A hipertensão arterial de bata branca (HBB) é, por definição, caracterizada pela apresentação, em doentes não medicados, em ambiente de consultório médico, de valores tensionais acima dos 140/90mmHg e, fora do ambiente de consultório médico, de valores tensionais considerados normais1–6. A avaliação tensional é feita por monitorização ambulatória da pressão arterial ([MAPA] método preferencial), por automedição de ambulatório em pelo menos três vezes e em momentos diferentes por medição casual1–6. Esta entidade foi descrita pela primeira vez por Pickering, na década de 19807. Esta situação não deve ser confundida com o fenómeno da subida dos valores tensionais perante a presença do médico – fenómeno da bata branca ou reação de alerta8, pois a reação de alerta tanto surge em doentes não hipertensos (HT) como em doentes HT, medicados ou não medicados9. Para muitos investigadores, a reação de alerta e a HBB são a expressão do mesmo fenómeno fisiopatológico10–12. Almeida et al.13 respeitaram a definição de HBB no artigo que apresentam nesta publicação, ou seja, fenómeno restrito a doentes não medicados. A distinção entre reação de alerta e HBB, conforme referido, implica dois factos:
- 1.
O mecanismo que provoca a reação de alerta pode não ser o mesmo que provoca a HBB, e Pickering avançou nesse sentido, sugerindo que, no caso da reação de alerta, se pode tratar de resposta adaptada e «fisiológica» do sistema nervoso simpático9.
- 2.
A HBB está associada a ausência de medicação.
A premissa da ausência de medicação retira ruído de confusão e interpretação aos resultados, removendo indivíduos categorizados como «HT medicados falsos resistentes» pelas diretrizes europeias1 e pela Position paper on ambulatory blood pressure da ESH2, que em alguns artigos publicados são categorizados como HBB14–18.
Em termos fisiopatológicos, é provável que os mecanismos de regulação intrínseca da pressão arterial sejam diferentes em indivíduos normotensos (NT) que apresentam valores de pressão arterial elevados apenas no período da visita médica/período de stresse (HBB) quando em comparação com indivíduos HT, mesmo os que apresentam a pressão arterial controlada (com medicação) e que apresentam valores elevados no período de visita médica. Nestas situações, é também necessário considerar a história da hipertensão arterial e a presença de comorbilidades.
Neste estudo transversal de Almeida et al., compara‐se pela primeira vez, de forma emparelhada para a idade, sexo e índice de massa corporal (IMC), indivíduos NT, HBB e HT, relativamente à velocidade de onda de pulso, índice de rigidez aórtica, onda de pressão central, incluindo ondas de reflexão retrógrada (Orr). Também pela primeira vez, estende‐se o conceito de HBB ao período noturno, uma vez que os trabalhos anteriores referem‐se apenas ao período diurno da MAPA11,12. Acresce que os HT teriam que cumprir terapêutica anti‐hipertensora estável há pelo menos seis meses e com valores tensionais controlados por MAPA de 24 horas.
A questão de incluir o período noturno na definição de HBB aumenta o rigor de diagnóstico de HBB, inclui o período com maior significado prognóstico para eventos cardiovasculares19 e exclui, de forma eficaz, os indivíduos que possam ser HT apenas durante o período noturno (ex: hipertensão arterial noturna isolada). Além disso, ao emparelhar as amostras HBB, HT e NT ajustadas à idade, género e IMC, reduz‐se o enviesamento da interpretação de resultados, ao nível de casuísticas significativamente diferentes entre amostras de NT, HT e HBB11,20–23. Contudo, o conhecimento, no grupo HT, do grau de severidade e história da hipertensão arterial, e, no caso dos três grupos, da história de comorbilidades como diabetes, dislipidemia, tabagismo facilitaria a análise do modo como estes fatores podem interferir na distensibilidade do vaso11,24,25. Os autores, na discussão, destacaram a controvérsia existente na literatura em relação ao valor prognóstico da HBB. Tal deve‐se, em parte, à disparidade de resultados encontrados. Parte dessa disparidade, conforme referido, é fruto do uso incorreto, na mesma amostra, de HBB e de «HT medicados falsos resistentes»12,26,27. Mas, excluindo esse elemento de confusão, os autores verificaram, de forma clara, que os índices de rigidez vascular, a pressão aórtica central e as ORr dos HBB não diferem dos NT e são inferiores aos dos HT. Separando os HBB em dois subgrupos relativos a pressão arterial sistólica avaliada por MAPA (<120mmHg e 120‐129mmHg), encontram‐se resultados semelhantes, apontando que a HBB possa constituir entidade benigna comparativamente com a hipertensão arterial. Na realidade, os componentes pulsáteis da onda de pressão aórtica são importantes e determinantes dos eventos cardiovasculares28–30. Wimmer et al.23 compararam a pressão central aórtica avaliada através de tonometria de aplanamento, entre NT e HBB, encontrando pressão central aórtica superior nos HBB, sugerindo que estes teriam risco cardiovascular acrescido. É de realçar, contudo, que nessa amostra os HBB eram dez anos mais velhos do que os NT. Sung et al.11 compararam, num estudo longitudinal e com follow‐up de 15 anos, pré‐HT com HBB, NH e HT. Mas, mais uma vez, nesse estudo os HBB eram dez anos mais velhos que os NT.
Sung et al.11, no trabalho publicado, realçam dois pontos: 1) um dos mecanismos determinantes na fisiopatologia da HBB é a idade vascular; 2) a gravidade da HBB poderá depender da intensidade das ORr. Refira‐se que, sobre o ponto 1, Cunha et al. encontraram, num estudo populacional referente a duas cidades do norte de Portugal25, velocidade de onda de pulso média elevada comparativamente aos valores de referência europeus, principalmente nos indivíduos jovens, refletindo envelhecimento vascular precoce associado a presença de maior comorbilidade. Relativamente ao ponto 2, as ORr de grande intensidade foram associadas à presença de lesões de órgão alvo e risco acrescido de mortalidade cardiovascular, comparativamente com os HBB que não apresentam ORr de grande intensidade. A separação em ORr pouco intensas versus ORr muito intensas é nítida na avaliação das curvas de sobrevivência de Kaplan Meier livre de eventos. Seria assim possível, segundo os autores, através da avaliação das OR, avaliar o prognóstico cardiovascular da HBB.
O trabalho de Almeida et al. encontrou, nos HBB comparativamente aos HT, um perfil benigno de distensibilidade aórtica e pressão arterial central, sugerindo menor intensidade das ORr. Assim, e pela primeira vez, um estudo transversal compara HBB, HT e NT, e os critérios de inclusão da HBB e HT incluem os valores do período noturno, período com maior valor prognóstico cardiovascular.
São necessários futuros estudos longitudinais com poder de análise estatística adequado, de forma a confirmar (ou não) o caráter de benignidade da HBB sugerido neste trabalho.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.