, os representantes podem acessar o sítio www.qualiiam.cict.fiocruz.br/indicadores.php para obtenção dos resultados, considerando os seguintes indicadores:

Percentual de pacientes sem contraindicação a AAS, que receberam o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar.

Percentual de pacientes sem contraindicação a betabloqueador, que receberam o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar.

Percentual de pacientes com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e sem contraindicações a IECA ou BRA, que receberam IECA ou BRA nas 24 horas após admissão hospitalar.

Percentual de pacientes sem contraindicação a fibrinolítico, que receberam o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar.

Percentual de pacientes que receberam fibrinolítico dentro de 30 minutos após admissão hospitalar.

Percentual de pacientes submetidos a angioplastia com insuflação do balão dentro de 90 minutos após admissão hospitalar.

Tempo médio (minutos) decorrido entre a admissão hospitalar e a administração do fibrinolítico (tempo porta-agulha).

Tempo médio (minutos) decorrido entre a admissão hospitalar e a insuflação do balão na angioplastia (tempo porta-balão).

Resultados

Das 10 instituições convidadas, 5 concordaram em participar do projeto, sendo 2 públicas e 3 privadas. Ao final de 18 meses, foram registrados 124 casos de IAMCSST no sistema. Houve variação no número de pacientes cadastrados por cada hospital (A=7; B=14; C=16; D=44; E=43). A média de idade dos pacientes incluídos no sistema foi de 63,6 anos e 69,2% eram do sexo masculino.

Na Tabela 1, encontram-se os resultados dos indicadores calculados, considerando-se o conjunto dos hospitais, entre outubro de 2008 e outubro de 2010.

Tabela 1.

Indicadores de monitoramento da atenção hospitalar inicial ao IAMCSST

Indicadores  (n)  Valores Recomendados 
Percentual de pacientes sem contraindicação a AAS, que recebeu o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar  94,6%  (93)  100% 
Percentual de pacientes sem contraindicação a betabloqueador, que recebeu o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar  82,5%  (80)  100% 
Percentual de pacientes com disfunção sistólica do ventrículo esquerdo e sem contraindicações a IECA ou BRA, que recebeu IECA ou BRA nas 24 horas após admissão hospitalar  76,1%  (67)  100% 
Percentual de pacientes sem contraindicação a fibrinolitico, que recebeu o fármaco dentro de 24 horas após admissão hospitalar  67,4%  (43)  100% 
Percentual de pacientes que recebeu fibrinolitico dentro de 30 minutos após admissão hospitalar  3,2%  (29)  100% 
Percentual de pacientes submetidos a angioplastia com insuflação do balão dentro de 90 minutos após admissão hospitalar  28%  (74)  100% 
Indicadores  Média  DP  Min  Max  (n)  Valores Recomendados 
Tempo médio (minutos) decorrido entre a admissão hospitalar e a administração do fibrinolítico  122 min  88 min  30,0 min  392 min  (29)  < 30 min 
Tempo médio (minutos) decorrido entre a admissão hospitalar e a insuflação do balão na angioplastia  161 min  137.3 min  30 min  900 min  (74)  < 90 min 

Considerando o resultado dos 5 hospitais, o melhor desempenho foi obtido para administração do AAS (94,6%). A administração do IECA/BRA ocorreu em cerca de 76% dos pacientes, mesmo considerando apenas os casos com indicação e excluindo aqueles que apresentavam contraindicação. Em relação aos betabloqueadores, houve administração em 82,5% dos 80 pacientes que não apresentavam contraindicação.

O percentual de pacientes sem contraindicação a fibrinolítico que recebeu o fármaco após admissão hospitalar foi de 68,4%, correspondente a 29 pacientes. Em nenhum dos 29 casos o tempo porta-agulha foi menor do que 30 minutos. A média obtida foi de 122 minutos e o paciente que apresentou tempo porta-agulha mais longo recebeu o fibrinolítico 392 minutos após a admissão hospitalar.

Em 3 dos 14 casos em que não houve administração do fibrinolítico, a justificativa apresentada foi o retardo no diagnóstico intra-hospitalar do IAMCSST, fazendo com que essa confirmação ocorresse mais de 12 horas após o início dos sintomas. Em 4 casos os pacientes chegaram ao hospital mais de 12 horas após o início dos sintomas, não havendo portanto indicação para o fibrinolítico.

Todos os 74 pacientes admitidos nos hospitais que dispunham de serviço de hemodinâmica foram submetidos à ICP primária. A média obtida para o tempo porta-balão foi de 161 minutos, variando de 30 a 900 minutos. Em apenas 28% dos pacientes que realizaram ICP, o tempo porta-balão foi menor do que os 90 minutos recomendados.

Discussão

O desenvolvimento de um sítio virtual para calcular e analisar em tempo real os principais indicadores de qualidade no tratamento inicial do IAMCSST foi capaz de gerar informação relacionada com a performance hospitalar, disponibilizando dados úteis para gestão e aprimoramento da qualidade neste processo.

A predominância de pacientes do sexo masculino e com faixa etária dentro da sétima década de vida, são características comuns aos principais registros de IAMCSST11,16.

Os dados relacionados com a administração dos fármacos (AAS, IECA/BRA e betabloqueadores) na admissão hospitalar demonstraram uma adesão superior àquela encontrada em outros estudos11,16. Isso deve-se provavelmente ao facto de que, nesse caso, os pacientes com contraindicações não foram considerados no cálculo dos indicadores, o que não tem sido uma prática referida em outros estudos. De qualquer forma, verifica-se que há espaço para aprimoramento das estratégias de assistência inicial aos pacientes admitidos com IAMCSST, tanto nos aspetos relacionados com a agilidade na abordagem diagnóstica, quanto na administração dos fármacos, haja vista a recomendação dos protocolos para que estas terapias sejam administradas em 100% dos pacientes elegíveis ainda nas primeiras 24 horas de admissão.

O número de pacientes incluídos no denominador para o cálculo de cada indicador (n) apresentou variação de acordo com a prevalência de contraindicações encontradas para cada fármaco ou procedimento avaliado. O AAS foi o fármaco que teve o menor n para o cálculo dos indicadores. Além da ocorrência de contraindicações (por exemplo, fenômenos hemorrágicos, alergia), o fator que mais contribuiu para a redução do número de pacientes elegíveis para o cálculo deste indicador foi a utilização prévia deste fármaco (pacientes já chegaram medicados), uma vez que sua administração precoce possui significativo impacto sobre redução da morbimortalidade nos casos suspeitos de IAM. Estes pacientes receberam AAS em ambulâncias, nos postos médicos que não dispunham de estrutura para fibrinólise, por prescrição ambulatorial rotineira devido à fatores de risco preexistentes (por exemplo, diabetes, arteriopatia periférica) ou através de automedicação frente aos sintomas sugestivos de IAM.

Em relação à administração dos fibrinolíticos neste estudo, nenhuma das instituições obteve tempo porta-agulha inferior a 30 minutos. Esta meta preconizada das guidelines está baseada no tempo decorrido entre o registro da admissão hospitalar e o início da infusão intravenosa do fibrinolítico. Em ambientes com elevado número de atendimentos pode haver maior tempo de espera para o atendimento e retardo na obtenção do ECG, com consequente retardo no diagnóstico do IAMCSST. A recomendação atual é a obtenção do ECG em até 10 minutos nos casos em que há suspeita de IAM.

Em relação à realização de ICP primária, a recomendação dos guidelines é que o tempo decorrido entre a admissão hospitalar e a insuflação do balão dentro da artéria relacionada com o IAMCSST (tempo porta-balão) seja de no máximo 90 minutos. Entre os pacientes submetidos à ICP neste estudo, o tempo porta-balão inferior a 90 minutos ocorreu em menos de 30% dos pacientes, demonstrando oportunidades de melhorias neste processo. Além dos fatores previamente expostos, que podem retardar o diagnóstico do IAMCSST, disponibilidade do equipamento de hemodinâmica e presença da equipe de cardiologia intervencionista são fatores que podem determinar o tempo porta-balão.

Outrossim, mais de 30% dos pacientes admitidos nas instituições sem disponibilidade para realizar angioplastia deixaram de receber qualquer estratégia de reperfusão, apesar do registro da ausência de contraindicações relativas ou absolutas. Este é um desafio presente em diversos sistemas de saúde no mundo, principalmente nos países em desenvolvimento.

Nos Estados Unidos, o American Collegge of Cardiology (ACC) desenvolveu um programa denominado D2B (door to ballon)17 que divulga estratégias para reduzir o tempo para atendimento nos pacientes com dor torácica, agilizar o reconhecimento do IAMCSST e acelerar o emprego dos métodos de reperfusão coronariana8.

A ausência de pacientes submetidos à terapia fibrinolítica nos hospitais que dispunham de recursos para realização de ICP pode ser justificada pela superioridade da reperfusão mecânica, principalmente quando administrada dentro dos 90 minutos após a admissão hospitalar4.

A mensuração dos resultados da prática assistencial em saúde envolve uma série de etapas, tais como: definição das variáveis, elaboração de metodologia apropriada e processamento dos dados obtidos. Um aspeto favorável deste projeto é a obrigatoriedade do preenchimento de todos os campos do formulário, mesmo quando há ausência de registro da informação no prontuário. Esta característica minimiza a perda de dados por não preenchimento e possibilita a avaliação de variáveis com freqüente ausência de registro nos prontuários, indicando oportunidades para aprimoramento.

Conclusão

O sistema apresenta-se como uma alternativa viável para monitoramento dos indicadores de performance no atendimento ao IAMCSST, com atualização das variáveis em tempo real.

A baixa adesão e participação efetiva das instituições que atendem IAMCSST a registros de informação com preenchimento e consulta à distância, através de acesso virtual em tempo real, representam um desafio para a implantação do sistema.

Os valores obtidos para os indicadores apontam que é preciso melhorar a qualidade da atenção ao IAM, especialmente no que se refere ao tempo excessivamente longo para emprego das terapias de reperfusão. Entretanto, a ferramenta foi desenhada como um instrumento de gestão para monitorar o desempenho dos hospitais considerados individualmente, já que os pontos críticos devem variar de uma instituição para outra. O pequeno número de observações ainda limita as possibilidades de análise em profundidade nesse aspeto.

Análises futuras deste conjunto de indicadores em serviços de saúde com diversos níveis de complexidade poderão contribuir para mensurar o impacto destes relatórios sobre a incorporação de melhores práticas assistenciais.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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