O artigo publicado no presente número da revista1, baseado no registo nacional de cardiologia de intervenção, tem o mérito de publicar, pela primeira vez em Portugal, a utilização de IVUS em angioplastia. Há uma evidência crescente em estudos observacionais2, randomizados e controlados (RCTs)3 e meta‐análises4,5 que a angioplastia guiada por imagem intravascular e principalmente por IVUS não só melhora o resultado agudo do procedimento, mas melhora os outcomes clínicos. Apesar disso, a adoção de imagem intracoronária mantém‐se limitada na prática clÍnica e é altamente heterogénea de região geográfica para região geográfica6. Nesta publicação6, pode observar‐se a enorme discrepância na utilização de IVUS na Europa e Japão. No inquérito efetuado, apenas 10,4% dos operadores na Europa utilizavam imagem em mais de 15% dos casos (grandes utilizadores de IVUS). No entanto, no Japão 96,6% dos operadores foram definidos como grandes utilizadores. Estamos muito longe das percentagens do Japão, como sugere o título. Em Portugal a utilização está entre os 0,1% e 3,6% em 2009, do número total das angioplastias. Curiosamente, desde essa data, o número total de angioplastias tem vindo a ser crescente, mas o número total de IVUS não se alterou e portanto a percentagem de utilização baixou.
No maior estudo observacional efetuado que incluiu 8583 doentes, all‐comer (ADAPT‐ DES), evidenciou‐se um marcado benefÍcio da angioplastia guiada por IVUS em doentes com Síndromes Coronárias Agudas (SCA) e lesões complexas2. Numa meta‐análise de 20 estudos ficou demonstrado o benefício do IVUS guidance, com respeito à mortalidade e MACE, particularmente em doentes com SCA e lesões complexas: Tronco comum (Tc), oclusões crónicas e lesões longas 7. Em estudos não randomizados é extensa a evidência científica sobre a angioplastia guiada por IVUS no Tc. No maior estudo publicado, que incluiu 1670 doentes com lesões do tronco comum tratados com Drug Eluting Stents (DES), na análise de propensity score‐matched, a utilização de IVUS relacionou‐se com a redução de MACE (morte cardíaca, enfarte do miocárdio ou TLR) aos três anos (11,3% versus 16,4%, p = 0,04)8. Stents maiores, com melhor expansão, mais frequentemente pós‐dilatados e a utilização de um só stent, associoram‐se ao uso de IVUS, que foi um fator independente da redução de MACE, principalmente em situações de lesão distal do Tc [hazard ratio (HR) 0,54 (0,34–0,90)]8. Num estudo observacional, MAIN‐COMPARE, foi também observado um trend na redução da mortalidade, com a utilização de IVUS na angioplastia do Tc9. Também os resultados do registo estiveram de acordo com os resultados dos estudos e o IVUS foi mais utilizado em doença multivaso e lesões mais complexas. No entanto, na angioplastia do Tc, só foi utilizado em 19,5% dos casos. De facto estamos muito longe do Japão, mas será que esta diferença se traduz em piores resultados? Só uma análise prospetiva dos outcomes no registo nacional poderia responder a esta pergunta…
Se o valor clínico na utilização de IVUS é indiscutível, porquê a subutilização verificada em Portugal? Um dos pontos‐chave parece ser o tempo gasto na sua realização. No entanto, com um staff de técnicos e enfermeiros bem treinados, como temos nos nossos laboratórios, esse aspeto parece‐me irrelevante. Outro aspeto importante é o custo do cateter. Nos países em que existe reembolso por angioplastia, com material pré‐definido, o IVUS não é pago e portanto isso pode refletir‐se numa baixa percentagem de utilização de imagem. Em Portugal o reembolso não é sobre o material, mas por GDH, não se justifica, por este motivo, a sua baixa utilização. Num estudo dedicado sobre o custo‐eficácia da utilização do IVUS na angioplastia com DES, demonstrou‐se que esta era custo‐efetiva, principalmente nos casos com uma maior probabilidade de restenose10. O treino adequado na aquisição e interpretação de imagens é, provavelmente, um fator adicional na baixa utilização de imagem intracoronária. As sociedades científicas e associações de intervenção, como a APIC, têm feito um esforço para a realização e divulgação desta técnica. Mas as percentagens de utilização não têm vindo a aumentar ao longo dos anos, apesar desse esforço de formação. Eventualmente, poderá haver uma nova geração de cardiologistas de intervenção que, devido à formação, pode utilizar mais a imagem, nomeadamente o OCT, devido ao atrativo e alto poder de resolução que essa técnica oferece, num mundo atual feito de imagens. Assim, admite‐se que o número de casos guiados por imagem (IVUS e OCT) aumentou no seu conjunto. Existe, no entanto, um aspeto que não nos devemos esquecer: nos doentes com insuficiência renal crónica a utilização de IVUS pode reduzir o risco de nefropatia de contraste; situação em que o OCT não deve ser utilizado.
A utilização de imagem coronária poderá trazer ensinamentos, mesmo nos casos em que não é utilizada. Será que os grandes utilizadores de imagem, mesmo quando não a utilizam, escolhem maiores stents, mais longos, fazem mais pós‐dilatações e escolhem melhores landing zones, comparados com os operadores exclusivamente angio guided? O estudo não está realizado, mas seria interessante efetuá‐lo. A imagem coronária veio mudar o conhecimento da angioplastia. Não nos podemos esquecer de que, nos idos anos 90, o IVUS foi determinante para mudarmos da anticoagulação para a dupla antiagregação com Ácido Acetilsalicílico e Ticlopidina. Devemos ao IVUS esse grande marco na história da cardiologia de intervenção.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflito de interesses.