Mulher de 74 anos, diabética tipo 2, admitida por sensação de mal‐estar e dispneia desde há uma semana. Na observação inicial colaborante salientavam‐se fervores subcrepitantes em ambos os campos pulmonares. O eletrocardiograma mostrava ondas Q e supradesnivelamento do segmento ST nas derivações precordiais, DII e DIII (Figura 1). Admitiu‐se o diagnóstico de enfarte anterior em fase subaguda em classe Killip III, motivo pelo qual realizou angiografia coronária e angioplastia da descendente anterior média com implante de stent. Para estabilização hemodinâmica foi colocado balão intra‐aórtico e iniciou perfusão de dobutamina (7ug/kg/min).
Durante a observação na unidade coronária mantinha sensação de mal‐estar e de lipotimia, apresentava‐se mais hipotensa e oligúrica. Na auscultação cardíaca constatou--se sopro holosistólico grau III/VI no bordo esquerdo do esterno. O ecocardiograma mostrou acinesia dos segmentos apicais e hipercontratilidade compensatória dos basais, com função sistólica global do ventrículo esquerdo (VE) conservada; diagnosticou‐se comunicação interventricular apical não restritiva (Figura 2) e ainda a presença de fluxo turbulento na câmara de saída do VE, com velocidade superior a 4m/s e movimento sistólico anterior do folheto anterior da válvula mitral (SAM) (Figura 3). Perante esta obstrução na câmara de saída do VE associada a hipotensão, decidiu‐se suspender a perfusão de dobutamina e administrar propranolol endovenoso. Verificou‐se melhoria sintomática e subida dos valores tensionais; no ecocardiograma observou‐se fluxo menos turbulento e de menor velocidade, e melhoria do SAM (Figura 4). Foi possível assim estabilizar a doente e transferi‐la para centro cirúrgico. Infelizmente, a doente faleceu devido a complicações na segunda semana do período pós‐operatório.
Ecocardiograma transtorácico a evidenciar fluxo turbulento apical (seta) devido à presença de rotura do septo interventricular (velocidades máximas registadas pelo Doppler contínuo inferiores a 3m/s).
AD: aurícula direita; AE: aurícula esquerda; VE: ventrículo esquerdo; VD: ventrículo direito.
Quantificação do gradiente dinâmico na câmara de saída do VE, antes (A) e após (B) a suspensão de dobutamina e administração de propranolol endovenoso (1+1mg): em A, observa‐se gradiente máximo superior a 64mmHg, com pressão arterial de 90/60mmHg; em B, o gradiente máximo diminuiu para 16mmHg, com subida concomitante da pressão arterial para 110/70mmHg.
Pretendemos salientar a importância da correta avaliação de possíveis complicações de enfarte do miocárdio, com recurso ao ecocardiograma, para assim definir a melhor atitude terapêutica: neste caso, evitar o uso de inotrópicos positivos e ponderar o uso de β‐bloqueantes endovenosos para diminuir a obstrução intraventricular.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.