William Abraham, Michael Zile, Fred Weaver, Christian Butter, Anique Ducharme, Marcel Halbach, Didier Klug, Eric G. Lovett, Jochen Müller‐Ehmsen, Jill Schafer, Michele Senni, Vijay Swarup, Rolf Wachter, William Little. Journal of the American College of Cardiology: Heart Failure 2015 vol 3, n° 6: 487‐96
Objectives: The objective of this clinical trial was to assess the safety and efficacy of carotid baroreflex activation therapy (BAT) in advanced heart failure (HF).
Background: Increased sympathetic and decreased parasympathetic activity contribute to HF symptoms and disease progression. BAT results in centrally mediated reduction of sympathetic outflow and increased parasympathetic activity.
Methods: Patients with New York Heart Association (NYHA) functional class III HF and ejection fractions <35% on chronic stable guideline‐directed medical therapy (GDMT) were enrolled at 45 centers in the United States, Canada, and Europe. They were randomly assigned to receive ongoing GDMT alone (control group) or ongoing GDMT plus BAT (treatment group) for 6 months. The primary safety end point was system‐ and procedure‐related major adverse neurological and cardiovascular events. The primary efficacy end points were changes in NYHA functional class, quality‐of‐life score, and 6‐minute hall walk distance.
Results: One hundred forty‐six patients were randomized, 70 to control and 76 to treatment. The major adverse neurological and cardiovascular event–free rate was 97.2% (lower 95% confidence bound 91.4%). Patients assigned to BAT, compared with control group patients, experienced improvements in the distance walked in 6min (59.6±14m vs. 1.5±13.2m; p=0.004), quality‐of‐life score (–17.4±2.8 points vs. 2.1±3.1 points; p <0.001), and NYHA functional class ranking (p=0.002 for change in distribution). BAT significantly reduced N‐terminal pro–brain natriuretic peptide (p=0.02) and was associated with a trend toward fewer days hospitalized for HF (p=0.08).
Conclusions: BAT is safe and improves functional status, quality of life, exercise capacity, N‐terminal pro–brain natriuretic peptide, and possibly the burden of heart failure hospitalizations in patients with GDMT‐treated NYHA functional class III HF.
ComentárioA insuficiência cardíaca crónica (IC) representa um problema crescente de saúde pública que afeta 1‐2% da população adulta nos países desenvolvidos (aumenta para >10% nas pessoas com idade superior a 70 anos), associando‐se não só a elevados custos, relacionados com limitações no desempenho da atividade profissional, hospitalizações recorrentes e utilização dos recursos clínicos, mas também a elevada mortalidade e compromisso da qualidade de vida1,2.
Apesar da evolução favorável dos resultados obtidos com as opções farmacológicas e de dispositivos implantáveis no tratamento da IC com função sistólica diminuída, e do cumprimento da sua implementação nas recomendações internacionais, 25‐35% dos doentes mantêm‐se muito sintomáticos, com limitações importantes da sua capacidade funcional, apresentando um impacto negativo na qualidade de vida com taxas significativas de hospitalizações e mortalidade3. Este contexto epidemiológico constitui um desafio para a investigação no sentido da melhor compreensão dos mecanismos subjacentes à etiologia e dinâmica da história natural da IC, mas também à possibilidade de novas abordagens terapêuticas, complementares às estratégias atualmente disponíveis.
A fisiopatologia da IC é caracterizada por sinais cardiovasculares de aumento da atividade simpática e diminuição da atividade parassimpática, com repercussões adversas a nível cardíaco, vascular e renal4. Este desequilíbrio do sistema nervoso autónomo (SNA) e a disfunção do barorreflexo a que se associa são considerados marcadores independentes de pior prognóstico5 e representam hoje um interessante alvo terapêutico na IC numa perspetiva de modulação da ativação autonómica, por forma a corrigir a disfunção do sistema obtendo benefícios clínicos desejáveis (com níveis de segurança adequados).
Uma das alternativas recentemente propostas nesta nova modalidade de tratamento é a terapêutica de ativação do barorreflexo (TAB), que permite uma forma de modulação contínua do SNA com recurso a um sistema de eletroestimulação através dum dispositivo semelhante a um pacemaker, com o gerador implantado em loca infraclavicular e o elétrodo (desenhado para o efeito) colocado sobre o seio carotídeo (área rica em barorrecetores) (Figura 1). Através da estimulação dos barorrecetores carotídeos obtém‐se redução do fluxo simpático central e aumento da atividade parassimpática.
No presente artigo, são apresentados os resultados dum estudo clínico multinacional (Europa, Canadá e Estados Unidos da América), prospetivo, randomizado, controlado, para avaliar os efeitos da TAB em doentes com IC em fase avançada. Foi selecionada uma população em classe III da NYHA (isquémicos e não isquémicos), com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) <35%6. Para a inclusão no estudo, os doentes deveriam estar sob terapêutica crónica estável, seguindo as recomendações internacionais, sendo excluídas situações de instabilidade clínica (ou classe IV da NYHA). Apenas os casos com características anatómicas vasculares adequadas para a implantação foram considerados para participar. Doentes com implantação de cardioversor‐desfibrilhador (CDI) nos 90 dias prévios ou sistema de ressincronização cardíaca (TRC) nos seis meses anteriores foram também excluídos. A população foi randomizada para terapêutica otimizada (grupo controlo) ou terapêutica otimizada + TAB. Após a implantação do dispositivo seguiu‐se a programação por etapas (up‐titrated) da intensidade de estimulação por forma a não obter efeitos indesejáveis, nomeadamente diminuição excessiva da frequência cardíaca ou da pressão arterial (PA).
Foram consideradas as seguintes variáveis: classe funcional NYHA, qualidade de vida (Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire), teste de marcha (6min), dimensões e FEVE por ecocardiografia e péptido natriurético cerebral (NT‐proBNP), bem como a taxa de eventos adversos relacionada com o sistema e procedimento. Foram incluídos 146 doentes (70 no grupo controlo e 76 no grupo com TAB). A média de idades era de 65 anos, com FEVE de 25%, fibrilhação auricular em cerca de 45% dos casos, NT‐proBNP>1100pg/ml e CDI em >85% ou TRC em >30% dos doentes. Uma amostra bem representativa da prática clínica no mundo real!
Ao longo dos seis meses de seguimento, 97,2% da população esteve livre de eventos adversos relacionados com o sistema e procedimento (hematoma, bradicardia, hipotensão, pneumotórax ou cervicalgia).
Um aspeto interessante refere‐se ao facto de nos 93% dos doentes com dispositivos previamente implantados (CDI ou TRC) não ter ocorrido interação com o desempenho de qualquer dos equipamentos. Além disso, a TAB foi bem tolerada (os doentes eram normotensos e não houve descida significativa da PA) e o limiar de estimulação, depois duma subida inicial, manteve‐se estável depois dos três meses.
Comparando os dois grupos, os resultados mostraram benefícios estatisticamente significativos para a TAB no que respeita à classe funcional NYHA, qualidade de vida, teste de exercício, NT‐pro‐BNP (desceu no grupo TAB e aumentou no grupo controlo). A FEVE melhorou (estatisticamente não significativo) no grupo TAB e teve uma ligeira redução no grupo controlo. Finalmente, a comparação entre grupos na taxa de hospitalização por IC aos seis meses mostrou uma tendência para a diminuição (p=0,08), com menos dias de internamento (p=0,05), verificando‐se uma diminuição significativa dos internamentos na comparação pré versus pós‐TAB, que não se registou no grupo controlo.
Os dados obtidos são estimulantes e abrem uma nova perspetiva no tratamento de doentes com IC grave e FEVE reduzida. Na realidade, os benefícios obtidos (embora não analisando a mortalidade e sem dimensão para end‐points de evolução clínica), com um perfil de segurança semelhante aos de outros dispositivos implantáveis, deixam antever a justificação para estudos de maior dimensão focados em objetivos clínicos (hard‐points).
As limitações desta publicação envolvem o facto de não haver um grupo sham (submetido a implantação, mas com dispositivo off) – que não explicaria a diferença significativa no padrão de evolução do NT‐proBNP – e da amostra não ter sido seguida por mais de seis meses, nem ter sido dimensionada para avaliação do impacto no prognóstico. De qualquer modo, a população é bem representativa dos doentes que acompanhamos na prática clínica hospitalar e encontrava‐se sob tratamento otimizado de acordo com o estado da arte.
Esperemos que esta etapa inovadora na abordagem da IC venha a ser consolidada em estudos de maior escala, por forma a podermos complementar com sucesso o tratamento de doentes com IC grave e disfunção sistólica ventricular.