Background: For acute myocardial infarction (AMI) without heart failure (HF), it is unclear if β‐blockers are associated with reduced mortality.
Objectives: The goal of this study was to determine the association between β‐blocker use and mortality in patients with AMI without HF or left ventricular systolic dysfunction (LVSD).
Methods: This cohort study used national English and Welsh registry data from the Myocardial Ischaemia National Audit Project. A total of 179,810 survivors of hospitalization with AMI without HF or LVSD, between January 1, 2007, and June 30, 2013 (final follow‐up: December 31, 2013), were assessed. Survival‐time inverse probability weighting propensity scores and instrumental variable analyses were used to investigate the association between the use of β‐blockers and 1‐year mortality.
Results: Of 91,895 patients with ST‐segment elevation myocardial infarction and 87,915 patients with non–ST‐segment elevation myocardial infarction, 88,542 (96.4%) and 81,933 (93.2%) received β‐blockers, respectively. For the entire cohort, with >163,772 person‐years of observation, there were 9,373 deaths (5.2%). Unadjusted 1‐year mortality was lower for patients who received β‐blockers compared with those who did not (4.9% vs. 11.2%; p < 0.001). However, after weighting and adjustment, there was no significant difference in mortality between those with and without β‐blocker use (average treatment effect [ATE] coefficient: 0.07; 95% confidence interval [CI]: −0.60 to 0.75; p = 0.827). Findings were similar for ST‐segment elevation myocardial infarction (ATE coefficient: 0.30; 95% CI: −0.98 to 1.58; p = 0.637) and non–ST‐segment elevation myocardial infarction (ATE coefficient: −0.07; 95% CI: −0.68 to 0.54; p = 0.819).
Conclusions: Among survivors of hospitalization with AMI who did not have HF or LVSD as recorded in the hospital, the use of β‐blockers was not associated with a lower risk of death at any time point up to 1 year. (β‐Blocker Use and Mortality in Hospital Survivors of Acute Myocardial Infarction Without Heart Failure; NCT02786654).
ComentárioO uso de bloqueadores beta no contexto do enfarte agudo do miocárdio (EAM) consolidou‐se no início dos anos 80 do século passado, altura em que o seu uso revelou reduzir significativamente a mortalidade na era prévia à terapêutica de reperfusão1,2.
Desde então, a sua utilização não mais foi questionada, apesar dos múltiplos avanços no tratamento farmacológico e não farmacológico que levaram à redução da área de miocárdio vulnerável a arritmias e remodelagem desfavorável. Os estudos realizados no contexto da disfunção ventricular, onde dogmas patofisiológicos foram derrubados face à clara evidência do seu benefício na reversão da remodelagem e redução da mortalidade, confirmaram o seu papel nos doentes pós‐enfarte com disfunção ventricular3. No entanto, em doentes com fração de ejeção (FE) preservada, submetidos a rápida reperfusão e revascularização, com enfartes menos extensos, terapêutica com antiagregação dupla eficaz e altas doses de estatinas, a necessidade de manter bloqueio beta adrenérgico ainda não foi testada. Será que se mantém a vantagem do bloqueio neuro‐hormonal em doentes com FE preservada e o benefício anti‐isquémico em doentes já revascularizados?
Se considerarmos a evolução da evidência para os inibidores da enzima de conversão da angiotensina na prevenção de eventos cardiovasculares, percebemos que questionar o uso de bloqueadores beta num cenário em mudança é legítimo. O estudo HOPE4 demostrou vantagem no uso de ramipril na prevenção da morte cardiovascular, EAM e AVC em doentes com doença vascular estabelecida ou diabetes, e sem evidência de IC ou disfunção VE. No entanto, quatro anos depois é publicado o estudo PEACE5, que testou o trandolapril igualmente em doentes de alto risco cardiovascular e não conseguiu mostrar diferenças comparativamente ao placebo. Convém salientar que o contexto entretanto mudou e a taxa de eventos no grupo placebo do estudo PEACE foi inferior ao esperado e inferior à do grupo tratado com ramipril no HOPE, indicando que esta era uma população de menor risco, provavelmente refletindo as diferenças na abordagem do EAM, com maior utilização da revascularização, antiagregação, bloqueadores beta e estatinas. Portanto, o benefício de uma intervenção depende também das restantes medidas de tratamento instituídas.
Para os bloqueadores beta no pós‐EAM a evidência é escassa na era da reperfusão. Embora os estudos aleatorizados CAPRICORN3 e COMMIT6 sejam mais recentes, apenas cerca de metade dos doentes incluídos receberam terapêutica de reperfusão e o CAPRICORN incluiu especificamente doentes com disfunção VE, tornando‐os pouco generalizáveis para a prática atual.
O estudo prospetivo observacional agora publicado7 será talvez a melhor evidência que iremos ter para responder à questão da relevância do uso de bloqueadores beta em doentes sem IC ou disfunção ventricular após EAM. Usando o registo de EAM do Reino Unido (Myocardial Ischaemia National Audit Project [MINAP]) com cerca de 180000 doentes, e robustos métodos estatísticos para corrigir desequilíbrios entre os grupos com e sem bloqueador beta, os autores mostraram que o seu uso não tem impacto na mortalidade durante o primeiro ano após enfarte. Esta ausência de benefício verificou‐se ao fim de um mês, seis meses e um ano, e foi independente do EAM ser com ou sem supradesnivelamento de ST. Esta informação complementa os resultados do registo multicêntrico francês FAST‐MI, em que o uso precoce de bloqueadores beta após EAM em doentes sem IC ou disfunção VE reduziu a mortalidade aos 30 dias, mas a sua suspensão ao fim de um ano não aumentou a mortalidade aos cinco anos8.
Apesar da limitação desta análise por apenas se debruçar sobre doentes que tiveram alta hospitalar, impossibilitando a análise do seu efeito intra‐hospitalar, e de se tratar de um estudo em que a decisão sobre a administração de bloqueador beta não é aleatorizada e depende das características clínicas do doente, dificilmente será realizado um estudo aleatorizado neste contexto, tornando esta a evidência mais sólida que teremos nos próximos anos.
As recomendações de 2015 da Sociedade Europeia de Cardiologia para as síndromas coronárias agudas sem supradesnivelamento de ST9 apenas indicam o seu uso como classe I nível de evidência A para os doentes com disfunção ventricular, admitindo que não existe evidência para os restantes doentes. No entanto, nas mais recentes recomendações para o EAM com supradesnivelamento de ST10 o uso de bloqueadores beta mantém uma classe IIa e nível de evidência B, mas ainda não incorporam na sua redação a nova informação que este estudo reporta, o que poderá justificar no futuro uma despromoção para o uso de bloqueadores beta após a alta em doentes pós‐EAM sem evidência de insuficiência cardíaca ou disfunção ventricular.
Para além das potenciais consequências no nível de recomendação dado aos bloqueadores beta no pós‐EAM, estes resultados alertam‐nos sobretudo para a necessidade de rever a evidência de terapêuticas estabelecidas quando o paradigma de tratamento mudou drasticamente. Parafraseando Albert Einstein, «o importante é não parar de questionar».
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.