Apesar de a aterectomia rotacional (AR) ter sido descrita inicialmente em 1986 como uma técnica de trombectomia mecânica1, foi a possibilidade de reduzir o baurotrauma e consequentemente a reestenose que veio a interessar a vários investigadores2–6. Ao contrário da angioplastia de balão em que o ganho luminal imediato é obtido pela distensão (stretching) da parede arterial7–9, a aterectomia rotacional atua por um mecanismo de ação distinto, que consiste na pulverização da placa de ateroma com a sua consequente remoção (debulking)10. Ao conseguir diminuir a quantidade de placa residual após angioplastia, um dos mais importantes fatores predizentes de reestenose como vários estudos com IVUS o demonstraram11, havia a expectativa de que a AR pudesse reduzir a reestenose. No entanto, verificou-se que o loss index, um parâmetro que traduz a quantidade de perda luminal durante o seguimento, refletindo por isso a eficiência da técnica em termos de reestenose, não era melhor do que na angioplastia de balão3. Em algumas séries da era «pré-stent», a AR manteve altas taxas de reestenose (tão altas como 40%) apesar de induzir um menor baurotrauma aparente e um menor número de disseções3.
Vários estudos como o DART3, o ERBAC4, o STRATAS5 o CARAT trials6 ou meta-análises12, também não suportaram o uso da AR como meio para reduzir a reestenose no que se acabou por traduzir num decréscimo na utilização desta técnica, que na Europa atualmente é inferior a 5%.
O uso generalizado de stents metálicos principalmente depois de 1995 levou ao aparecimento duma nova entidade denominada por reestenose intrastent. A AR, pela possibilidade que oferecia de remoção da placa neo-formada, surgia como a técnica lógica para o tratamento desta patologia, tornando-se num novo nicho de utilização. No entanto os resultados do estudo ARTIST não confirmaram os benefícios desta estratégia neste grupo de doentes13. Com o aparecimento dos stents farmacoativos (drug-eluting stents), a utilização da AR voltou a diminuir dado que estes passaram também a ser utilizados para o tratamento da reestenose intrastent através duma técnica denominada de sandwich14.
Vários outros nichos de utilização da AR foram descritos, todos eles mais resultado de «habilidades» técnicas mas sem validação clínica. Alguns exemplos deste tipo de aplicação são o uso da AR para destruição de struts de stents em side-branches enjaulados15, ou de crushed stents com reestenose em bifurcações16. Também foram descritos usos em oclusões17 de vasos calcificados e lesões ostiais principalmente da coronária direita e de bypasses.
Neste número, Luís Seca et al. relatam os resultados da sua experiência com uso de aterectomia rotacional como técnica de preparação da placa de ateroma calcificada antes da colocação de stents farmacoativos. De salientar neste trabalho a alta prevalência de doentes que tinham sido recusados para cirurgia (65%), percentagem esta bastante acima da maioria de outros trabalhos publicados, não sendo claro quais foram os fatores que motivaram a recusa cirúrgica. No entanto, nesta série de doentes, verificou-se a existência dum grande número de características clínicas e angiograficas adversas tais como: diabetes (55%), insuficiência renal (21%) e lesões tipo C (69%). A oliva mais utilizada e de forma exclusiva foi a de 1,25mm (62%), com um tamanho médio de oliva de 1,43mm e um ratio médio de oliva/vaso de 0,46 traduzindo a opção dos operadores pela estratégia de plaque modification e não a de debulking.
O tempo médio de angioplastia foi de 110,2±30 minutos, revelador da maior complexidade técnica deste procedimento, não tendo no entanto sido referida informação sobre a quantidade de contraste gasto, fator importante numa população com alta prevalência de diabetes e insuficiência renal. Num seguimento relativamente curto de 9 meses não se registaram mortes e o número de MACES para o tipo de população estudada foi baixo, levando os autores a concluir que a aterectomia rotacional, seguida da colocação de stents farmacoativos em doentes com lesões muito calcificadas, apresenta uma baixa taxa de complicações e bons resultados à distância num seguimento de 9 meses.
Apesar destes excelentes resultados, a aterectomia rotacional foi utilizada neste centro em apenas em 2,5% dos casos, mesmo assim acima da média nacional que é de 1,36% segundo os últimos dados do CNCDC referentes a 2010-2011.
Nos dias de hoje a calcificação grave dos vasos continua a ser um dos importantes desafios colocados ao cardiologista de intervenção, não só pela maior dificuldade em avançar e implantar stents ao longo dos vasos calcificados como também pelo maior número de complicações que podem ocorrer nesta anatomia. Nestes pacientes, a AR continua a ser verdadeiramente a única técnica disponível, capaz de «preparar» o vaso de forma a conseguir implantar stents, particularmente se a distribuição do cálcio for superficial.
O racional para o uso de AR antes da colocação de stents baseia-se em vários pressupostos: 1) diminuição do risco de oclusão aguda pela criação dum lúmen mais regular com menos baurotrauma; 2) diminuição do risco de reestenose intrastent através dum maior ganho luminal; 3) diminuição do risco de reestenose intrastent através duma menor quantidade de placa residual; 4) diminuição do risco de trombose aguda de stent através duma melhor expansão do stent e duma melhor aposição do stent à parede arterial.
Dado que atualmente os stents farmacoativos constituem a principal estratégia terapêutica do cardiologista de intervenção, torna-se fundamental assegurar que, em doentes com vasos muito calcificados, estes possam ser colocados suficientemente expandidos e apostos à parede do vaso, dado que uma inadequada expansão dos stents é um dos mais importantes fatores predizentes de trombose aguda e tardia, assim como de reestenose18.
Outros estudos recentes na época dos stents farmacoativos19 com seguimentos até 4 anos mostraram altas taxas de sucesso imediato (97,1%) com uma mortalidade de 4,9% num seguimento médio de 15 meses. No entanto a incidência de trombose de stents foi de 4,8% refletindo a anatomia de alto risco destes pacientes.
Em relação à técnica de rotablator vários estudos20,21, inclusive o estudo STRATAS, vieram modificar a técnica inicial, com reduções significativas na incidência de no-reflow e na redução do enfarte peri-procedimento. Assim, atualmente advoga-se o avanço lento do cateter de AR em pequenos movimentos de vai-vém (pecking), com períodos de ablação mais curtos inferiores a 30 segundos e velocidades de oliva menores, na ordem dos 140 000 – 150 000 rotações por minuto, tentando evitar quedas de velocidade maiores que 5000 rotações por minuto.
Finalmente, a preparação de placa obtida pela AR, aumentando a distensibilidade do vaso, permite pensar que em doentes com doença mais difusa se possa considerar o uso de balões farmacoativos.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.