C. Michael Gibson, Roxana Mehran, Christoph Bode, Jonathan Halperin, Freek W. Verheugt, Peter Wildgoose, Mary Birmingham, Juliana Ianus, Paul Burton, Martin van Eickels, Serge Korjian, Yazan Daaboul, Gregory Y.H. Lip, Marc Cohen, Steen Husted, Eric D. Peterson, Keith A. Fox. N Engl J Med. 2016;375:2423‐34
Background: In patients with atrial fibrillation undergoing percutaneous coronary intervention (PCI) with placement of stents, standard anticoagulation with a vitamin K antagonista plus dual antiplatelet therapy (DAPT) with a P2Y12 inhibitor and aspirin reduces the risk of thrombosis and stroke but increases the risk of bleeding. The effectiveness and safety of anticoagulation with rivaroxaban plus either one or two antiplatelet agents are uncertain.
Methods: We randomly assigned 2124 participants with nonvalvular atrial fibrillation who had undergone PCI with stenting to receive, in a 1:1:1 ratio, low‐dose rivaroxaban (15mg once daily) plus a P2Y12 inhibitor for 12 months (group 1), very‐low‐dose rivaroxaban (2.5mg twice daily) plus DAPT for 1, 6, or 12 months (group 2), or standard therapy with a dose‐adjusted vitamin K antagonist (once daily) plus DAPT for 1, 6, or 12 months (group 3). The primary safety outcome was clinically significant bleeding (a composite of major bleeding or minor bleeding according to Thrombolysis in Myocardial Infarction [TIMI] criteria or bleeding requiring medical attention).
Results: The rates of clinically significant bleeding were lower in the two groups receiving rivaroxaban than in the group receiving standard therapy (16.8% in group 1, 18.0% in group 2, and 26.7% in group 3; hazard ratio for group 1 vs. group 3, 0.59; 95% confidence interval [CI], 0.47 to 0.76; P<0.001; hazard ratio for group 2 vs. Group 3, 0.63; 95% CI, 0.50 to 0.80; P<0.001). The rates of death from cardiovascular causes, myocardial infarction, or stroke were similar in the three groups (Kaplan–Meier estimates, 6.5% in group 1, 5.6% in group 2, and 6.0% in group 3; P values for all comparisons were nonsignificant).
Conclusions: In participants with atrial fibrillation undergoing PCI with placement of stents, the administration of either low‐dose rivaroxaban plus a P2Y12 inhibitor for 12 months or very‐low‐dose rivaroxaban plus DAPT for 1, 6, or 12 months was associated with a lower rate of clinically significant bleeding than was standard therapy with a vitamin K antagonist plus DAPT for 1, 6, or 12 months. The three groups had similar efficacy rates, although the observed broad confidence intervals diminish the surety of any conclusions regarding efficacy.
Comentário“Now this is not the end. It is not even the beginning of the end. But it is, perhaps, the end of the beginning”.
O tratamento do doente com fibrilhação auricular submetido a intervenção coronária percutânea permanece um dos maiores desafios da cardiologia contemporânea. As atuais recomendações aconselham a utilização de terapêutica antitrombótica tripla, por um período de tempo variável, conforme a apresentação clínica do doente e o tipo de stent implantado1. Contudo, a evidência para a utilização da terapêutica tripla é empírica e, por isso, estas recomendações não são baseadas em evidência.
Sabemos hoje que a terapêutica antitrombótica tripla não é inócua, levando a um aumento marcado do risco relativo de hemorragia fatal e não fatal, com uma taxa de hemorragias de 22,6 por 100 pessoas‐ano2. Mesmo a utilização de terapêutica tripla durante um curto período de tempo (por exemplo, um mês) não é segura, uma vez que a maioria destas hemorragias ocorrem logo no primeiro mês após a introdução da terapêutica tripla2,3, que assim exerce o efeito de um teste de stress hemorrágico. Apesar de tradicionalmente os cardiologistas não estarem muito preocupados com os riscos da hemorragia, que encaravam como eventos «tratáveis», sabemos hoje que a hemorragia piora significativamente o prognóstico, podendo aumentar a mortalidade cerca de cinco vezes4.
Recentemente, o paradigma do tratamento destes doentes começou a mudar após dois importantes ensaios clínicos: o ISAR‐TRIPLE3 e o WOEST5. Estes estudos mostraram, pela primeira vez, que a terapêutica dupla (antiagregante plaquetário+hipocoagulação com antagonista da vitamina K) reduzia de forma marcada o risco de hemorragia, mantendo aparentemente a mesma eficácia. Apesar de nenhum destes estudos ter poder estatístico para avaliar eventos trombóticos, observou‐se também uma tendência para a redução dos eventos cardiovasculares6 e da mortalidade total5.
O recém‐publicado estudo PIONEER7 traz nova informação clinicamente relevante, que irá certamente alterar a forma como tratamos estes doentes. Em resumo, mostrou que comparativamente à terapêutica tripla clássica, a utilização de um regime de rivaroxaban 15mg+clopidogrel 75mg, ou de um regime de aspirina 100mg+clopidogrel 75mg+rivaroxaban 2,5mg 2id estava associada a uma redução marcada das complicações hemorrágicas, com um number needed to treat para prevenir um evento hemorrágico de apenas 11 e 12 doentes, respetivamente. Apesar de não ser um estudo com poder estatístico para analisar eficácia (apenas para segurança), não se observou um aumento significativo do risco de eventos cardiovasculares (MACE) com a simplificação do regime terapêutico. Além disso, numa subanálise deste estudo entretanto publicada8, observou‐se uma redução das hospitalizações de causa cardiovascular, para além da redução das hospitalizações por hemorragia.
Dada a relevância destes resultados, importa discutir a sua aplicação na prática clínica. Em primeiro lugar, este ensaio clínico mostra, uma vez mais, que a terapêutica antitrombótica tripla clássica se associa um risco muito elevado de hemorragia (26,7%)7. Observou‐se também neste estudo que, mesmo um curto período de terapêutica tripla (por exemplo, um mês), se associa a um aumento significativo da hemorragia, ocorrendo uma divergência das curvas logo ao fim de alguns dias de utilização da terapêutica. Deste modo, com base nos dados que dispomos, deixa de estar aconselhada a utilização de terapêutica tripla como rotina na grande maioria dos doentes com fibrilhação auricular submetidos a intervenção coronária percutânea. Na realidade portuguesa, não dispomos atualmente da formulação de rivaroxaban 2,5mg que foi usada num dos braços do estudo, apesar dos dados promissores também demonstrados nos estudos ATLAS ACS‐2 TIMI51 e COMPASS. Por isso, a implementação destes dados na prática clínica passará pela utilização da combinação rivaroxaban 15mg+clopidogrel 75mg. De recordar que, em caso de alteração da função renal (clearanceda creatinina 30‐50ml/min), a dose de rivaroxaban deverá ser reduzida para 10mg, numa toma única diária e que este estudo excluiu os doentes com clearance<30m/min. Este estudo incluiu um número muito reduzido de doentes com outros antiplaquetários (5,6%), nomeadamente com ticagrelor ou prasugrel, pelo que não se podem extrapolar os dados para estes regimes terapêuticos. Finalmente, em casos selecionados de angioplastias complexas haverá certamente lugar para a individualização da terapêutica, podendo ser necessária uma intensificação transitória do tratamento antitrombótico.
Estão atualmente em curso mais três estudos de grande dimensão, que vão também avaliar esta questão da redução do número de agentes antitrombóticos neste grupo de doentes: o estudo RE‐DUAL PCI (com dabigatran), o estudo AUGUSTUS (com apixaban) e o ENTRUST‐AF‐PCI (com edoxaban). Curiosamente, todos eles serão estudos de segurança e nenhum terá poder estatístico para avaliar eficácia9.
Em conclusão, com base na evidência atual, a maioria dos doentes com fibrilhação auricular submetidos a intervenção coronária percutânea poderá ser tratada de forma eficaz e segura com o regime rivaroxaban 15mg+clopidogrel 75mg, durante o primeiro ano. Aguardamos com expetativa os dados dos outros estudos, mas claramente, como dizia Winston Churchill, este não será o fim desta história, mas é o fim do início de uma nova era no tratamento do doente com fibrilhação auricular e doença coronária.
Conflito de interessesRFC recebeu honorários de orador da Bayer, BMS/Pfizer, Daiichi‐Sankyo e Boehringer‐Ingelheim.