O tromboembolismo pulmonar (TEP) é uma emergência cardiovascular comum, com apresentação clínica inespecífica e de difícil diagnóstico. A estratificação da gravidade do TEP deve ser analisada precocemente e estimada de forma individualizada, baseada no risco de morte hospitalar e a curto prazo (30 dias) com recurso a marcadores de risco.
A estratificação rápida e com acuidade no TEP tem-se focado na dimensão anatómica e localização do trombo, tal como nos seus efeitos fisiopatológicos na pressão arterial (PA) sistémica, frequência cardíaca (FC) e evidência imagiológica de dilatação e/ou disfunção ventricular direita (VD). O TEP pode contudo induzir uma miríade de consequências bioquímicas, libertação de factores neuro-humorais como a serotonina, que podem, pelo menos em parte, justificar o aumento das pressões na artéria pulmonar. De facto, os mesmos biomarcadores cardíacos utilizados para avaliação de necrose miocárdica no contexto das síndromes coronárias agudas podem ser úteis na estratificação de risco nos doentes com TEP. Para a quantificação da micro-necrose e micro-enfarte do VD, a determinação das troponinas séricas está incluída no algoritmo de estratificação de risco1. Também, para a quantificação da sobrecarga aguda do VD, a utilização quer do péptido natriurético tipo B (BNP) quer da sua fracção N-terminal (NT-proBNP) pode ser muito importante, embora as decisões clínicas baseadas nos seus resultados ainda não estejam claramente tipificadas2,3.
Obviamente, nenhum biomarcador deve ser utilizado fora do contexto clínico. Embora os custos dos biomarcadores possam não ser excessivos, não nos poderemos dar ao luxo de os utilizar indiscriminadamente se queremos contextualizar a sua utilização de uma forma racional e com benefícios claros para a abordagem dos doentes.
O TEP pode ser estratificado com base em marcadores clínicos (choque e hipotensão arterial sistémica), marcadores de disfunção VD e marcadores de lesão miocárdica (troponina cardíaca T ou I positiva)
O TEP de alto risco é uma emergência com mortalidade precoce superior a 15% requerendo diagnóstico muito precoce e tratamento agressivo4,5. O TEP classificado como sendo de não alto risco pode ser estratificado de acordo com a presença de marcadores de disfunção ventricular direita e/ou marcadores de lesão miocárdica em dois subgrupos: TEP de risco intermédio ou baixo. Nas circunstâncias de risco intermédio, estão contempladas a presença de pelo menos um dos marcadores de risco positivos:disfunção VD ou evidência laboratorial de lesão miocárdica. Nas circunstâncias de baixo risco ambos são negativas.
A avaliação de prognóstico assenta, em primeiro lugar, na análise do estádio hemodinâmico, sendo a presença de hipotensão arterial ou choque por si só reveladores de alto risco de mortalidade com óbvias implicações terapêuticas.
A ecocardiografia pode sugerir disfunção ventricular direita em pelo menos ¼ dos doentes com TEP e a sua presença acarreta por si só o dobro do risco de mortalidade6. Em vários estudos, os doentes com achados ecocardiográficos normais revelaram bom prognóstico, com mortalidade a curto prazo inferior a 1%. Todavia, os critérios de disfunção ventricular direita são diferentes de acordo com os estudos publicados e podem incluir dilatação ou hipocinésia do ventrículo direito, aumento da relação dos diâmetros ventrículo direito/ventrículo esquerdo e aumento da velocidade do jacto de regurgitação tricúspide. Assim, uma vez que não há uma definição universal de disfunção ventricular direita, do ponto de vista ecocardiográfico, apenas um exame completamente normal pode ser considerado critério de TEP de baixo risco7–9.
A disfunção ventricular direita associada ao aumento da carga e estiramento miocárdico que precipita ao aumento da produção do BNP e NT-proBNP. Nos últimos anos, tem surgido evidência crescente da sua relevância como marcadores da gravidade da disfunção ventricular direita, compromisso hemodinâmico e importância prognóstica, fornecendo informação complementar à obtida pela ecocardiografia10–12. Embora valores elevados das concentrações de BNP ou NT-proBNP estejam relacionados com pior prognóstico o seu valor preditivo positivo tem sido reportado como baixo (12–26%). A importância da sua determinação assenta no facto de, se uma situação de TEP se associar a valores baixos de BNP ou NT-proBNP, estes valores poderem ser usados como marcadores fidedignos de bom prognóstico com valor preditivo negativo acima de 94%13.
As troponinas (T ou I) são outros marcadores analíticos com grande importância no TEP. Embora o miocárdio ventricular direito possa não ser necessariamente a única fonte, vários estudos têm repetidamente e de forma consistente reportado uma associação entre a sua elevação e o aumento da mortalidade14.
A determinação simultânea da troponina e do NT-proBNP demonstrou estratificar doentes normotensos com TEP. A mortalidade ao fim de 40 dias de doentes com elevação de ambos pode exceder os 30%, enquanto doentes com elevação isolada do NT-proBNP têm uma taxa de mortalidade intermédia (3,7%) e doentes com níveis baixos dos dois apresentaram bom prognóstico15.
Outra abordagem alternativa passa pela determinação da troponina combinada com análise ecocardiográfica. A associação entre troponina I > 0,1 ng/L e razão entre dimensão ventrículo direito/ventrículo esquerdo > 0,9 identificou um subgrupo de doentes com mortalidade total aos 30 dias de 38%, enquanto a ausência de sinais ecocardiográficos de disfunção ventricular direita e bioquímicos de injúria miocárdica revelou excelente prognóstico16.
Alguns estudos têm reportado a vantagem prognóstica de novos biomarcadores no TEP como Heart-type fatty acid binding proteins (hFABPs) que se tem revelado muito sensível para a detecção de necrose miocárdica. Após danos miocárdicos isquémicos o hFABP é libertado dos miocitos danificados entre uma a três horas e normaliza ao fim de 12 a 24 horas17.
A potencial vantagem do hFABP comparativamente com a troponina é a sua libertação mais precoce e o facto de se elevar na isquemia miocárdica quer na presença ou ausência de necrose. Do ponto de vista de acuidade prognóstica, é similar à troponina no contexto de SCA. Recentemente, alguns estudos sugerem que hFABP poderá mesmo ser superior à troponina para a estratificação de risco de TEP na admissão. Um valor de hFABP > 6 ng/mL tem um valor preditivo positivo de 23-37% e um valor preditivo negativo de 96-100%18,19.
Actualmente, não existem dados disponíveis, consistentes e aplicados a populações suficientemente alargadas de doentes que justifiquem decisões terapêuticas, uniformes, como trombólise em doentes com TEP de risco não elevado. Em resumo, múltiplas variáveis se podem relacionar com o prognóstico no TEP.
Neste sentido, o presente artigo NT-proBNP na Estratificação de Risco no Tromboembolismo Pulmonar reflecte uma reflexão e análise extremamente actual sobre a estratificação de risco no TEP20.
O objectivo foi caracterizar uma amostra de doentes internados com TEP agudo de acordo com o valor sérico de NT-proBNP à data da admissão hospitalar e avaliar o impacto deste biomarcador na evolução a curto prazo. O estudo envolveu uma análise retrospectiva de doentes admitidos consecutivamente por TEP, durante 3,5 anos. De acordo com o valor da mediana do NT-proBNP doseado à data da admissão hospitalar, os doentes foram separados em dois grupos (Grupo 1: NT-proBNP < mediana e Grupo 2: NT-proBNP ≥ mediana). Os dois grupos foram comparados quanto às características demográficas, antecedentes pessoais, apresentação clínica, parâmetros analíticos, electrocardiográficos, ecocardiográficos, terapêutica instituída, evolução intra-hospitalar (suporte catecolaminérgico, ventilação invasiva, morte intra-hospitalar e o endpoint conjunto destes eventos), bem como a mortalidade por todas as causas aos 30 dias. Uma curva ROC (Receiver Operating Characteristic Curve) foi utilizada para determinar o poder e limiar discriminatório (valor de corte) do NT-proBNP para a ocorrência de morte por todas as causas aos 30 dias após o evento agudo.
Neste estudo, foram analisados 91 doentes, m = 69 ± 16,4 anos (51,6% ≥ 75 anos), 53,8% do género masculino. Da totalidade da amostra, 41,8% não apresentava factores etiológicos/predisponentes para TEP e a maioria, 84,6% dos doentes, estratificava-se em TEP de risco intermédio. A mediana de NT-proBNP sérico foi 2.440 pg/ml. Os doentes do Grupo 2 eram significativamente mais velhos (74,8 ± 13,2 versus 62,8 ± 17,2 anos, p = 0,003) e tinham mais frequentemente história de insuficiência cardíaca (35,5% versus 3,3%, p = 0,002) e de doença renal crónica (32,3% versus 6,7%, p = 0,012); na avaliação clínica inicial apresentaram mais polipneia (74,2% versus 44,8, p = 0,02), menos frequentemente dor torácica (16,1% versus 46,7%, p = 0,01) e valores mais elevados de creatininemia (1,7 ± 0,9 versus 1,1 ± 0,5mg/dl, p = 0,004). Quanto aos dados ecocardiográficos o Grupo 2 apresentou mais frequentemente dilatação das cavidades direitas (85,7% versus 56,7%, p = 0,015) e menor fracção de ejecção ventricular esquerda (56,4 ± 17,6% versus 66,2 ± 13,5%, p = 0,036). Os doentes do Grupo 2 necessitaram mais frequentemente de suporte catecolaminérgico (25,8% versus 6,7%, p = 0,044) e tiveram maior taxa de mortalidade intra-hospitalar (16,1% versus 0,0%, p = 0,022) e do endpoint conjunto (32,3% versus 10,0%, p = 0,034). O evento morte por todas as causas aos 30 dias ocorreu apenas no Grupo 2 (24,1% versus 0,0%, p = 0,034). Na análise por curva ROC, o NT-proBNP teve um poder discriminatório excelente para a ocorrência deste evento, com área sob a curva = 0,848; o valor de corte do NT-proBNP foi 4.740 pg/ml.
Dos resultados apresentados destacamos o facto de várias variáveis clínicas (dispneia, síncope, classe de NYHA, choque, FC na admissão, pressão arterial sistólica e diastólica) não terem demonstrado diferença nos dois grupos, o que levanta algumas questões para discussão. Também, do ponto de vista analítico, não se encontraram diferenças para o valor da troponina, achado que beneficiará de uma maior reflexão e eventualmente apresentará diferentes resultados num estudo com uma população de maiores dimensões.
Os autores concluíram de forma adequada que níveis elevados de NT-proBNP identificaram os doentes com TEP e pior evolução a curtoprazo, apresentando uma excelente acuidade para a predição da morte de qualquer causa aos 30 dias. Os resultados deste estudo poderão ter implicações clínicas importantes, porque a incorporação do doseamento do NT-proBNP na avaliação inicial dos doentes com TEP poderá fornecer informação prognóstica importante.
As principais limitações do estudo são apresentadas pelos próprios autores e passam pela natureza retrospectiva da análise, pela dimensão da amostra e pelo facto de se tratar de um estudo unicêntrico. Porventura, esta recorrente limitação poder-se-á, num futuro mais ou menos próximo, colmatar estimulando a realização de estudos multicêntricos em Portugal.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.