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Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 147-149 (fevereiro 2015)
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Artigo Recomendado Do Mês
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Comentário a «A relação da trabeculação ventricular esquerda com a função e estrutura do ventrículo num período de seguimento superior a 9,5 anos. O estudo MESA»
Comment on “The relationship of left ventricular trabeculation to ventricular function and structure over a 9.5 year follow‐up. The MESA study“
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Ana G. Almeida
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Zemrak F, Ahlman MA, Captur G, Mohiddin SA, Kawel‐Boehm N, Prince MR, Moon JC, Hundley WG, Lima JAC, Bluemke DA, Petersen SE. The Relationship of Left Ventricular Trabeculation to Ventricular Function and Structure Over a 9.5‐Year Follow‐Up. The MESA Study. J Am Coll Cardiol 2014;64:1971–80

Abstract

BACKGROUND Left ventricular (LV) trabeculation is highly variable among individuals and is increased in some diseases (e.g., congenital heart disease or cardiomyopathies), but its significance in population‐representative individuals is unknown.

OBJECTIVES The goal of this study was to determine if excessive LV trabeculation in population‐representative individuals is associated with preceding changes in cardiac volumes and function.

METHODS For technical reasons, the extent of trabeculation, which is expressed as the ratio of noncompacted to compacted (NC/C) myocardium, was measured on cardiac magnetic resonance (CMR) long‐axis cine images in 2,742 participants in the MESA (Multi‐Ethnic Study of Atherosclerosis) (mean age 68.7 years; 52.3% women; 56.4% with hypertension; 16.8% with diabetes) at examination 5. These were considered in quintiles of trabeculation extent; the NC/C ratio of quintile 5 was 2.46 to 5.41. We determined the relationship between the maximal NC/C ratio and the preceding change (9.5 years between examinations 1 and 5) in end‐systolic volume indexed (ESVi) to body surface area. Secondary analyses assessed the associations between the maximal NC/C ratio and preceding changes in end‐diastolic volume indexed (EDVi) to body surface area and the ejection fraction (EF).

RESULTS Over 9.5 years, the ESVi decreased by 1.3ml/m2, the EDVi decreased by 5.1ml/m2, and the EF decreased by 0.6% (p<0.0001). Even in subjects with excessive trabeculation, there were no clinically relevant differences in LV volumes and systolic function changes among the quintiles of trabeculation extent.

CONCLUSIONS Greater extent of, and even excessive, LV trabeculation measured in end‐diastole in asymptomatic population‐representative individuals appeared benign and was not associated with deterioration in LV volumes or Function during an almost 10‐year period.

Comentário

O miocárdio não compactado (MNC) é uma miocardiopatia relativamente rara, com uma prevalência estimada em 0,014‐0,17%1,2, caracterizada pela presença de trabeculações proeminentes do miocárdio ventricular esquerdo, com recessos profundos em comunicação com a cavidade, redundando em uma aparência esponjosa.

Estruturalmente, observam‐se duas camadas na parede ventricular, uma interna não‐compactada e uma externa, subepicárdica, compactada, com características macroscópicas mais próximas do miocárdio normal. Esta miocardiopatia pode ser assintomática e não se associar a complicações ou acompanhar‐se de depressão da função sistólica e diastólica, insuficiência cardíaca, arritmias supraventriculares e ventriculares, perturbações da condução ou fenómenos trombo‐embólicos3–5. Descrita pela primeira vez há 25 anos4,5, permanece ainda enigmática e controversa. Tem sido classificada pela Sociedade Europeia de Cardiologia como uma «miocardiopatia não classificada» e pela American Heart Association como uma miocardiopatia genética, sendo proposto como mecanismo causal a paragem da normal compactação ventricular durante a embriogénese6,7.

Estão descritos fenótipos de MNC em associação a doenças neuromusculares, assim como a cardiopatias congénitas, sobretudo as que apresentam malformações com obstáculos ventriculares4,5. Contudo, a forma comum de MNC isolada permanece um desafio no que respeita ao mecanismo subjacente e às apresentações clínicas, pois surge quer na infância quer no adulto quer em formas heredo‐familiares, estando nestes casos identificadas diferentes mutações que codificam proteínas sarcoméricas, do citosqueleto ou da membrana nuclear8–10.

Uma das áreas de maior desafio relaciona‐se com o seu diagnóstico. O método de imagem mais acessível é a ecocardiografia, mas a ressonância magnética cardíaca (RMC), devido à sua maior resolução espacial e ausência de limitações de janela (nomeadamente na área apical), apresenta maior acuidade diagnóstica, sendo uma modalidade de referência quando permanecem dúvidas pela ultrassonografia.

Têm sido propostos vários critérios diagnósticos com base nos métodos de imagem, que utilizam o estudo do número de trabéculas com origem na região apical distal aos músculos papilares10, a razão entre a espessura da camada não compactada e a compactada11,12, ou a razão entre a massa não compactada e a massa ventricular13, sendo, contudo, estes critérios derivados de pequenas populações e não validados prospetivamente, havendo também concordância limitada entre os vários critérios.

O avanço das técnicas de imagem nos últimos anos, nomeadamente a utilização crescente da RMC, tem revelado a presença de trabeculações ventriculares expressivas, e frequentemente preenchendo os critérios de imagem propostos para o MNC, em indivíduos sem doença aparente, conduzindo a estratégias de reavaliação sistemática dos indivíduos e seus familiares ao longo do tempo, com o objetivo de detetar atempada e precocemente o desenvolvimento de possíveis manifestações patológicas ou sinais evidentes de risco: estes casos são assim considerados como em fase de miocardiopatia pré‐clínica.

O presente subestudo do estudo Multi‐Ethnic Study of Atherosclerosis (MESA)14, que incluiu 2742 indivíduos adultos, sem doença cardíaca e estudados sistematicamente por RMC, utilizando os critérios de Peterson et al. para MNC, permitiu identificar em 25% dos indivíduos um critério de MNC presente em ≥1 segmento e 8% de indivíduos com não‐compactação em ≥2 segmentos. Ao longo de 9,5 anos de seguimento, verificou‐se ligeiro aumento das dimensões ventriculares e discreta redução da fração de ejeção, não havendo diferenças entre os quintis relativos à extensão da não‐compactação. O número de eventos durante o longo período de seguimento foi reduzido (cerca de 4%), traduzindo uma evolução benigna.

Este estudo impõe importantes reflexões e ilações. No que diz respeito à validade dos critérios utilizados, a simplicidade e a reprodutibilidade do critério proposto por Petersen et al. para o diagnóstico por RMC levam à sua ampla aplicação na clínica, sem contudo se poder deixar de considerar o eventual valor de outros métodos potencialmente mais específicos. A análise da probabilidade pré‐teste de miocardiopatia, proposta pelos autores (tendo em consideração a presença de história familiar ou de manifestações cardiovasculares), será certamente uma orientação útil na estratégia do diagnóstico. As consequências imediatas desta estratégia seriam assim a suspensão de atitudes diagnósticas ou terapêuticas adicionais em indivíduos com o fenótipo de MNC assintomáticos, sem manifestações cardiovasculares e sem história familiar. Contudo, são necessários estudos adicionais prospetivos que permitam identificar as variáveis clínicas, de imagem (obtidas possivelmente de multimodalidade) e genéticas, suscetíveis de permitirem criar algoritmos diagnósticos com mais elevada acuidade diagnostica.

É possível que outros avanços possam fornecer dados adicionais com utilidade acrescida. De referir, nomeadamente, a recente técnica matemática representada pela análise fractal, dirigida ao estudo de trabeculações complexas, permitindo o diagnóstico imagiológico de MNC com elevada precisão15.

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