Estimar os rácios custo-efetividade e custo-utilidade associados à utilização de dabigatrano na prevenção de acidentes vasculares cerebrais e embolias sistémicas em doentes com fibrilhação auricular não valvular em Portugal.
MetodologiaFoi utilizado um modelo de Markov para simular a evolução dos doentes, estimando a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais isquémicos e hemorrágicos, de acidentes isquémicos transitórios, de embolias sistémicas, de enfartes agudos do miocárdio e de hemorragias intra e extracranianas. Os parâmetros clínicos baseiam-se nos resultados do estudo RE-LY, que compara a utilização de dabigatrano com a de varfarina, e numa meta-análise em que se estimou o risco de ocorrência de cada evento em doentes medicados com ácido acetilsalicílico ou sem qualquer terapêutica antitrombótica.
ResultadosO dabigatrano proporciona, a cada doente, um incremento de 0,331 e de 0,354 anos de vida ajustados pela qualidade. Na perspetiva da sociedade, estes ganhos clínicos implicam um aumento da despesa em 2.978€. Assim, o custo incremental por ano de vida ganho é de 9.006€, sendo o custo incremental por ano de vida ajustado pela qualidade de 8.409€.
ConclusõesOs resultados obtidos mostram que o dabigatrano diminui a quantidade de eventos, nomeadamente os de maior gravidade como os acidentes vasculares cerebrais isquémicos e hemorrágicos, bem como as respetivas sequelas de longo prazo. Os custos com dabigatrano são parcialmente compensados por uma diminuição dos custos decorrentes dos eventos, bem como pela ausência de monitorização do INR. Assim, pode concluir-se que a utilização de dabigatrano na prática clínica portuguesa é custo-efetiva.
To estimate the cost-effectiveness and cost-utility of dabigatran in the prevention of stroke and systemic embolism in patients with non-valvular atrial fibrillation in Portugal.
MethodologyA Markov model was used to simulate patients’ clinical course, estimating the occurrence of ischemic and hemorrhagic stroke, transient ischemic attack, systemic embolism, myocardial infarction, and intra- and extracranial hemorrhage. The clinical parameters are based on the results of the RE-LY trial, which compared dabigatran with warfarin, and on a meta-analysis that estimated the risk of each event in patients treated with aspirin or with no antithrombotic therapy.
ResultsDabigatran provides an increase of 0.331 life years and 0.354 quality-adjusted life years for each patient. From a societal perspective, these clinical gains entail an additional expenditure of 2978 euros. Thus, the incremental cost is 9006 euros per life year gained and 8409 euros per quality-adjusted life year.
ConclusionsThe results show that dabigatran reduces the number of events, especially the most severe such as ischemic and hemorrhagic stroke, as well as their long-term sequelae. The expense of dabigatran is partially offset by lower event-related costs and by the fact that INR monitoring is unnecessary. It can thus be concluded that the use of dabigatran in clinical practice in Portugal is cost-effective.
A fibrilhação auricular (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada pelo funcionamento descoordenado da aurícula, resultando na degradação da respetiva função mecânica e no consequente aumento do risco de eventos tromboembólicos, como o acidente vascular cerebral isquémico (AVCI)1. A FA não valvular - casos em que não existe doença reumática da válvula mitral, prótese valvular cardíaca ou reparação de válvula2 - é a disritmia mantida mais comum, aumentando em prevalência à medida que a idade avança.
Estima-se que 1%-2% da população sofra de FA, sendo expectável que estes valores aumentem com o envelhecimento da população1. No estudo FAMA, numa amostra populacional portuguesa com idade superior a 40 anos, foi verificada uma prevalência global de FA de 2,5%, com aumento significativo depois dos 70 anos: 0,2%, entre 40-49 anos; 1,0% entre 50-59 anos; 1,6% entre 60-69 anos; 6,6% entre 70-79 anos; e 10,4% no grupo com 80 ou mais anos3. As estimativas para 2012 são de cerca de 143 mil casos de FA em Portugal.
Esta patologia pode ser assintomática e persistir sem diagnóstico clínico. De acordo com os dados do Euro Heart Survey, apenas 69% dos doentes declararam presença de sintomas4. A triagem adequada (caracterização do pulso e electrocardiograma) nem sempre é realizada na prática clínica e a sensibilidade estimada dos cuidados de saúde primários para identificação da FA é de 64%5. O conhecimento dos doentes sobre o diagnóstico é também importante, sendo que, em Portugal, os dados do estudo FAMA mostram que apenas 62% dos indivíduos com FA têm conhecimento do mesmo3.
O maior risco tromboembólico desta população conduz não só a uma duplicação da taxa de mortalidade1 como também a uma maior morbilidade que surge em consequência da principal complicação da doença: o AVCI. De facto, a incidência de AVCI aumenta três a quatro vezes nos indivíduos com FA6, tornando esta arritmia uma das principais causas de AVCI7. No estudo de Framingham, o risco anual de AVCI atribuível a FA foi de 1,5% entre os 50-59 anos e de 23,5% entre os 80-89 anos7. Adicionalmente, os AVCI associados a FA são geralmente mais graves, implicando também maiores custos8.
Atualmente, a principal estratégia terapêutica disponível é a utilização de antagonistas da vitamina K, geralmente representados pela varfarina, que permite reduzir o risco de AVCI em 64% em comparação com placebo e em cerca de 40% em comparação com o ácido acetilsalicílico (AAS)9. No entanto, as complicações associadas à sua utilização (como as interações medicamentosas e o controlo dietético) aliadas às dificuldades de controlo do INR (e consequente diminuição de eficácia e de segurança) conduzem a que frequentemente os doentes elegíveis para anticoagulação não sejam medicados com varfarina. Os dados nacionais indicam que entre os doentes elegíveis, apenas 38% são medicados com varfarina, sendo que 40% não recebem qualquer terapêutica antitrombótica3.
Tal facto tem motivado o desenvolvimento de alternativas terapêuticas, com um perfil de eficácia e segurança pelo menos idêntico ao da varfarina, mas sem necessidade de controlo laboratorial de rotina. Porém, todas as alternativas desenvolvidas têm falhado, como os antiagregantes plaquetários (ácido acetilsalicílico e clopidogrel) por insuficiente proteção anti-isquémica10,11 ou os anticoagulantes (ximelagatrano e idraparinux) por deficiente segurança12,13.
O dabigatrano é um anticoagulante oral que atua por inibição direta e seletiva da trombina, com um efeito dose-resposta previsível, pelo que não necessita de monitorização de rotina da coagulação. No ensaio clínico RE-LY14,15, em que foram seguidos mais de 18000 doentes com FA não valvular durante cerca de dois anos, o dabigatrano na dose de 150mg duas vezes ao dia demonstrou ser mais eficaz que a varfarina na redução do risco de AVC e de embolismo sistémico, com um risco de hemorragia major semelhante, tendo a dose de 110mg duas vezes ao dia demonstrado uma eficácia comparável à da varfarina, com uma redução significativa do risco de hemorragia major. Com ambas as doses de dabigatrano observaram-se taxas de hemorragia intracraniana muito inferiores à da varfarina. O dabigatrano foi aprovado pela European Medicines Agency para a prevenção do AVC e embolismo sistémico em doentes com FA não valvular em agosto de 2011.
Neste contexto, o dabigatrano representa uma importante inovação não só para os doentes com FA medicados com varfarina, como também para aqueles que seguem outro esquema terapêutico. Sendo fundamental a utilização racional dos recursos disponíveis para a prestação de cuidados de saúde, é necessário verificar se o custo acrescido de qualquer novo medicamento é justificado pelos ganhos em saúde proporcionados. Com esse objetivo procedeu-se à avaliação económica da utilização do dabigatrano na prevenção de acidentes vasculares cerebrais em doentes com fibrilhação auricular não valvular, sendo os métodos utilizados e os resultados obtidos descritos nas secções seguintes.
MétodosDescrição do modeloO modelo de Markov (Figura 1) utilizado nesta avaliação é uma adaptação para a realidade portuguesa do já publicado em estudos económicos sobre a introdução do dabigatrano no contexto do Canadá16 e do Reino Unido17. O modelo permite simular a evolução dos doentes em ciclos trimestrais até ao fim da sua vida. Consequentemente, em cada trimestre é aplicada uma determinada probabilidade de ocorrência mutuamente exclusiva dos eventos mais relevantes para esta população: morte, AVC isquémico e hemorrágico, acidente isquémico transitório (AIT), embolia sistémica, enfarte agudo do miocárdio (EAM), e hemorragias intra e extracranianas. Também é simulada a ocorrência de hemorragias minor, sendo que tal pode suceder em concomitância com os restantes eventos.
Assume-se que um indivíduo que tenha sofrido um evento cerebral (AVC – quer isquémico quer hemorrágico – ou hemorragia intracraniana) pode perder a capacidade de ser independente. Assim, de acordo com a escala modificada de Rankin (para os AVC) ou com a escala de Glasgow Outcomes (para a hemorragia intracraniana), estes doentes poderão continuar independentes, passar a ser moderadamente dependentes, ou completamente dependentes.
Por outro lado, no modelo, admite-se que o tratamento seja descontinuado permanentemente caso ocorra um AVC hemorrágico ou uma hemorragia intracraniana, ou descontinuado temporariamente devido a hemorragias extracranianas ou outras razões não especificadas.
Este tipo de simulação da evolução de uma coorte permite estimar os custos e as consequências clínicas associadas a cada opção terapêutica. Neste caso, o modelo permite prever os custos, os anos de vida, e os anos de vida ajustados pela qualidade (AVAQ) associados às alternativas em análise, tornando possível calcular quer o custo por ano de vida quer o custo por AVAQ decorrente da opção pela estratégia terapêutica com melhores resultados clínicos.
ComparadorUm dos aspetos fundamentais na elaboração de um estudo de avaliação económica é a escolha do comparador, isto é, da opção terapêutica que será substituída pelo medicamento sob avaliação. O dabigatrano é uma alternativa não só para a varfarina como para as outras opções terapêuticas utilizadas nesta população, nomeadamente a utilização de AAS e a não prescrição de medicamentos antitrombóticos.
No estudo FAMA3, conforme referido anteriormente, verificou-se que apenas 38% dos doentes elegíveis eram medicados com varfarina e que 40% não eram tratados, tendo sido assumido para efeitos de modelização que os restantes seriam medicados com AAS. Consequentemente, o comparador utilizado neste estudo é uma combinação ponderada de varfarina, AAS e não tratamento.
Dados clínicos e epidemiológicosO modelo utiliza os resultados do ensaio clínico RE-LY14,15, em que foi realizada uma comparação direta entre a utilização de varfarina e de dabigatrano em mais de 18000doentes com FA não valvular. Os doentes do estudo RE-LY que apresentavam risco moderado a elevado de AVCI receberam de forma aleatória dabigatrano (110mg ou 150mg bid) ou varfarina com dose ajustada a um INR alvo entre 2,0 e 3,0, durante um período médio de dois anos. O estudo decorreu entre dezembro de 2005 e março de 2009 em 44 países de todo o mundo, tendo Portugal participado com nove centros que incluíram 117 doentes.
Neste estudo foi possível estimar a taxa de ocorrência dos diversos eventos considerados nos indivíduos a tomar varfarina bem como os riscos relativos aplicáveis às pessoas medicadas com dabigatrano.
No final do estudo verificou-se que a dose de 110mg permitiu uma redução de 10% no indicador primário – incidência de AVC ou embolias sistémicas – embora sem diferença estatisticamente significativa na análise de superioridade. O perfil de segurança obtido foi superior, verificando-se uma redução de 20% nas hemorragias major comparativamente à varfarina (p=0,003). A dose de 150mg apresentou uma eficácia superior à da varfarina, com uma redução de 35% na incidência do indicador primário (p<0,001) e de 7% nas hemorragias major (sem significância estatística). O tratamento com dabigatrano diminuiu de forma marcada a incidência de hemorragias intracranianas tendo estas sido reduzidas em 70% com a dose de 110mg (p< 0,001) e em 59% com a dose de 150mg (p<0,001)15.
A dispepsia (incluindo dor abdominal) foi o único efeito adverso significativamente mais comum com dabigatrano do que com a varfarina, ocorrendo em 5,8% dos doentes do grupo da varfarina e em 11,8 e 11,3% dos doentes dos grupos de 110mg e 150mg de dabigatrano, respetivamente (p<0,001 para ambas as comparações). Globalmente, as taxas de outros eventos adversos foram semelhantes entre os grupos de tratamento.
Adicionalmente foi realizada uma meta-análise que permitiu estimar o risco relativo de ocorrência dos diversos eventos nos doentes sob terapêutica com AAS e naqueles sem tratamento18. Na Tabela 1 encontram-se os valores obtidos, sendo o risco inicial de AVCI estratificado de acordo com o índice CHADS2. Realce-se que os valores obtidos são diferentes dos apresentados na publicação dos resultados clínicos do RE-LY dado terem sido adaptados à aprovação da European Medicines Agency que, em termos gerais, indica que a dose de 150mg bid deve ser usada em doentes com menos de 80 anos e a dose de 110mg bid naqueles com 80 ou mais anos19.
Taxas de ocorrência por 100 pessoas-ano a tomar varfarina e riscos relativos das restantes terapêuticas
Varfarina | Risco relativo vs varfarina | |||||
< 80 anos | > 80 anos | Dabigatrano | AAS | Não Tratamento | ||
150 bid | 110 bid | |||||
AVC isquémico | ||||||
Índice CHADS2 | ||||||
0 | 0,62 | - | 0,77 | 0,82 | 1,62 | 3,35a |
1 | 0,79 | 0,42 | ||||
2 | 0,88 | 1,54 | ||||
3 / 4 | 1,55 | 2,48 | ||||
5 / 6 | 2,77 | 4,72 | ||||
Embolia sistémica | 0,15 | 0,31 | 0,66 | 0,51 | 1,77 | 4,44* |
AIT | 0,73 | 1,41 | 0,92 | 0,45* | 1,56 | 1,23 |
EAM | 0,59 | 0,89 | 1,26 | 1,39 | 1,42 | 1,57 |
Hemorragia intracraniana | 0,35 | 0,73 | 0,48* | 0,29* | 0,51 | 0,33 |
AVC hemorrágico | 0,33 | 0,63 | 0,21* | 0,26* | 0,84 | 0,33 |
Hemorragia extracraniana | 2,71 | 3,50 | 0,93 | 1,44* | 1,14 | 0,61 |
Hemorragiasminor | 16,06 | 17,98 | 0,86* | 0,91 | 0,63 | 0,55* |
AAS: ácido acetilsalicílico; AIT: acidente isquémico transitório; AVC: acidente vascular cerebral; bid: duas vezes por dia; EAM: enfarte agudo do miocárdio.
Como se constata pela leitura da tabela, quando comparado com varfarina, o dabigatrano permite uma redução significativa dos eventos considerados, nomeadamente AVC isquémicos e hemorrágicos, embolias sistémicas, AITs, hemorragias intra e extracranianas (nestas apenas nos doentes com idade inferior a 80 anos), e hemorragias minor. Naturalmente, estas vantagens clínicas são ainda mais vincadas quando se consideram as alternativas AAS e não tratamento. Verificou-se ainda uma diferença numérica na taxa de EAM, favorável à varfarina, embora esta diferença não tenha atingido significado estatístico15.
Em termos epidemiológicos, foram considerados os dados portugueses obtidos no estudo FAMA para definir a proporção de homens e de mulheres na população com FA em Portugal, bem como para estimar a idade média3. Os dados disponíveis indicam que 55% dos doentes com menos de 80 anos são homens, descendo esta percentagem para 26% quando se considera a faixa etária mais elevada.
Qualidade de vidaA estimação dos AVAQ associados a cada uma das opções implica incorporar o facto da qualidade de vida das pessoas diminuir com a existência de doença e com a ocorrência de eventos. Assim, é importante analisar a qualidade de vida inicial dos doentes que constituem a população em análise e estimar o impacto da ocorrência de eventos nessa mesma qualidade de vida.
Para tal, foram utilizados os resultados de uma meta-análise20 que incorporou resultados de 20 estudos de avaliação de qualidade de vida e de um estudo em que os autores estimaram valores de utilidade para várias doenças crónicas utilizando uma amostra representativa da população norte-americana através de dados recolhidos pelo Medical Expenditure Panel Survey21. A primeira, relativa a indivíduos com história de AVCI, permitiu estabelecer ponderadores por nível de dependência após ocorrência de AVCI; o segundo foi utilizado para valorizar o impacto da ocorrência de eventos na qualidade de vida (Tabela 2).
Qualidade de vida
Ponderador de qualidade de vida por nível de dependência | |
Independente sem história de AVCI | 0,81 |
Independente | 0,65 |
Dependente | 0,46 |
Totalmente dependente | 0,30 |
Diminuição de qualidade de vida associada a cada evento | |
AVCI | 0,139 |
Embolia sistémica | 0,120 |
AIT | 0,103 |
Hemorragia intracraniana | 0,181 |
AVCH | 0,139 |
Hemorragia extracraniana | 0,181 |
Hemorragia minor | 0,004 |
EAM | 0,125 |
AIT: acidente isquémico transitório; AVCH: acidente vascular cerebral hemorrágico; AVCI: acidente vascular cerebral isquémico; EAM: enfarte agudo do miocárdio.
Os recursos consumidos no tratamento e seguimento de eventos foram estimados a partir das respostas de um painel de peritos composto por seis especialistas com comprovada experiência clínica (dois cardiologistas, dois clínicos gerais e dois neurologistas).
A conjugação dos recursos identificados pelo painel com os respetivos custos unitários (líquidos de IVAa)22–24 permitiu a estimação dos custos incorridos durante o tratamento dos episódios agudos e durante o seguimento dos doentes. Os custos com o dabigatrano são baseados no preço proposto pela empresa detentora da patente para ambas as dosagens (110mg e 150mg). Os custos são apresentados na Tabela 3.
Dados económicos (€)
Custo diário das terapêuticas | |
Dabigatrano 150mg bid | 2,53 |
Dabigatrano 110mg bid | 2,53 |
Varfarina 5mg qd | 0,08 |
Ácido acetilsalicílico 150mg | 0,07 |
Custo por evento (fase aguda) | |
AVC isquémico ou hemorrágico | 4135,79 |
Embolia sistémica | 1537,56 |
Acidente isquémico transitório | 3215,79 |
Hemorragia intracraniana | 5210,99 |
Hemorragia extracraniana fatal | 1782,54 |
Hemorragia extracraniana | 1459,99 |
EAM fatal | 3185,44 |
EAM | 3108,17 |
Custo trimestral de seguimento | |
Sem evento | 96,94 |
Independente | 118,59 |
Moderadamente dependente | 145,84 |
Dependente | 2867,10 |
Custo trimestral de reabilitação após AVCI, AVCH ou HI | |
Independente | |
Primeiro ano | 82,50 |
Moderadamente dependente | |
Primeiro trimestre | 2515,06 |
Resto do primeiro ano | 1333,00 |
Anos seguintes | 283,50 |
Dependente | |
Primeiro trimestre | 2337,94 |
Resto do primeiro ano | 1155,88 |
Custos trimestrais de monitorização de INR | |
Se INR dentro dos limites | 52,77 |
Se INR fora dos limites | 57,47 |
Nos resultados apresentados adiante, a valorização dos custos foi realizada de acordo com a perspetiva da sociedade, ou seja, os custos foram considerados na sua totalidade, independentemente de serem financiados pelo Estado ou pelos doentes. Os resultados na perspetiva do Estado também foram calculados, sendo os custos incrementais e consequentemente os rácios custo-efetividade aproximadamente 70% dos apresentados. Tal reflete o facto da taxa de comparticipação atribuível ao dabigatrano ser de 69%.
ResultadosCenário principalNaturalmente, os resultados obtidos refletem a evidência clínica disponível: o dabigatrano permite uma diminuição de quase todos os eventos considerados, nomeadamente AVCI, embolia sistémica, AIT, AVCH e hemorragias intracranianas, registando-se uma maior incidência de EAM e de hemorragias extracranianas (devido ao maior risco após os 80 anos em doentes a tomar 110mg de dabigatrano).
A menor ocorrência de eventos reflete-se quer nos anos de vida quer nos AVAQ de que beneficiam os doentes medicados com dabigatrano. O dabigatrano permite obter mais 0,415 anos de vida e 0,439 AVAQ por doente quando o começo da terapêutica se faz antes dos 80 anos, sendo estes ganhos de 0,143 anos de vida e 0,166 AVAQ quando a terapêutica se inicia após os 80. Em termos médios, assumindo que 69% da população com FA tem idade inferior a 80 anos4, o dabigatrano proporciona 0,331 anos de vida e 0,354 AVAQ.
Os custos diários da terapêutica com dabigatrano são superiores aos da varfarina ou AAS. Contudo, considerando os custos dos eventos e do acompanhamento dos doentes, o tratamento com dabigatrano permite atenuar entre 20-30% esse incremento de custos. Verifica-se então um aumento do custo da terapêutica preventiva de 5572 € para doentes com idade inferior a 80 anos, de 2300 € para doentes com idade superior a 80 anos, e de 4558 € em termos médios; o aumento dos custos totais é de 3763 €, 1231 € e 2978 €, respetivamente.
A conjugação dos resultados clínicos e económicos permite calcular os rácios custo efetividade incrementais (RCEI) por AVAQ e por ano de vida (Tabela 4). Mesmo não existindo em Portugal nenhum limite pré-fixado à disponibilidade a pagar por ano de vida ou por AVAQ ganho, é possível afirmar que os valores obtidos – aproximadamente 10000 € quer por ano de vida quer por AVAQ – são aceitáveis para a realidade portuguesa.
Análise de sensibilidadeNa prossecução de todas as avaliações económicas é necessário assumir hipóteses que permitam constituir um cenário principal. Porém, como essas hipóteses podem condicionar os resultados obtidos, é importante analisar o impacto de se assumirem valores alternativos para os parâmetros relevantes. Para tal, é usual realizar-se uma análise da sensibilidade do resultado final às hipóteses assumidas.
Neste contexto, é importante salientar que existem dois tipos de parâmetros: uns para os quais é possível associar uma distribuição estatística que reflita a incerteza, como as probabilidades de ocorrência dos vários eventos considerados; outros cuja incerteza não é passível de ser assim caracterizada, como a taxa de atualização ou o horizonte temporal.
Relativamente aos primeiros, é possível realizar uma análise de sensibilidade probabilística simulando simultaneamente diferentes ocorrências dos diversos parâmetros. Na Figura 2 apresentam-se, a título exemplificativo, os resultados relativos a custos e anos de vida incrementais das 1000 simulações realizadas para a população que inicia terapêutica antes dos 80 anos. Uma vantagem deste tipo de análise de sensibilidade é que permite definir a proporção de simulações em que o rácio custo-efetividade é inferior a determinada disposição a pagar (ver Tabela 5). Constata-se que considerando valores tradicionalmente assumidos como aproximados da disponibilidade a pagar pelos ganhos em saúde, a adoção de dabigatrano será muito provavelmente custo-efetiva. De facto, na quase totalidade das 1000 simulações realizadas, o dabigatrano está associado a um rácio custo-efetividade inferior a 15000 €, quando o limite geralmente utilizado em Portugal será cerca do dobro deste valor.
Distribuição das simulações por nível de RCEI
Menores de 80 | Maiores de 80 | |||
Custo por AV % | Custo por AVAQ % | Custo por AV % | Custo por AVAQ % | |
RCEI < 10000 € | 69,1 | 76,9 | 53,1 | 63,1 |
RCEI < 15000 € | 97,6 | 99,1 | 75,1 | 83,3 |
RCEI < 20000 € | 99,6 | 99,9 | 84,7 | 91,8 |
RCEI < 25000 € | 99,9 | 100,0 | 90,1 | 94,5 |
RCEI < 30000 € | 100,0 | 100,0 | 93,2 | 96,4 |
AV: anos de vida; AVAQ: anos de vida ajustados pela qualidade; RCEI: rácio custo-efetividade incremental.
Quanto aos restantes parâmetros é mais relevante realizar uma análise de sensibilidade univariada que permita avaliar o impacto de se assumirem valores diferentes dos utilizados no cenário principal. Na Tabela 6, apresentam-se os resultados para diferentes taxas de atualização, horizonte temporal, e custos. Realce-se que quer a taxa de atualização (5%) quer o horizonte temporal (lifetime) utilizados no cenário principal decorrem do estipulado nas orientações metodológicas em vigor em Portugal25. Todavia, se a análise relativa à taxa de atualização reflete uma incerteza real quanto ao seu valor ótimo, já a relativa ao horizonte temporal servirá apenas para averiguar a amplitude temporal do impacto do medicamento em avaliação, dado que em termos metodológicos é consensual que as diferenças entre as opções terapêuticas devem ser avaliadas até ao momento em que essas mesmas diferenças cessem, o que no caso de terapêuticas crónicas acontece no momento da morte.
Análise de sensibilidade univariada
Menores de 80 | Maiores de 80 | |||
Por AV | Por AVAQ | Por AV | Por AVAQ | |
Cenário base | 9071 | 8577 | 8592 | 7420 |
Taxa de atualização | ||||
3% | 7967 | 7665 | 8073 | 7047 |
7% | 10272 | 9550 | 9125 | 7800 |
Horizonte temporal | ||||
10 anos | 19936 | 16161 | 9447 | 7900 |
15 anos | 12434 | 10937 | 8629 | 7439 |
Custos | ||||
+20% | 7931 | 7500 | 6748 | 5828 |
−20% | 10210 | 9655 | 10435 | 9012 |
AV: anos de vida; AVAQ: anos de vida ajustados pela qualidade.
Relativamente aos custos é importante salientar que, em teoria, poderiam ser incluídos na análise de sensibilidade probabilística. No entanto, dado que foram estimados a partir do consenso de um painel de peritos sobre os recursos consumidos pela população em análise, a avaliação do seu impacto no resultado final parece ser mais esclarecedora através de uma análise de sensibilidade univariada.
A análise de sensibilidade univariada permite concluir que os parâmetros considerados, com exceção do horizonte temporal, não têm grande impacto nos rácios custo-efetividade, já que as alterações introduzidas implicam variações de apenas cerca de 10%. O facto de o horizonte temporal ter um impacto mais relevante é normal, dado que a utilização de períodos mais curtos impede a incorporação de parte considerável dos ganhos do dabigatrano. Aliás, tal é comum acontecer nas avaliações económicas de terapêuticas preventivas. Naturalmente, dada a menor esperança de vida da coorte acima dos 80 anos, o impacto da diminuição do horizonte temporal nos resultados relevantes para esta população é bastante menos significativo.
DiscussãoEm primeiro lugar, é relevante referir que se optou por, de forma conservadora, assumir que a varfarina tem a eficácia que foi obtida no ensaio clínico. De facto, sendo o controlo dos níveis de INR um fator fundamental para se conseguir obter e manter os benefícios decorrentes da utilização de varfarina, e sendo expectável que esse controlo tenha sido mais fácil de efetuar nas condições inerentes à realização do ensaio clínico RE-LY, é de admitir que a efetividade da varfarina em condições de prática clínica corrente seja inferior à que foi assumida nesta avaliação económica. A capacidade da varfarina prevenir AVCI em condições de prática clínica pode ser pouco mais de metade da que é estimada nas condições usuais de ensaios clínicos26. Tal dever-se-á principalmente às interações com outros medicamentos e com alimentos, à inconveniência da monitorização, e ao risco de hemorragia.
Por outro lado, principalmente devido às indicações de utilização do dabigatrano resultantes da aprovação pela European Medicines Agency, designadamente a relação entre faixa etária e dose diária, a potência estatística do ensaio clínico RE-LY foi diminuída. Tal acontece porque todas as observações de indivíduos com idade inferior a 80 anos aleatorizados para 110mg bid e de indivíduos com idade igual ou superior a 80 e aleatorizados para 150mg bid se tornaram irrelevantes no âmbito desta avaliação económica. Assim, parte dos riscos relativos apresentados na Tabela 1 não são estatisticamente significativos. No entanto, a análise de sensibilidade probabilística, que permite considerar a totalidade da distribuição estatística de cada risco relativo, mostra que o rácio custo-efetividade será muito provavelmente inferior aos limites máximos aceitáveis no contexto português.
As análises de sensibilidade realizadas mostram que os resultados são relativamente robustos à incerteza inerente quer aos dados clínicos quer aos custos estimados para Portugal. Neste contexto é importante realçar que uma variação dos custos em 20% conduziu a alterações dos rácios em cerca de 15%.
Finalmente, a comparação dos rácios obtidos para Portugal com os já publicados para outros países onde a avaliação económica também é um auxiliar na fundamentação de decisões de financiamento de medicamentos (designadamente Canadá16 e Reino Unido17) mostra que os resultados são conservadores. De facto, as estimativas dos custos associados à monitorização do INR e, principalmente dos custos decorrentes do AVCI, são menores em Portugal do que nos dois países referidos. Consequentemente, representando estes parâmetros as principais áreas em que a introdução do dabigatrano conduz a um inferior consumo de recursos, a sua menor magnitude conduz a rácios custo-efetividade maiores que os obtidos internacionalmente.
ConclusãoOs resultados apresentados mostram que o dabigatrano representa um importante desenvolvimento para os doentes com FA não valvular, ao diminuir o risco de AVC isquémico e hemorrágico e de hemorragia intracraniana, bem como as respetivas sequelas a longo prazo. Os custos com dabigatrano são parcialmente compensados por uma diminuição dos custos devidos à ocorrência de eventos, bem como, por poupanças com a ausência de monitorização do INR. Assim, esta avaliação económica permite concluir que para além de ser uma terapêutica eficaz e segura, conforme ficou demonstrado no ensaio clínico RE-LY, o dabigatrano é também uma opção terapêutica custo-efetiva para os doentes portugueses com FA.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
FinanciamentoEste trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Boehringer Ingelheim, Lda. O financiamento do projeto foi efetuado diretamente ao CISEP e não foi condicional à obtenção de nenhum tipo específico de resultados.
Conflito de interessesEste trabalho foi realizado com o apoio financeiro da Boehringer Ingelheim, Lda.. O financiamento do projeto foi efetuado diretamente ao CISEP e não foi condicional à obtenção de nenhum tipo específico de resultados.
Os autores gostariam de agradecer aos médicos que participaram no painel de peritos: Aníbal Albuquerque, Armando Bordalo e Sá, Armando Brito de Sá, Elsa Azevedo, Vasco Queiroz e Vítor Oliveira.
Os valores respeitantes ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) não devem ser incluídos nos estudos de avaliação económica dado que representam apenas uma transferência entre o pagador e o Estado, não constituindo realmente um custo.