O conhecimento da atividade efetuada num país permite posicioná‐lo dentro da comunidade onde se insere.
ObjetivoApresentam‐se os dados referentes ao registo nacional de eletrofisiologia cardíaca da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Eletrofisiologia (APAPE) relativo aos anos de 2015 e 2016.
MétodosTrata‐se de um registo de dados anual, voluntário, observacional, com colheita retrospetiva de dados.
ResultadosSão apresentados os dados dos estudos eletrofisiológicos e de ablações relativos aos anos referidos.
ConclusãoAnalisam‐se a sua evolução ao longo dos anos e a posição relativa dos dados nacionais em relação ao panorama europeu e eventuais implicações.
Knowledge of the activity performed in a country enables it to be positioned within the community of which it is part.
ObjectiveWe present the results of the National Registry of Cardiac Electrophysiology of the Portuguese Association for Arrhythmology, Pacing and Electrophysiology (APAPE) for 2015 and 2016.
MethodsThis is a voluntary, observational, annual registry collected retrospectively.
ResultsThe data on the electrophysiological studies and ablations performed in these two years are presented.
ConclusionChanges in these data over the years are analyzed and the relation of the Portuguese data in the European panorama and possible implications are discussed.
Apresentam‐se os dados relativos ao biénio 2015/2016 referentes ao Registo Anual de Eletrofisiologia Cardíaca da Associação Portuguesa de Arritmologia, Pacing e Eletrofisiologia (APAPE).
A publicação destes dados surge no seguimento da publicação dos registos dos últimos 14 anos de eletrofisiologia de intervenção, compreendendo assim toda a intervenção eletrofisiológica efetuada em Portugal no presente século.
O registo é voluntário e pretende incluir todos os centros portugueses (públicos e privados) que efetuam eletrofisiologia diagnóstica e terapêutica. É um registo observacional que pretende refletir toda a atividade nacional em eletrofisiologia, permitindo assim, com a publicação dos dados, com carácter anual ou bienal, avaliar a evolução da eletrofisiologia em Portugal. A manutenção deste registo é assim essencial para compreender a realidade nacional, no que diz respeito ao número e à dimensão dos vários centros, tipos de procedimentos efetuados em cada centro e avaliar a sua capacidade formativa.
A publicação destes resultados permite também responder perante as autoridades nacionais de saúde quanto à produção, distribuição e atividade de cada centro e posicionar a eletrofisiologia nacional relativamente aos países europeus.
Os dados deste registo nacional têm também vindo a ser incorporados no livro branco da Associação Europeia do Ritmo Cardíaco (EHRA), que publicou em 2017 a décima edição do registo europeu e que permite assim comparar e compreender as diferenças entre cada realidade nacional no que diz respeito ao tratamento das arritmias1.
Os dados presentes foram já apresentados na Reunião Anual de Eletrofisiologia Cardíaca da APAPE, em fevereiro de 2016 e 2017.
MétodosA colheita dos dados é retrospetiva, baseando‐se no envio de um questionário referente ao ano anterior, a todos os centros que efetuam eletrofisiologia no país.
É assim avaliado o número total de procedimentos, assim como a sua distribuição pelos vários centros, discriminando‐se o número de estudos eletrofisiológicos realizados, bem como o número de ablações efetuadas, sendo ainda definido o tipo de arritmia intervencionada.
ResultadosTodos os centros nacionais onde se efetuam estudos eletrofisiológicos responderam ao inquérito no ano de 2015. No ano de 2016 não responderam ao inquérito quatro centros, todos eles privados e que no ano anterior tinham tido atividade residual, pelo que se presumiu o seu encerramento depois de vários contactos infrutíferos com os respetivos responsáveis.
Os principais dados, para cada um dos anos analisados, estão resumidos na Tabela 1.
Estudos eletrofisiológicos e ablações em Portugal nos anos de 2015 e 2016
2015 | 2016 | |
---|---|---|
N° de centros | 25 | 21 |
Centros públicos | 14 | 14 |
Estudos eletrofisiológicos diagnósticos (n°) | 3173 | 3486 |
Ablações (n°) | 2580 | 2974 |
Média ablação/centro | 103 | 142 |
Mediana ablações/centro | 44 | 71 |
N° centros com > 100 ablações /ano | 6 | 8 |
N° centros com < 10 ablações /ano | 3 | 0 |
Em 2015 foram efetuados 3173 estudos eletrofisiológicos, 2580 deles (81,3%) complementados por ablação, em 25 laboratórios de eletrofisiologia (44% deles integrados no Serviço Nacional de Saúde e que foram responsáveis por 79% das ablações). Cada um dos laboratórios de eletrofisiologia fez em média 103 ablações, sendo a mediana de 44 procedimentos ablativos.
No ano de 2016, o número total de estudos eletrofisiológicos foi de 3486, sendo que 2974 (85,3%) foram complementados por ablação. Em 2016 houve 21 centros ativos (66,6% públicos e responsáveis por 84% das ablações). Cada um fez uma média de 142 ablações, sendo a mediana de 71 procedimentos ablativos.
Em 2015 houve seis centros (24%) a efetuar mais de 100 ablações e em 2016 o número foi de oito centros (38%). Em relação aos laboratórios que efetuaram menos de 10 ablações, em 2015 foram três centros, mas em 2016 não houve centros ativos com volume tão reduzido.
A distribuição por centro e o tipo de ablação para os anos de 2015 e 2016 encontram‐se representados nos gráficos das Figuras 1 e 2, respetivamente.
Distribuição dos estudos eletrofisiológicos, tipo e número de ablações por centro, no ano de 2015. Está discriminado o número absoluto de ablação de fibrilação auricular.
Diag: diagnóstico; FA: fibrilação auricular; FlA: flutter auricular; NAV: nó aurículo‐ventricular; TA: taquicardia auricular; TRNAV: taquicardia por reentrada do nó aurículo‐ventricular, TV: taquicardia ventricular; VA: via acessória.
Distribuição dos estudos eletrofisiológicos, tipo e número de ablações por centro, no ano de 2016. Está discriminado o número absoluto de ablação de fibrilação auricular.
Diag: diagnóstico; FA: fibrilação auricular; FlA: flutter auricular; NAV: nó aurículo‐ventricular; TA: taquicardia auricular; TRNAV: taquicardia por reentrada do nó aurículo‐ventricular, TV: taquicardia ventricular; VA: via acessória.
A distribuição por tipo de ablação para os anos de 2015 e 2016 está representada no gráfico da Figura 3. Nos dois anos analisados, tal como nos anos anteriores, a arritmia mais frequentemente tratada foi a fibrilhação auricular (FA) (29,7%), seguida pela taquicardia por reentrada nodal auriculoventricular (23,6%) e pelo flutter auricular istmo‐dependente (17,5%), percentagens estas relativas ao ano de 2016. As arritmias ventriculares constituíram apenas 6,7% do total do número de procedimentos ablativos em 2015 e 6,9% em 2016. Em 2016 os centros foram questionados quando à presença de cardiopatia estrutural no contexto das arritmias ventriculares, sendo que 47% das arritmias ventriculares ablacionadas foram idiopáticas.
DiscussãoNesta publicação estão presentes dados de todos os centros nacionais que efetuaram estudos eletrofisiológicos invasivos.
Manteve‐se a tendência para o aumento do número total de ablações: aumento de 11,1% no número de ablações entre 2014 e 2015 (7,3% de aumento na ablação de FA) e de 15,3% entre os anos de 2015 e 2016 (19,1% de aumento de ablação de FA)2. Apesar deste incremento no número de procedimentos entre os anos de 2014 e 2015, o número de laboratórios de eletrofisiologia foi o mesmo. Conforme já referido, em 2016 o número de centros diminuiu à custa da diminuição do número de centros de muito baixo volume, que em 2015 foram responsáveis por apenas 29 ablações, o que corresponde a 1,1% do total das ablações desse ano.
O número de centros com volume de ablação significativo (mais de 100 ablações/ano) foi de 6 em 2015 e de 8 em 2016. No entanto, se tivermos em consideração o número de procedimentos que, segundo a EHRA, é aconselhável ter para assegurar capacidade de formação de médicos em eletrofisiologia (disponibilidade de mapeamento tridimensional, mais de 200 ablações/ano, das quais mais de 50 ablações de FA e mais de 20 ablações de TV), o número de centros com esta capacidade reduz‐se para três em qualquer dos anos, o que é particularmente importante para a capacidade formativa nacional nesta área3.
Quanto à ablação de fibrilação auricular, em 2015 apenas três centros realizaram mais de 100 ablações/ano, que passaram para quatro centros em 2016 (que efetuaram por sua vez 69,2% do total das ablações de FA desse ano). Estes números são importantes, já que a taxa de sucesso e a taxa de complicações estão diretamente relacionadas com o número de procedimentos efetuados. No entanto, é importante salientar que alguns dos centros ditos de volume reduzido para ablação de FA partilham operadores com os centros de grande volume, pelo que a qualidade na realização da ablação não é desta forma influenciada negativamente. Em relação à ablação da taquicardia ventricular, o número de ablações continua a ser relativamente baixo, não chegando a 10% do total das ablações, o que pode significar que os doentes portadores de dispositivos implantados e com indicação para ablação de TV estão ainda sub‐referenciados e/ou subtratados.
Se posicionarmos estes dados relativamente à realidade europeia, e de acordo com os dados publicados no Livro Branco da EHRA, Portugal nos anos de 2015 e 2016 teve uma média de 2,31 e 1,94 laboratórios de eletrofisiologia por milhão de habitantes, o que é significativamente maior do que a média europeia, que é de 1,34 e 1,36, respetivamente. Em contrapartida, a esse excesso de centros, corresponde um número médio de 238 ablações (2015) e 275 ablações (2016) por milhão de habitantes, valores discretamente abaixo da média europeia (256 e 288, respetivamente nos mesmos anos), mas significativamente mais baixos do que a média dos países da Europa Central4. A este desfasamento entre número de centros e número de ablações, não é alheio o número significativo de centros de volume reduzido e o número reduzido de médicos eletrofisiologistas por centro. Ainda assim, em número de ablações, e na divisão por quartis realizada pela EHRA, posicionamo‐nos no terceiro quartil de número de ablações por milhão de habitante, aproximando‐nos em ambos os anos dos valores de Espanha e do Reino Unido.
Relativamente à ablação de fibrilação auricular, com 69 e 82 ablações de FA por milhão de habitante nos anos de 2015 e 2016, Portugal encontra‐se também no terceiro quartil do número de ablações de FA por milhão de habitante, algo mais próximo da média dos 28 países da União Europeia (101 ablações de FA por milhão de habitante).
Em conclusão, nos anos de 2015 e 2016, e eletrofisiologia nacional manteve um crescimento estável do número de ablações, crescimento esse já observado nos últimos anos, com uma tendência para um crescimento mais marcado de procedimentos complexos à custa do crescimento de número de procedimentos de ablação de fibrilação auricular, que neste momento constitui o substrato arrítmico mais tratado, embora com um número ainda insuficiente em relação às necessidades nacionais (Figura 4).
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados dos pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Os autores agradecem o contributo dos seguintes colegas que forneceram os dados para o Registo Nacional de Eletrofisiologia: Dr. Francisco Madeira (Hospital Fernando da Fonseca – Amadora), Dr. Francisco Morgado (Hospital Lusíadas Lisboa), Dr. Hipólito Reis (Hospital St.° António), Dr. João Primo (Centro Hospitalar de Gaia / Espinho, Hospital da Luz – Arrábida), Dr. João Sousa (Hospital St.ª Maria, Hospital do SAMS), Dr.ª Leonor Parreira (Hospital S. Bernardo – Setúbal), Dr. Luís Adão (Hospital Lusíadas Porto, Hospital S João – Porto), Dr. Luís Brandão (Hospital CUF Lisboa, Hospital Garcia da Orta), Dr. Luís Elvas (Hospital Universitário de Coimbra), Dr. Luís Santos (Hospital S. Teotónio – Viseu), Prof. Dr. Mário Oliveira (Hospital CUF Porto, Hospital da Cruz Vermelha, Hospital St.ª Marta), Dr. Miguel Ventura (Cliria – Clínica de Oiã, Hospital Particular do Algarve – Alvor, Idealmed – Coimbra), Prof. Dr. Pedro Adragão (Hospital Luz – Lisboa, Hospital Stª Cruz), Dr. Rui Candeias (Hospital de Faro), Dr.ª Sónia Magalhães (Hospital de Braga), Dr. Vítor Sanfins (Hospital Sr.ª Oliveira – Guimarães).