A utilização da narrativa tem sido defendida como um caminho para a melhoria do conhecimento do doente e aperfeiçoamento da qualidade da prática médica1. Sendo este um movimento do fim do século XX, vem recuperar a ideia de William Osler, para quem era «mais importante conhecer o doente que tem a doença do que conhecer a doença que o doente tem»2.
Reconhecer as narrativas de doença como relevantes poderá permitir reduzir diferenças entre os modelos de conhecimento de doentes e de profissionais de saúde, resultando numa relação terapêutica mais próxima e empática1,3,4. Textos literários já são utilizados em termos de ensino médico e de prática clínica5–7, com resultados objetivos no controlo de doença7. Como Hannah Arendt referiu, a narrativa «revela o sentido sem cometer o erro de o definir»8.
Carlos Oliveira, extraordinário poeta, publicou Sobre o lado esquerdo em 1968, em livro com o mesmo nome.
Poema obviamente atravessado por preocupações sociais e politicas. Pela angústia que certamente sentia.
Como é que o traduziu? Descrevendo uma noite de insónia, uma insuportável tensão que se concentra no coração.
Segundo amigos do seu círculo próximo, Carlos Oliveira sentia‐se ameaçado por doença, uma constante das suas preocupações de vida. A imagem que utilizou neste poema, o coração como o foco de sofrimento, não será ela mesma uma persistente queixa na clínica quotidiana?
Sobre o lado esquerdoDe vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem‐se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «O melhor é voltar‐me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue para a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».
PatrocíniosNenhum.
Conflitos de interesseNenhum.