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Vol. 36. Núm. 9.
Páginas 683-685 (Setembro 2017)
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Comentário a «Prognóstico materno e fetal em grávidas anticoaguladas e portadores de próteses valvulares mecânicas»
Comment on “Maternal and fetal outcomes of anticoagulation in pregnant women with mechanical heart valves”
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Ana Galrinho
Membro do Corpo Redatorial da Revista Portuguesa de Cardiologia
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Zachary L. Steinberg, MD, Clara P. Dominguez‐Islas, PHD, Catherine M. Otto, MD, Karen K. Stout, MD, Eric V. Krieger, MD. J Am Coll Cardiol 2017; 69:2681‐91. doi: 10.1016/j.jacc.2017.03.605.

Abstract

Background: Anticoagulation for mechanical heart valves during pregnancy is essential to prevent thromboembolic events. Each regimen has drawbacks with regard to maternal or fetal risk.

Objectives: This meta‐analysis sought to estimate and compare the risk of adverse maternal and fetal outcomes in pregnant women with mechanical heart valves who received different methods of anticoagulation.

Methods: Studies were identified using a Medline search including all publications up to June 5, 2016. Study inclusion required reporting of maternal death, thromboembolism, and valve failure, and/or fetal spontaneous abortion, death, and congenital defects in pregnant women treated with any of the following: 1) a vitamin K antagonist (VKA) throughout pregnancy; 2) low‐molecular‐weight heparin (LMWH) throughout pregnancy; 3) LMWH for the first trimester, followed by a VKA (LMWH and VKA); or 4) unfractionated heparin for the first trimester, followed by a VKA (UFH and VKA).

Results: A total of 800 pregnancies from 18 publications were included. Composite maternal risk was lowest with VKA (5%), compared with LMWH (16%; ratio of averaged risk [RAR]: 3.2; 95% confidence interval [CI]: 1.5 to 7.5), LMWH and VKA (16%; RAR: 3.1; 95% CI: 1.2 to 7.5), or UFH and VKA (16%; RAR: 3.1; 95% CI: 1.5 to 7.1). Composite fetal risk was lowest with LMWH (13%; RAR: 0.3; 95% CI: 0.1 to 0.8), compared with VKA (39%), LMWH and VKA (23%), or UFH and VKA (34%). No significant difference in fetal risk was observed between women taking ≤5mg daily warfarin and those with an LMWH regimen (RAR: 0.9; 95% CI: 0.3 to 2.4).

Conclusions: VKA treatment was associated with the lowest risk of adverse maternal outcomes, whereas the use of LMWH throughout pregnancy was associated with the lowest risk of adverse fetal outcomes. Fetal risk was similar between women taking ≤5mg warfarin daily and women treated with LMWH.

Comentário

Ao escolher o artigo de Steinberg et al.1, publicado no J Am Coll Cardiol, veio‐me à memória a expressão «no fio da navalha», porque o tema gravidez, terapêutica anticoagulante e próteses mecânicas continua a ser polémico, a acarretar decisões clínicas difíceis e de grande risco, qualquer que seja a opção terapêutica escolhida. Pessoalmente, como cardiologista, já vivi esta angústia, já presenciei casos sem complicações e casos de insucesso; tanto de perda fetal como casos de trombose de prótese, dois deles fatais, e foi nisso que baseei a minha escolha. O tema tem levado a várias meta‐análises recentes1,2.

Sendo um problema transversal a várias especialidades, também sinto que cada uma delas valoriza mais a sua parte: a cardiologia foca‐se sobretudo no aspeto da funcionalidade da prótese e a obstetrícia/medicina geral e familiar talvez mais a morbilidade/mortalidade fetal.

Sobre este tema não existem grandes estudos comparativos. É através destas meta‐análises que as recomendações têm sido efetuadas, no entanto, sobre as decisões mais difíceis, como seja a da interrupção da anticoagulação oral pelo risco de embriopatia e substituição por heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou heparina não fracionada (HNF) entre a 6.a e a 12.a semanas, as recomendações são classe IIa, nível de evidência C3.

No estudo Data of the European Society of Cardiology Registry of Pregnancy and Cardiac Disease (ROPAC), a probabilidade de uma gravidez não complicada e sucesso fetal foi calculada em apenas 58%4. Neste estudo, que incluiu 212 mulheres, a taxa de trombose protésica foi de 4,7%, ocorreu em metade dos casos no primeiro trimestre e, nesses casos, esteve sempre associada ao switch de anticoagulação oral para qualquer tipo de heparina.

Face a estes resultados, a million‐dollar question é: será o switch terapêutico entre a 6.a e a 12.a semanas com heparina (HBPM ou HNF) seguro e eficaz?

A mudança para heparina tem sido a única opção alternativa aos antagonistas da vitamina K (AVK) para minimizar o risco de embriopatia (situação relativamente rara). Os AVK são teratogénicos, atravessam a placenta e, por isso, a mudança para heparina durante toda a gravidez ou só no período de maior risco de embriopatia tem sido uma realidade. Atualmente, da revisão da literatura, o efeito teratogénico dos AVK parece ser dose‐dependente5,6, reduzindo‐se a probabilidade para doses5mg de varfarina/dia. No entanto, o seu efeito nocivo verifica‐se também no risco elevado de aborto espontâneo, morte fetal, hemorragia intracraniana fetal, micro‐hemorragia com alterações do sistema nervoso central, disfunção neurológica e relação provável com maior incidência de défice cognitivo (QI diminuído) em idade tardia7.

No primeiro trimestre da gravidez existe um estado pró‐trombótico associado a aumento da produção de fatores pró‐coagulantes, diminuição de proteína S, aumento da resistência à proteína C e alterações da fibrinólise, o que torna essa fase particularmente vulnerável à ocorrência de patologia trombótica. Além disso, existe um aumento do volume circulante e também da filtração renal, que tornam difíceis os ajustes dos níveis de heparina – seja HBPM ou HNF, mas também a obtenção de níveis de International Normalized Ratio (INR) adequados (muitas vezes levando à necessidade de aumento da dose e consequentemente maiores riscos para o feto ou até à mudança para outros AVK8.

A utilização de HBPM adequada ao peso da doente (enoxaparina, dalteparina), devido a menores riscos para o feto, pois não passa a barreira placentar, surgiu como uma alternativa promissora. Contudo, o aumento de complicações trombóticas maternas (incluindo trombose de prótese) tornou essa opção uma escolha difícil. O doseamento dos níveis de antifator Xa em pico permitiu concluir que a maioria das doentes tem níveis subterapêuticos de HBPM em circulação, o que explica o risco aumentado de trombose de prótese9–11. Vários estudos demonstraram a importância de se monitorizar os níveis de antifator Xa, como forma de ajustar a dose de HBPM, mas a ocorrência de trombose protésica, em grávidas com níveis de pico terapêuticos, veio realçar a necessidade de se monitorizar os valores de vale e de pico11–14.

O doseamento do antifator Xa não é prática corrente na maioria dos centros, pois na meta‐análise de Steinberg et al., que selecionou 18 estudos, apenas em oito se fez este doseamento.

Também numa revisão efetuada por Oran et al., a percentagem de casos de trombose de prótese foi de 9% (dez casos). Em nove desses casos, a dose de HBPM tinha sido fixa, em um tinha havido um controle irregular do antifator Xa10.

Na seleção inicial dos estudos para esta meta‐análise, foram analisados vários tipos de terapêutica anticoagulante e verificou‐se que as grávidas sob varfarina, varfarina em baixa dose (5mg/dia) e HNF+varfarina provieram maioritariamente de países da Ásia, África e Médio Oriente, enquanto os estudos que envolviam HBPM eram sobretudo da Europa e da América do Norte.

O risco médio de eventos estimado para a grávida (outcome composto), que incluía morte, falência protésica e tromboembolismo sistémico, foi de 5% para a manutenção de varfarina, 15,5% para HBPM, 15,9% para esquema de HBPM+varfarina e de 15,8% para HNF e varfarina.

O risco fetal (outcome composto) que incluía aborto espontâneo, morte fetal e ocorrência de malformação congénita, foi de 39,2%: 13,9% para HBPM, 16,4% para os esquemas de HBPM+varfarina e 33,6% para os esquemas de HNF+varfarina. No entanto, na análise isolada de baixa dose de varfarina (5mg) o risco fetal foi de 4,8%. Quanto à presença de malformação congénita, o risco foi nulo nesta meta‐análise, o que reforça a ideia de que a embriopatia dos anticoagulantes é rara, ocorrendo muito esporadicamente. Na meta‐análise de D'Souza publicada recentemente, esta incidência foi de 2% (entre 0,3‐3,7%). O risco fetal foi devido, sobretudo, a aborto espontâneo.

Isso levou os autores a concluir que a manutenção de varfarina é o procedimento mais seguro para as grávidas portadoras de prótese mecânica, desde que tenham valores de INR adequados, com doses inferiores a 5mg de varfarina.

Estes resultados estão em acordo com as recomendações do ACC, do AHA e da ESC3,15.

Para as doentes que necessitem de doses maiores, ou que tenham próteses mais antigas, mais trombogénicas, tipo Starr Edwards, as recomendações da ESC sugerem a interrupção da anticoagulação oral entre a 6.ª e a 12.ª semanas, início de administração de HBPM com monitorização cuidadosa dos níveis do anti‐Xa, e, nos casos mais complicados, o início de HNF de forma contínua, com aPTT 2x o valor recomendado.

De qualquer forma, em qualquer das situações, é sempre necessário um bom aconselhamento e apoio à grávida com prótese valvular mecânica, explicando todos os riscos possíveis, a necessidade de maior vigilância clínica, mantendo um «alerta» para sintomas de insuficiência cardíaca, ensino na monitorização ambulatória do INR (se for o caso) e o envolvimento de uma equipa multidisciplinar, atendendo a que são situações de risco maternofetal.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

Bibliografia
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Z.L. Steinberg, C.P. Dominguez-Islas, C.M. Otto, et al.
Maternal and fetal outcomes of anticoagulation in pregnant women with mechanical heart valves.
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