A síncope reflexa vasovagal afeta frequentemente uma população jovem estando associada a um prognóstico benigno em termos de mortalidade. No entanto, uma minoria de doentes apresenta episódios recorrentes com grande repercussão na sua qualidade de vida.
Desde meados dos anos 90 que a terapêutica com pacemaker tem sido proposta neste grupo de doentes, em caso de insucesso da estratégia conservadora. Inicialmente, os estudos não aleatorizados e os estudos aleatorizados abertos mostraram resultados promissores, associados, no entanto, a um considerável efeito placebo. Recentemente, uma abordagem baseada na utilização do detetor de eventos implantável revelou que alguns doentes com síncope reflexa vasovagal podem beneficiar da implantação de pacemaker de dupla câmara, nomeadamente doentes com mais de 40 anos, com episódios recorrentes de síncope, com consequências graves para os doentes, e com documentação de uma longa assistolia (≥3s de assistolia com síncope ou ≥6s de assistolia sem síncope) no detetor de eventos implantável.
Os autores efetuaram uma revisão da literatura relativamente ao papel do pacing cardíaco na síncope reflexa vasovagal e propõem um algoritmo de decisão diagnóstica e terapêutica para os pacientes com síncope de provável etiologia reflexa.
Reflex vasovagal syncope often affects young populations and is associated with a benign prognosis in terms of mortality. However, a minority of patients have recurrent episodes, with a considerable impact on their quality of life.
Pacemaker therapy has been an option in these patients since the 1990s if a conservative strategy fails. Initially, non‐randomized and open‐label randomized trials showed promising results, but these studies were associated with a significant placebo effect. Recently, an approach based on the use of implantable loop recorders has shown that some patients with reflex vasovagal syncope could benefit from implantation with dual‐chamber pacemakers, particularly patients aged >40 years, with recurrent syncopal episodes resulting in frequent injuries, in whom a long asystole (≥3 s asystole with syncope or ≥6 s asystole without syncope) has been documented with an implantable loop recorder.
The authors present a literature review on the role of cardiac pacing in reflex vasovagal syncope and propose a diagnostic and therapeutic decision flowchart for patients with syncope of probable reflex etiology.
A síncope é definida como uma perda de conhecimento de início rápido, de curta duração e com recuperação espontânea e completa, causada por uma hipoperfusão cerebral global1. A incidência de síncope estimada com base no estudo Framingham2 é de 6,2/1000 pessoas/ano. A prevalência de síncope pode atingir até 50% caso se considere a ocorrência de pelo menos um episódio durante a vida3,4.
A etiologia mais frequente de síncope é a síncope reflexa vasovagal, afetando com maior frequência uma população mais jovem. A síncope reflexa vasovagal está associada a um prognóstico benigno (especialmente no que concerne à mortalidade)2. As intervenções terapêuticas têm em conta esse prognóstico benigno consistindo essencialmente em alterações do estilo de vida e na realização de manobras para evitar o episódio sincopal. Existem outras intervenções terapêuticas que podem ser utilizadas apesar de ainda não apresentarem resultados sólidos em estudos aleatorizados, nomeadamente o treino de Tilt5–9 e a terapêutica farmacológica1. Apesar destas medidas, uma minoria de doentes apresenta episódios sincopais recorrentes com repercussão na sua qualidade de vida. A diminuição da qualidade de vida destes doentes com síncope reflexa vasovagal recorrente é comparável à de outras doenças crónicas, como a insuficiência renal crónica e síndromas depressivas recorrentes10–12.
A terapêutica com pacemaker tem sido proposta para o tratamento de alguns pacientes com síncope vasovagal recorrente que não respondem adequadamente às medidas terapêuticas não invasivas. De acordo com as recomendações europeias13, o pacing cardíaco deve ser considerado em pacientes com síncope reflexa vasovagal com idade ≥40 anos, episódios recorrentes e imprevisíveis e após a devida correlação dos sintomas com uma pausa sinusal e/ou bloqueio auriculoventricular (classe de recomendação IIa, nível de evidência B). Pode ainda ser considerado em doentes com idade ≥40 anos, síncopes recorrentes, nos quais foi documentada uma resposta cardioinibitória no teste Tilt (TILT) e após o insucesso de terapêuticas alternativas (classe de recomendação IIb, nível de evidência B). A terapêutica com pacemaker nos doentes com síncope reflexa vasovagal permanece assim controversa.
O objetivo dos autores foi efetuar uma revisão da literatura relativamente ao papel do pacing cardíaco na síncope reflexa vasovagal e propor um algoritmo de decisão em pacientes com síncope de provável etiologia reflexa.
Racional para o pacing na síncope reflexa vasovagalA síncope reflexa resulta de uma resposta cardiovascular inadequada que condiciona hipotensão e/ou bradicardia. A síncope reflexa é habitualmente classificada de acordo com o tipo de resposta predominante durante o TILT: tipo 1 ‐ mista, com ocorrência de hipotensão e bradicardia; tipo 2 ‐ cardioinibitória – quando existe um predomínio de assistolia ou bradicardia; tipo 3 ‐ vasodepressora – quando existe um predomínio de hipotensão1. O objetivo da terapêutica com pacing nesta etiologia é prevenir a ocorrência de bradicardia ou assistolia significativas e concomitantemente elevar a frequência cardíaca (FC) de forma a conseguir compensar a hipotensão.
Evidência inicial favorecendo o pacingEstudos não aleatorizadosA utilização de pacing em determinados pacientes com síncope reflexa é aceite desde a década de 90, existindo contudo muita controvérsia nos resultados atingidos. Wijesekera et al.14 na revisão que realizaram retratam essa contradição entre os resultados dos estudos publicados, referindo que nuns estudos tinha ocorrido benefício do pacing temporário durante a realização do TILT, enquanto noutros não existia benefício, com o pacing a consistentemente não conseguir evitar os episódios sincopais10. Após isso foram publicados diversos estudos não aleatorizados15–17 realizados em doentes com síncope e resposta cardioinibitória durante o TILT, que demonstraram que a implantação de pacemaker de dupla câmara resultava numa diminuição ou mesmo desaparecimento dos episódios sincopais na maioria dos doentes.
Estudos aleatorizados abertosDentro dos estudos aleatorizados abertos realizados sobre esta matéria, salientam‐se três estudos, o VPS I18, o VASIS19 e o SYDIT20, que pela sua relevância deram consistência à evidência da utilidade do pacing na síncope vasovagal.
No estudo VPS I18 foram incluídos 54 doentes com história de ≥6 episódios de síncope e que apresentaram bradicardia com síncope ou pré‐síncope no TILT. Os doentes foram aleatorizados em dois grupos, um grupo com e outro sem implantação de pacemaker de dupla‐câmara (com algoritmo de deteção de queda da FC). O estudo foi terminado precocemente após uma análise interina que mostrou uma redução muito significativa dos episódios sincopais no grupo dos doentes portadores de pacemaker (22 versus 70%, p<0,001).
No ano de 2000 foi publicado o estudo VASIS19 que incluiu 42 doentes com história de ≥3 episódios de síncope nos últimos dois anos e resposta cardioinibitória 2A ou 2B no TILT (86% dos pacientes apresentaram uma pausa superior a três segundos; média da pausa ventricular: 13,9±10,2 segundos). Os doentes foram aleatorizados em dois grupos, num dos quais foi implantado pacemaker de dupla câmara com algoritmo de histerese de frequência e no outro não foi implantado pacemaker. Os doentes com pacemaker, apresentaram uma redução significativa da recorrência dos episódios sincopais (5 versus 61%, p<0,001) em relação aos doentes sem pacemaker.
O estudo SYDIT20 publicado em 2001 foi um estudo aleatorizado que comparou o pacing de dupla câmara (com algoritmo de deteção de queda da FC) com a terapêutica beta‐bloqueante. Os 93 doentes aleatorizados apresentavam uma idade superior a 35 anos, ≥3 episódios de síncope nos últimos dois anos e síncope com bradicardia induzida no TILT. O estudo foi precocemente interrompido, após uma análise interina ter demonstrado que os doentes que implantaram pacemaker apresentaram uma redução considerável da recorrência de episódios de síncope (4,3 versus 25,5%, p=0,004).
Pacing ineficaz na síncope reflexa – efeito placebo?Estudos aleatorizados, de dupla ocultaçãoOs estudos aleatorizados abertos apresentavam, contudo, uma limitação importante, pois o benefício reportado poderia ser apenas devido ao efeito placebo associado ao procedimento cirúrgico21–23.
De modo a ultrapassar esta limitação, foram realizados estudos aleatorizados de dupla ocultação: os estudos VPS II24 e SYNPACE25.
No estudo VPS II24 foram incluídos 100 doentes com história de ≥6 episódios sincopais ou ≥3 episódios nos últimos dois anos e TILT positivo. Os doentes foram aleatorizados em dois grupos, um com implantação de pacemaker de dupla câmara (com algoritmo de deteção de queda da FC) com pacing ativo e outro com pacing inativo. A recorrência de síncope aos seis meses não foi estatisticamente diferente nos dois grupos (p=0,14), tendo ocorrido em 22 dos 52 doentes com pacing inativo (42%) e em 16 dos 48 doentes com pacing ativo (33%). De realçar que no estudo VPS I18, cerca de 80% dos pacientes a quem não foi implantado pacemaker apresentaram recorrência de síncope aos seis meses, enquanto no estudo VPS II somente 42% dos doentes no braço de pacing inativo apresentaram recorrência aos seis meses. No estudo SYNPACE25 foram incluídos doentes com história de ≥6 episódios de síncope e TILT positivo. O estudo terminou precocemente devido à publicação dos resultados do estudo VPS II e avaliação dos resultados da primeira análise interina. Na altura da análise interina tinham sido aleatorizados 29 doentes para implantação de pacemaker, uns com pacing ativo e outros com pacing inativo. Foi constatado que uma elevada percentagem de pacientes (50%) manteve episódios sincopais apesar da terapêutica com pacing ativo, sendo essa percentagem similar à observada em pacientes com pacing inativo (38%).
Estes dois estudos aleatorizados de dupla ocultação desacreditaram o benefício do pacing em doentes com síncope reflexa vasovagal, tendo atribuído o benefício apresentado nos estudos anteriores a um efeito placebo. A ineficácia do pacing ativo não constituiu uma surpresa estando provavelmente relacionada com a incapacidade da estimulação elétrica cardíaca em contrariar o componente vasodepressor do reflexo vasovagal, situação presente na maioria dos episódios sincopais e usualmente precedendo a resposta cardioinibitória e a bradicardia25.
O papel do detetor de eventos implantávelPerante a contradição dos resultados dos estudos, colocou‐se a hipótese de que a explicação residiria na seleção dos doentes. Uma análise do estudo SYNPACE mostrou que os doentes com pacing ativo e assistolia no TILT apresentaram uma tendência para prolongamento do tempo médio até à primeira recidiva25. Deste modo, levantava‐se a hipótese de que a terapêutica com pacemaker em doentes selecionados com base na presença de assistolia no TILT poderia ser benéfica.
Contudo, questionou‐se também se o TILT seria um bom método de seleção de doentes para pacemaker, uma vez que os doentes com síncope vasovagal apresentam perturbações de ritmo diferentes durante uma síncope espontânea e durante uma síncope induzida por TILT26,27.
Por outro lado, o detetor de eventos implantável (ILR) permite avaliar a existência de correlação da síncope espontânea com o eletrocardiograma (ECG). Em doentes com síncope inexplicada, o ILR mostrou uma correlação entre a síncope e o ECG em 35% dos casos, sendo que 56% destes apresentaram assistolia (ou bradicardia significativa num pequeno número de casos) durante o evento28–36. Num estudo recente de Furukawa et al.37, a taxa de diagnóstico com o ILR chegou aos 80% após quatro anos de seguimento.
O estudo ISSUE 238 foi um estudo prospetivo, multicêntrico, tendo sido implantados ILR em 392 doentes com idade >30 anos e ≥3 episódios de síncope nos últimos dois anos. Após um ano de seguimento foram aleatorizados os 103 doentes que apresentaram recorrência de síncope, tendo 53 recebido uma terapêutica específica (47 implantaram pacemaker, quatro efetuaram ablação de taquicardia, um implantou um cardiodesfibrilhador implantável e o outro efetuou terapêutica antiarrítmica) e os restantes ficaram sem terapêutica específica. Verificou‐se que os doentes que efetuaram uma terapêutica específica apresentaram uma diminuição significativa da recorrência de síncope a um ano (10 versus 41%, p=0,002) em comparação com o grupo de doentes que não recebeu nenhuma terapêutica específica.
Os doentes com síncope vasovagal recorrente e com assistolia documentada no ILR que implantaram pacemaker tiveram uma redução do risco relativo de recorrência de síncope superior a 80% em comparação com os que não implantaram pacemaker38. No entanto, o estudo ISSUE 2 não foi um estudo de dupla ocultação, colocando‐se a dúvida em relação à existência de um efeito placebo.
ISSUE 3 – a validação do pacing na síncope reflexa vasovagalO estudo ISSUE 339 foi um estudo aleatorizado, multicêntrico, de dupla ocultação, que incluiu doentes com idade ≥40 anos e ≥3 episódios de síncope nos últimos dois anos. Foram implantados ILR em 511 doentes e em 89 pacientes ocorreu uma assistolia ≥3 segundos associada à síncope ou assistolia ≥6 segundos na presença de pré‐síncope ou na ausência de sintomas. Dos 89 doentes, 77 aceitaram participar no estudo e foram aleatorizados para implantação de pacemaker de dupla câmara (com algoritmo de deteção de queda da FC) com pacing ativo ou com pacing inativo.
No estudo ISSUE 3, os 77 doentes que implantaram pacemaker tinham uma idade média de 63±13 anos, vários episódios de síncope (mediana de quatro episódios nos últimos dois anos), início dos episódios de síncope numa idade mais avançada e cerca de 2/3 de hospitalizações prévias por síncope. Em consequência dos episódios sincopais, os doentes tinham história de várias lesões (minor: 43%; major: 8%) possivelmente devido a uma apresentação atípica em 56% dos casos39. Dos 77 doentes que implantaram pacemaker, cerca de 80% apresentaram síncope com assistolia documentada ≥3 segundos (duração média de pausa: 11±4 segundos).
Salienta‐se ainda que dos 77 doentes aleatorizados, 33 (87%) do grupo pacing ativo e 32 (82%) do grupo de pacing inativo realizaram tilt. O tilt foi positivo em apenas 42% dos doentes do grupo com pacing ativo e em 72% de doentes do grupo pacing inativo. Em comparação, 79% dos doentes do grupo com pacing ativo apresentaram síncope e 82% dos doentes do grupo com pacing inativo apresentaram síncope, demonstrando a baixa correlação do resultado do tilt com o encontrado na síncope espontânea39.
Durante o seguimento, verificou‐se que 19 doentes no grupo de pacing inativo e oito no grupo de pacing ativo apresentaram recorrência dos episódios. A taxa de recorrência aos dois anos foi, assim, significativamente menor no grupo de pacing ativo (25 versus 57%, p=0,039).
Os estudos ISSUE‐238 e ISSUE‐339 demonstraram que quando existe documentação de assistolia em síncope espontânea a terapêutica com pacemaker pode ser benéfica. No entanto, mesmo nesta situação, o componente hipotensor tem ainda um forte impacto – como constatado nos 25% dos doentes com pacing ativo que apresentaram recorrência de síncope apesar da terapêutica com pacemaker39.
Complicações associadas à terapia com pacemakerA implantação de pacemaker não é um procedimento isento de complicações. De acordo com um recente estudo prospetivo de Udo et al.40 referente a primeiras implantações por bradicardia, a taxa de complicações a curto e longo prazo foi de 12,4 e 9,2%, respetivamente.
No estudo VPS I18 foi reportada uma taxa de efeitos adversos de 26% (cinco doentes) no grupo dos doentes com pacemaker (um dos quais com deslocação do elétrodo). No estudo VPS II20 foi reportada uma taxa de complicações associadas ao pacemaker de 19% – a destacar um doente com tamponamento cardíaco, um com infeção que motivou reimplantação do gerador, um com trombose de veia e sete com necessidade de reposicionamento de eletrocateter. No estudo ISSUE 339 a taxa de complicações relacionadas com o procedimento foi de 6,5% (cinco doentes): deslocação do elétrodo ventricular em dois doentes, deslocação do elétrodo auricular em dois doentes e trombose de veia subclávia no outro doente.
A taxa de complicações a curto e a longo prazo associada à implantação de pacemaker não é desprezível, devendo sempre ser tida em consideração na nossa tomada de decisão em doentes com uma patologia de comportamento benigno em termos de mortalidade.
Proposta de algoritmoRecentemente foi proposto pelos autores um algoritmo de decisão em doentes com síncope de provável etiologia reflexa41.
Os autores propõem agora uma revisão do algoritmo diagnóstico previamente publicado, com o objetivo de estratificar os doentes para uma estratégia terapêutica adequada e não apenas de estabelecer o diagnóstico etiológico (Figura 1).
Organigrama de decisão em síncope de provável etiologia reflexa. a Apenas deverá ser realizado em doentes com história de acidente isquémico transitório, acidente vascular cerebral nos últimos três meses ou sopro carotídeo. b Profissões/atividades de alto risco. TILT: teste Tilt; Tx: terapêutica.
A investigação nos doentes com síncope de provável etiologia reflexa (doentes sujeitos à avaliação inicial – história clínica, exame físico, ECG – e nos quais foi excluída cardiopatia estrutural) deverá ser orientada, em primeiro lugar, de acordo com a idade do doente.
Em doentes com idade ≥40 anos deverá ser realizada a massagem do seio carotídeo. Esta deve ser precedida da realização de um ecoDoppler carotídeo para exclusão de placas ateroscleróticas, caso o paciente apresente história de sopro carotídeo ou acidente isquémico transitório ou acidente vascular cerebral nos últimos três meses1. Caso a massagem do seio carotídeo seja positiva, com reprodução da síncope e assistolia documentada >3 segundos, procede‐se à implantação de um pacemaker1.
Nos doentes que apresentam uma massagem do seio carotídeo negativa, a confirmação da causa reflexa da síncope poderá ser obtida através do TILT. O TILT poderá confirmar o diagnóstico de sincope reflexa vasovagal, mas apenas caso exista uma correlação com a sintomatologia que ocorre de forma espontânea. O TILT poderá ainda determinar qual a provável preponderância do componente vasopressor ou cardioinibitório da síncope, contudo, a correlação com o que se verifica nos episódios espontâneos está longe de ser perfeita.
Aos doentes que apresentam um TILT positivo (reprodução dos sintomas em associação com hipotensão, bradicardia ou ambos) são ensinadas as manobras evicionais de síncopes vasovagais. Os que não apresentam recorrência de síncope após os ensinos não requerem continuação da investigação ou qualquer outra intervenção terapêutica. Os doentes que apresentam um TILT negativo devem ser referenciados às consultas de neurologia/psiquiatria. Caso seja confirmada patologia específica neurológica ou psiquiátrica é realizada terapêutica específica.
Após exclusão de patologia neurológica/psiquiátrica e nos doentes que apesar das manobras de ensino mantêm episódios recorrentes de síncope (≥3 episódios nos últimos dois anos), com ausência de pródromos ou pródromos de muito curta duração e com traumatismos frequentes ou com profissões de risco, deve ser implantado um ILR.
Nos doentes com <40 anos procede‐se à realização de um TILT, apesar das limitações acima referidas para este exame. Caso o TILT seja positivo procede‐se à realização de ensino de manobras evicionais das síncopes vasovagais. Nos doentes que não apresentem recorrência dos episódios de síncope após os ensinos não é necessário prosseguir a investigação. Caso o TILT seja negativo, procede‐se à avaliação pela neurologia/psiquiatria para exclusão destas patologias. Após exclusão das mesmas procede‐se aos ensinos de manobras evicionais da síncope vasovagal.
Em caso de doentes com profissões/atividades de risco, múltiplos traumatismos, com episódios recorrentes de síncope que afetam grandemente a qualidade de vida destes doentes, o ILR poderá ser ponderado, devendo nestes doentes com <40 anos ser implantado de uma forma muito mais restrita que nos doentes com idade≥40 anos.
Nos doentes que implantaram um ILR, caso seja demonstrada a presença de uma pausa ≥3 segundos associada a síncope ou uma pausa ≥6 segundos mesmo sem síncope deverá ser implantado um pacemaker. Os restantes deverão ser mantidos em ensinos e vigilância clínica, sendo possivelmente na maioria deles o componente vasodepressor o preponderante.
A implantação de pacemaker em doentes com síncope reflexa vasovagal não está isenta de complicações, pelo que deverá ser sempre ponderada individualmente, numa perspetiva de risco‐benefício para o doente. Este ponto tem especial relevância para os doentes mais jovens, dado o maior risco cumulativo de complicações.
Questões ainda por responderExistem ainda várias questões em aberto no que concerne a esta temática.
Apesar de estar cada vez mais desacreditada a sua utilidade, não existe ainda nenhum estudo aleatorizado de dupla ocultação que selecione doentes para pacemaker em modo ativo ou inativo de acordo com o resultado do TILT, considerando apenas os doentes que apresentem síncopes do tipo 2B (ou seja, com pausa/bradicardia significativa).
Será o algoritmo de deteção da queda da FC o algoritmo ideal? É possível que outras modalidades diferentes de adaptação da FC, tais como as baseadas na contratilidade cardíaca ou alterações respiratórias possam trazer melhores resultados na prevenção da recorrência de síncope25.
Existem também muitas dúvidas sobre quais os subgrupos de doentes que mais poderão beneficiar da terapêutica com pacemaker. O estudo ISSUE‐339 não possui poder estatístico para fazer uma análise a subgrupos específicos de doentes, permanecendo esta questão em aberto.
Beneficiarão os doentes com assistolia documentada mas sem presença de sintomas da implantação de pacemaker? No estudo ISSUE 326, dos 38 doentes que implantaram pacemaker com pacing ativo, somente 21% apresentaram no ILR pausa não sincopal (doentes com pré‐síncope e assintomáticos) e, como tal, insuficiente para aferir o benefício do pacemaker neste subgrupo de doentes.
No estudo ISSUE 3 os doentes tinham uma idade média de 63±13 anos e 56% tinham uma apresentação atípica. Estas características fazem‐nos pensar que a etiologia da síncope possa não ter sido devida a um reflexo vasovagal, mas a um mecanismo patofisiológico diferente, como a doença degenerativa do tecido de condução cardíaco, o que poderia explicar a necessidade de um pacemaker. Convém recordar que os estudos com resultados mais favoráveis a favor do pacing foram aqueles com uma média de idades mais elevadas – 60 anos no estudo VASIS19 e 58 anos no estudo SYDIT20.
Dada a ausência de estudos, existem muitas dúvidas relativamente à implantação de pacemaker em doentes que apresentem as caraterísticas dos pacientes do estudo ISSUE 3, mas com idade inferior a 40 anos. Beneficiarão também estes doentes da implantação de ILR e eventual pacemaker?
ConclusãoA síncope reflexa vasovagal apesar de ser uma patologia benigna apresenta um impacto extremamente negativo numa minoria destes pacientes. A terapêutica com pacemaker ganhou um novo impulso à luz dos resultados de estudos mais recentes. No entanto, tendo em consideração a não desprezível taxa de complicações associada ao pacing, a sua utilização deverá ser ponderada em doentes com idade superior a 40 anos, com episódios de síncope recorrentes e graves, nos quais foi documentado uma longa assistolia no detetor de eventos implantável.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.