A avaliação de lesões coronárias pelo instantaneous wave free ratio (iFR) tem gerado debate. Pretendeu‐se analisar o desempenho diagnóstico do iFR e o seu impacto na decisão de usar o fractional flow reserve (FFR) e nas características do procedimento.
MétodosRegisto unicêntrico de doentes submetidos a avaliação funcional de lesões coronárias. O desempenho do iFR foi aferido com o FFR como referência. Valores de iFR<0,86 e > 0,93 foram considerados positivos e negativos, respetivamente.
ResultadosAvaliaram‐se 402 lesões, em 154 casos com ambas as técnicas, em 222 apenas com FFR e 26 apenas com iFR. Com um limiar de FFR ≤ 0,80, a área sob a curva foi de 0,73 (95% IC 0,65‐0,81) – valor ótimo de iFR ≤ 0,91. Efetuou‐se FFR em 93 de 94 lesões inconclusivas por iFR e em 69,1% dos restantes casos aferidos com iFR. O iFR e o FFR foram concordantes em 87% dos casos (X2=22,43; p<0,001). Não obstante, verificaram‐se quatro em 13 casos (30,7%) de iFR positivo e FFR negativo e três em 42 casos (7,1%) de iFR negativo e FFR positivo. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p=0,026). O iFR não teve impacto na duração, dose/tempo de radiação do procedimento.
ConclusõesO desempenho diagnóstico do iFR foi razoável. Os operadores habitualmente efetuaram FFR apesar de valores conclusivos de iFR. Verificou‐se elevada concordância, mas com uma proporção não negligenciável de lesões classificadas como isquémicas por iFR e não isquémicas por FFR. O iFR não teve impacto nas características do procedimento.
Assessment of coronary lesions by the instantaneous wave free ratio (iFR) has generated significant debate. We aimed to assess the diagnostic performance of iFR and its impact on the decision to use fractional flow reserve (FFR) and on procedural characteristics.
MethodsIn this single‐center registry of patients undergoing functional assessment of coronary lesions, FFR was used as a reference for assessing the diagnostic performance of iFR. An iFR value <0.86 was considered positive and a value >0.93 was considered negative.
ResultsFunctional testing was undertaken of 402 lesions, of which 154 were assessed with both techniques, 222 with FFR only, and 26 with iFR only. Using a cut‐off of ≤0.80 for iFR, the area under the curve was 0.73 (95% CI 0.65‐0.81), with an optimal value of ≤0.91. FFR was undertaken in 93 out of 94 lesions with an inconclusive iFR and was performed in 69.1% of the remaining iFR‐tested lesions. Concordance between iFR and FFR was 87% (chi‐square=22.43; p<0.001). Notwithstanding, there were four out of 13 cases (30.7%) of positive iFR with negative FFR and three out of 42 (7.1%) cases of negative iFR and positive FFR. This difference was significant (p=0.026). iFR had no impact on procedure time, fluoroscopy time or radiation dose.
ConclusioniFR had a reasonable diagnostic performance. Operators often chose to perform FFR despite conclusive iFR results. iFR and FFR were highly concordant, but a non‐negligible proportion of lesions classified as ischemic by iFR were classified as non‐ischemic by FFR. iFR had no impact on procedural characteristics.
A avaliação funcional de lesões coronárias por medição do fractional flow reserve (FFR) é prática corrente na intervenção coronária percutânea, está formalmente nas recomendações europeias1. Vários estudos demonstraram que o uso dessa técnica para guiar a decisão de proceder à angioplastia permite identificar os casos em que é seguro não proceder à intervenção2–4. Recentemente, um registo multicêntrico português obteve resultados idênticos5. Não obstante, continua a não ser absolutamente consensual qual o cut‐off ideal para decisão de intervir. A maioria dos estudos usou um valor ≤ 0,802,3, mas o estudo com o seguimento mais longo usou um valor de < 0,754 para proceder à angioplastia.
Nos últimos anos, uma nova técnica de avaliação funcional, o instantaneous wave‐free ratio (iFR), surgiu como opção ao FFR. As vantagens dessa técnica consistem no não uso de adenosina e na eventual obtenção de resultados de forma mais rápida do que o FFR6. Vários resultados apontam para uma elevada concordância entre os resultados do iFR e os resultados do FFR7,8. Recentemente, foram publicados os resultados de dois ensaios clínicos aleatorizados multicêntricos que apoiam a não inferioridade (relativamente a outcomes) do iFR relativamente ao FFR na decisão de proceder à angioplastia, com um cut‐off de iFR de ≤ 0,89 para proceder à angioplastia. Outros estudos abordaram o uso de uma estratégia «híbrida»9,10, em que se procede à angioplastia com valores de iFR < 0,86, a abordagem conservadora com valores > 0,93 e a medição por FFR nos casos com valores intermédios7. Não obstante, não é consensual o uso isolado do iFR, nem tão pouco a estratégia de interpretação de resultados dela11. O FFR é ainda considerado a técnica padrão na avaliação funcional de lesões coronárias, nomeadamente nas recomendações internacionais1,11.
Desse modo, importa analisar os resultados de um registo sobre o uso dessas duas técnicas, nomeadamente: (1) analisar a acuidade diagnóstica do iFR tendo como referência o FFR; (2) determinar a influência que o uso a priori do iFR teve na decisão de execução de FFR de acordo com o critério do operador; (3) analisar o grau de concordância entre as duas técnicas; (4) analisar o efeito do uso de iFR na dose/tempo de radiação e tempo de procedimento.
Material e métodosCaracterísticas do estudo, critérios de inclusão e de exclusãoRegisto unicêntrico de todos os doentes submetidos a coronariografia com avaliação funcional com FFR e/ou iFR de lesões coronárias durante cinco anos (2012‐2016). A decisão de efetuar uma, outra ou ambas as técnicas ficou ao critério do operador, bem como a decisão de proceder à revascularização ou terapêutica médica. Excluíram‐se os doentes incluídos em ensaios clínicos no âmbito dessas técnicas, uma vez que eram sujeitos a protocolos próprios, não dependentes da decisão do operador. Registaram‐se prospetivamente os dados demográficos, clínicos e as características do procedimento, nomeadamente as medições de FFR e iFR efetuadas e os respetivos resultados. A análise efetuada neste artigo tem uma configuração retrospetiva, dado que se focou predominantemente no subgrupo submetido a ambas as medições, o registo não foi criado especificamente com o propósito de comparar os dois grupos.
Procedimento de medição de FFR e iFRO FFR foi determinado após hiperemia máxima alcançada por administração de adenosina em veia central (140μg/kg/min), com os sistemas St. Jude Medical (atual Abbot) ou Volcano (atual Philips Volcano). Nos casos em que se fez medição de iFR apenas ou de iFR e FFR, foi sempre usado o sistema Volcano (material e consola).
Análise estatísticaPara identificação do valor de iFR com melhor acuidade diagnóstica tendo como referência o FFR usou‐se análise de Receiver Operating Characteristic (ROC) Curve. A análise efetuada teve como referência o valor de FFR ≤ 0,80 e também o valor < 0,75. Usaram‐se a análise de Bland‐Altman e a de correlação de Pearson para comparar os valores de iFR com os valores de FFR.
Procedeu‐se igualmente à aferição dos resultados de iFR de acordo com a estratégia «híbrida»7: para efeitos de análise, considerou‐se como inconclusivo um valor de iFR entre 0,86 e 0,93; positivo um valor < 0,86 (i.e. isquemia e portanto a favor de proceder à angioplastia); negativo um valor > 0,93 (i.e., sem isquemia e portanto a favor de protelar angioplastia). Procedeu‐se também à mesma avaliação com o uso como cut‐off para positividade de um valor ≤ 0,89 de acordo com dois ensaios clínicos aleatorizados recentemente publicados9,12. Em ambas as análises, usou‐se como valor de referência de FFR um cut‐off ≤ 0,80.
Por último, procedeu‐se à análise do efeito do iFR na dose/tempo de radiação, tempo de procedimento e uso de adenosina.
Para comparação de variáveis paramétricas quantitativas usou‐se o teste t de Student e para variáveis paramétricas qualitativas o teste de qui‐quadrado. As variáveis são apresentadas sob a forma de média±desvio padrão (DP).
ResultadosCaracterísticas da população e procedimentoDurante cinco anos foi efetuada avaliação funcional em lesões coronárias moderadas em 326 doentes (idade média de 67±11 anos, 68,7% homens).
Executaram‐se medições em 402 lesões. Procederam‐se a 376 avaliações (93,5%) de FFR e a 180 (44,8%) de iFR. Em 222 casos (55,2%) a avaliação funcional foi efetuada somente por FFR e em 26 casos (6,5%) somente por iFR (Figura 1). Não houve complicação decorrente do uso de adenosina. Na Tabela 1 encontram‐se resumidas as principais características demográficas e clínicas dos doentes na população global e consoante se tenha empregue apenas FFR, iFR ou ambas as técnicas (por doente). Verificou‐se maior prevalência de dislipidemia no grupo aferido apenas por iFR relativamente ao grupo em que apenas se fez FFR. Observou‐se maior prevalência de história prévia de enfarte (quase a atingir significado estatístico, p=0,05) e de ICP prévia (p=0,034) no grupo submetido apenas a FFR versus o grupo em que ambas as técnicas foram empregues. Não se observaram outras diferenças entre os grupos.
Características basais da população (n=326)
Global Média±DP ou n (%) | iFR apenas | FFR apenas | Híbrida | p para iFR apenas vs FFR apenas | p para iFR apenas vs híbrida | p para FFR apenas vs híbrida | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
9 (2,8) | 179 (54,9) | 138 (42,3) | |||||
Características demográficas | |||||||
Idade (anos) | 67,0±10,7 | 68±8,1 | 66,8±10,1 | 67,3±11 | NS | NS | NS |
Sexo masculino | 224 (68,7) | 8 | 127 | 89 | NS | NS | NS |
Antecedentes pessoais | |||||||
Hipertensão | 271 (83,1) | 7 | 150 | 114 | NS | NS | NS |
Dislipidemia | 243 (74,5) | 7 | 136 | 100 | 0,034 | NS | NS |
Diabetes | 109 (33,4) | 4 | 66 | 39 | NS | NS | NS |
Tabagismo | 121 (37,1) | 4 | 63 | 54 | NS | NS | NS |
EAM prévio | 77 (23,6) | 2 | 35 | 40 | NS | NS | 0,05 |
ICP prévia | 117 (35,9) | 4 | 54 | 59 | NS | NS | 0,02 |
CRM prévia | 13 (4,0) | 0 | 6 | 7 | NS | NS | NS |
FEj ventricular esquerda | |||||||
Normal | 168 (71,2) | 6 | 90 | 73 | NS | NS | NS |
Ligeiramente deprimida | 23 (9,8) | 0 | 13 | 10 | NS | NS | NS |
Moderadamente deprimida | 29 (12,3) | 1 | 15 | 13 | NS | NS | NS |
Gravemente deprimida | 16 (6,8) | 0 | 7 | 8 | NS | NS | NS |
Disfunção renal (TFGe < 60 mL/min/1,73m2) | 72 (22,1) | 3 | 35 | 34 | NS | NS | NS |
Doença multivaso | 64 (19,5) | 2 | 32 | 30 | NS | NS | NS |
Apresentação clínica | |||||||
Angina estável | 231 (70,9) | 8 | 132 | 91 | NS | NS | NS |
Angina instável | 28 (8,6) | 0 | 12 | 16 | NS | NS | NS |
EAMcSST | 6 (1,8) | 0 | 2 | 4 | NS | NS | NS |
EAMsSST | 61 (18,7) | 1 | 33 | 27 | NS | NS | NS |
Ritmo | |||||||
Sinusal | 304 (93,3) | 8 | 166 | 129 | NS | NS | NS |
Fibrilhação auricular | 8 (2,4) | 0 | 5 | 3 | NS | NS | NS |
Pacing | 14 (4,3) | 1 | 8 | 6 | NS | NS | NS |
CRM: cirurgia de revascularização miocárdica; EAM: enfarte agudo do miocárdio; EAMcSST: enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST; EAMsSST: enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST; FEj: fração de ejeção; ICP: intervenção coronária percutânea; TFGe: taxa de filtração glomerular estimada.
As medições efetuadas no âmbito de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento de ST referem‐se a lesões não culprit, foram efetuadas 48‐72 horas após o quadro clínico inicial. Fizeram‐se seis medições de lesões não culprit no âmbito de enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento de segmento ST, todas na fase aguda. Quatro dessas medições foram feitas com ambas as técnicas e duas com FFR apenas, foi seguido para decisão o resultado do FFR. Das quatro medições de iFR, três lesões tinham um valor de 0,9 (dois casos com FFR positivo e um com FFR negativo) e a outra lesão um valor de 0,88 (com FFR de 0,81).
Na Tabela 2 encontra‐se a distribuição anatómica das lesões avaliadas.
Localização das estenoses epicárdicas avaliadas (n=402)
n (%) | |
---|---|
Vaso estudado | |
Tronco comum | 13 (3,2) |
Descendente anterior | 242 (60,2) |
Circunflexa | 73 (18,2) |
Coronária direita | 71 (17,7) |
Ramo intermédio | 3 (0,7) |
Tipo de lesão | |
A | 128 (31,8) |
B1/B2 | 98 (24,4) / 132 (32,8) |
C | 44 (10,9) |
Grau de estenose | |
30‐49% | 41 (10,2) |
50‐69% | 271 (67,4) |
70‐89% | 88 (21,9) |
≥ 90% | 2 (0,4) |
O iFR médio foi de 0,90±0,1, foi de > 0,93 em 60 casos (33,3% do total de medições de iFR) e < 0,86 em 21 casos (11,7% do total de medições de iFR). No subgrupo em que apenas se efetuou iFR todos os valores eram < 0,86 ou maiores do que 0,93, pelo que o cálculo de média e desvio padrão não representa a sua distribuição (único subgrupo sem distribuição normal). Nos casos que ambas as técnicas foram usadas o valor médio de iFR foi de 0,9±0,05. O valor médio de FFR na população global foi de 0,82±0,08, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre o valor médio de FFR nos casos em que apenas se executou essa técnica (0,81±0,09) versus os casos em que ambas as técnicas foram usadas (0,82±0,07). Na Figura 2 encontra‐se a distribuição dos valores de iFR e FFR globais.
Verificaram‐se uma correlação significativa (moderada) entre os valores de iFR e FFR (R=0,504; p < 0,001) (Figura 3), como representado no gráfico de dispersão, e boa concordância por análise de Bland‐Altman (média de diferença entre iFR e FFR 0,085±0,062 – Figura 4).
A acuidade diagnóstica do iFR, quer se aplique um cut‐off de FFR como referência de ≤ 0,80 ou de < 0,75, respetivamente, exibiu uma área sob a curva (AUC) de 0,73 (IC95% 0,65‐0,81) e 0,72 (IC95% 0,60‐0,84) – vide Figura 5.
Verificou‐se ainda que o valor de cut‐off ótimo de iFR foi ≤ 0,91 quer para FFR ≤ 0,80 [sensibilidade 55%, especificidade 79%, valor preditivo positivo (VPP) 52%, valor preditivo negativo (VPN) 81%], quer para FFR < 0,75 (sensibilidade 47%, especificidade 89%, VPP 19%, VPN 97%].
Adicionalmente, verificou‐se que para um FFR ≤ 0,80, o intervalo de valor de iFR com uma sensibilidade e especificidade > 90% foi de 0,88–0,94; para um FFR ≤ 0,75, o intervalo de valor de iFR com uma sensibilidade e especificidade > 90% foi de 0,87–0,95.
Impacto do resultado do iFR na decisão de proceder à FFR e concordância de resultadosVerificou‐se que um resultado de iFR entre 0,86 e 0,93 se associou fortemente à decisão de executar FFR (X2=30,1; p < 0,001) – tal ocorreu em 93 de 94 casos. Nos casos em que o iFR não se encontrou nesse intervalo, optou‐se por avaliar a lesão por FFR em 55 (69,1%) dos casos. Não se verificou diferença na decisão de proceder a FFR nesse subgrupo entre os casos em que o resultado do iFR era < 0,86 versus > 0,93 (71,4% versus 68%; p=0,792). Nesses casos, verificou‐se uma concordância estatisticamente significativa de 87,3% entre o resultado de iFR e FFR (X2=22,43; p < 0,001). Não obstante, observou‐se discordância dos dois métodos em quatro de 13 (30,8%) casos de iFR positivo com FFR negativo e três em 42 (7,1%) casos em que o iFR foi negativo e o FFR positivo, essa diferença foi estatisticamente significativa (p=0,026 – Figura 6).
Os casos de discrepância encontram‐se detalhados na Tabela 3. Quatro casos ocorreram em medições na descendente anterior (num total de 25 medições nesse vaso – 16%), duas em medições na coronária direita (num total de 14 medições nesse vaso – 14%) e uma em medições na circunflexa (num total de 15 medições nesse vaso – 6,7%). Apenas foi feita uma medição com ambas as técnicas no tronco comum, não se observou discordância. Como é visível, nos casos de iFR negativo e FFR positivo, os operadores optaram por seguir a indicação do FFR quando esse foi claramente inferior a 0,80. No caso 3, a presença de um valor limítrofe levou o operador a deferir intervenção. Nos casos em que o iFR foi positivo, os operadores seguiram a indicação do FFR.
Caracterização dos casos discordantes de iFR e FFR
Caso | iFR | FFR | Decisão | Contexto clínico | Vaso | Grau de estenose (angiografia) | Tipo de lesão |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 0,99 | 0,73 | ICP | AE | CD | 70‐89% | B1 |
2 | 0,94 | 0,76 | ICP | AE | CD | 70‐89 | B2 |
3 | 0,96 | 0,79 | TMO | AE | DA | 50‐69% | A |
4 | 0,84 | 0,81 | TMO | AE | DA | 50‐69% | C |
5 | 0,78 | 0,82 | TMO | AE | DA | 50‐69% | C |
6 | 0,79 | 0,82 | TMO | AI | Cx | 50‐69% | B1 |
7 | 0,83 | 0,97 | TMO | AI | DA | 50‐69% | A |
AE: angina estável; AI: angina instável; CD: coronária direita; CX: circunflexa; DA: descendente anterior; ICP: intervenção coronária percutânea; TMO: terapêutica médica aprimorada.
Com o uso desse cut‐off, 56 lesões (36,4%) exibiram resultado positivo (≤ 0,89) e 98 (73,6%) negativo (> 0,89). Observou‐se uma concordância estatisticamente significativa de 72,1% (p < 0,001) entre as duas técnicas. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os casos de iFR positivo com FFR negativo (20 em 43 casos – 46,5%) ou negativo (23 em 43 casos – 53,5%).
Resultado da avaliação e decisão de tratamentoA decisão de avançar para revascularização foi tomada por cada operador para cada doente individual.
Nos 26 casos em que apenas se efetuou iFR, todos os valores se encontravam fora da zona cinzenta (sete casos < 0,86 e os restantes > 0,93) e a decisão de revascularização foi tomada em concordância com o resultado do iFR.
Nos casos em que apenas se efetuou FFR, a decisão de tratamento foi feita de acordo com o resultado de FFR (cut‐off de 0,80) em 97,7% dos casos. Nos restantes casos (2,3%) o operador atuou em dissonância consoante os restantes dados adicionais de que dispunha (características da lesão, sintomas e resultados de testes não invasivos de isquemia).
Nos casos em que se efetuaram ambas as técnicas, os operadores seguiram os resultados sempre que existiu concordância entre as duas técnicas. Os casos em que existiu discordância foram já abordados (tabela 3).
Efeito da estratégia usada no tempo de procedimento, fluoroscopia e radiaçãoRelativamente à dose/tempo de radiação, tempo de procedimento, não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os doentes que fizeram apenas iFR versus apenas FFR, nem entre os grupos que efetuaram iFR mais FFR e aqueles que apenas foram submetidos a uma das técnicas (Tabela 4).
Características globais do procedimento de acordo com a estratégia efetuada (n=402)
iFR | FFR | Híbrida | p para iFR vs FFR | p para iFR vs híbrida | p para FFR vs híbrida | |
---|---|---|---|---|---|---|
n (%) | 9 (2,8) | 179 (54,9) | 138 (42,3) | ‐ | ‐ | ‐ |
Tempo de procedimento; média±DP min | 65,2±21,7 | 61,5±30,6 | 56,7±23,6 | NS | NS | NS |
Tempo de fluoroscopia; média±DP min | 12,8±6,1 | 14,4±8,6 | 11,0±9,0 | NS | NS | NS |
Dose de radiação; média±DP μGy/cm2 | 9,8±5,7 | 11,7±7,1 | 12,8±8,5 | NS | NS | NS |
Considerando apenas os doentes submetidos a iFR (num total de 147, isoladamente ou no âmbito do uso de ambas as técnicas), verificou‐se que o número de doentes em que todas as lesões aferidas (uma ou mais) tinham um valor de iFR conclusivo (fora do intervalo 0,86–0,93) de 55 (37,4%). Desse modo, seguindo a premissa da estratégia híbrida, teria sido evitado o uso da adenosina nesses doentes.
DiscussãoDesempenho do iFR considerando o FFR como gold standardNeste registo, o iFR exibiu uma acuidade diagnóstica e concordância com o FFR razoáveis, todavia com algumas diferenças relativamente aos estudos previamente publicados. O cut‐off ideal nesta amostra foi ligeiramente superior ao publicado noutros estudos (0,91 versus 0,897,13), qualquer que fosse o valor de FFR usado como padrão. Adicionalmente, a acuidade diagnóstica foi inferior à publicada noutros estudos, cuja AUC variou entre 0,86 e 0,907,13,14, mas superior àquela observada no estudo VERIFY15. Também a correlação entre os resultados iFR e o FFR foi inferior aos previamente publicados (0,504 versus 0,81 no estudo ADVISE II7). Esses resultados poderão refletir um efeito de dimensão de amostra, inferior à dos estudos publicados, e também um eventual viés de seleção decorrente do estudo se tratar de um registo. Os operadores poderão ter optado pela estratégia de empregar ambas as medições em casos particularmente limítrofres, como se pode observar pelo facto de os valores médios de iFR serem muito próximos dos valores de diagnóstico empregues no DEFINE‐FLAIR9 e no iFR SWEDEHEART12 (0,89). É de destacar, em particular, que nos casos em que o operador começa por efetuar iFR e posteriormente opta por confirmar o resultado por FFR o valor não só era limítrofe como o desvio padrão muito pequeno (0,05).
Concordância entre iFR/FFR e implicações práticas para o quotidianoQuando aplicado o racional da estratégia híbrida7, o iFR exibiu uma elevada concordância dentro dos intervalos diagnósticos (< 0,86 e > 0,93). Esse resultado foi similar a outros previamente publicados, embora ligeiramente inferior – 87% versus 91,6%7. Quando aplicado o cut‐off de 0,89, o grau de concordância foi também inferior ao previamente publicado (72,1% versus 82,5%7), fruto de esse não ter sido o cut‐off ideal com melhor acuidade diagnóstica nesta amostra (o que limita a valorização desse resultado em particular) e das limitações supracitadas.
Não obstante os bons resultados da estratégia híbrida neste registo, o grau de discrepância entre as duas técnicas não é negligenciável. Em caso de discrepância entre o resultado de iFR e FFR, os operadores seguiram tendencialmente as recomendações internacionais então vigentes1, usaram o FFR como gold standard. É relevante salientar que, em caso de discordância, predominaram os casos em que o iFR era positivo e o FFR negativo, dados que vão no sentido de outros estudos publicados7. Assim, sobretudo em casos limítrofes, poderá será particularmente relevante o operador considerar proceder a FFR, nomeadamente em casos de iFR positivo.
A recente publicação dos resultados do DEFINE‐FLAIR9 e do iFR‐SWEDEHEART10 traz, pela primeira vez, um nível elevado de evidência a favor da tomada de decisões baseadas apenas com um valor de iFR ≤ 0,89. E apesar da recente apresentação do estudo FUTURE16, a experiência acumulada com o FFR e a extensa literatura publicada relativamente a essa técnica não podem ser ignoradas. Assim, se existem agora ensaios clínicos aleatorizados multicêntricos de grande dimensão a favor do uso de ambas as técnicas, impõem‐se duas questões essenciais: (1) o que fazer se os resultados do FFR e do iFR forem discordantes? (2) Deverá ser usada apenas uma das técnicas e, se sim, deve uma delas ser usada preferencialmente?
Como não existe uma resposta definitiva e consensual a essas questões, importa tecer algumas considerações no sentido de tomar a melhor decisão possível em cada caso.
Em primeiro lugar, o operador deve certificar‐se de que a execução da técnica foi apropriada, i.e., que o posicionamento, calibre e tipo de cateter são os adequados (evitam‐se assim fenómenos de atenuação/distorção de curvas de pressão) e que a calibração das pressões foi adequada (garante‐se a sobreposição temporal e quantitativa integral das curvas, sincronizada com o eletrocardiograma). Embora ambos as técnicas sejam influenciadas por esses fatores, uma execução incorreta pode falsear desequilibradamente uma das medições relativamente à outra. Por exemplo, no caso da medição do iFR, uma sincronização desadequada com o eletrocardiograma pode levar a uma medição temporalmente imprecisa do Pd/Pa, incorporam‐se valores não diastólicos ou parcialmente diastólicos na medição do iFR. Deve ainda ser tida em consideração a possibilidade de descalibração do sistema (pressure drift), deve idealmente o operador confirmar a sobreposição de curvas antes de concluir o procedimento, reposicionar o fio proximalmente. Por último, é de referir que a medição de iFR é ainda exclusiva do sistema Volcano Philips (e todos os casos de iFR foram feitos com esse sistema e respetivo fio‐guia), pelo que tentativas de medição com outros sistemas são ainda off‐label. Neste registo, é relevante salientar que o centro e todos os seus operadores estavam já amplamente versados no uso de FFR, pelo que os autores entendem que a ocorrência de imperfeições na técnica terá sido baixa. Não obstante, sobretudo na fase de implantação do iFR, não é possível excluir em absoluto a ocorrência de imperfeições. A confirmação da ausência de pressure drift, embora prática corrente no centro, não foi registada. Do mesmo modo, embora não se aceitassem medições cujo traçado electrocardiográfico fosse subótimo e tenha sido raro o uso da técnica em doentes com fibrilhação/flutter auricular (nenhum dos doentes em quem se observou discordância tinha esse ritmo), não é possível excluir em absoluto que o ritmo possa ter influenciado os resultados.
Excluindo falhas na execução da técnica, é necessário fazer uma reflexão sobre a fisiologia do que se está a medir. Sendo o FFR uma medição dependente de hiperemia máxima, a resposta observada pode ser influenciada pelo fármaco usado (alguns centros usam vasodilatadores que não a adenosina) e a via de administração17, pelo efeito vasodilatador do próprio contraste18, pela presença de disfunção microcirculatória concomitante19,20 e pelo efeito vasodilatador sistémico da adenosina. É também sabido que a própria resposta, quer na micro e macro circulação coronária, quer sistémica, pode exibir variabilidade interindividual (nomeadamente em casos de síndrome coronária aguda). Por último, importa ainda referir que o valor de FFR em steady‐state muitas vezes não corresponde ao nadir, deve ser usado o primeiro21. Neste registo, o valor considerado correspondeu ao valor steady‐state. Nos casos de discordância segundo a estratégia híbrida, ocorreram cinco casos em contexto de angina estável e dois de síndrome coronária aguda, ambos casos de angina instável, pelo que o contexto clínico provavelmente teve pouca influência nos casos de discordância.
Importa também ter em consideração as limitações que norteiam o uso do iFR. Embora o iFR não esteja, teoricamente, limitado pelos fenómenos de hiperemia, alguns autores refutam essa premissa e alegam adicionalmente que a acuidade diagnóstica desse índice é inferior à publicada noutros estudos15. Adicionalmente, é necessário ter em consideração que os ensaios aleatorizados recentemente publicados têm alguma escassez de eventos e que foram estudos de não inferioridade, cuja margem era relativamente elevada, como os próprios autores reconhecem9,10.
Por último, alguns autores sugerem que a discrepância entre os dois métodos é mais acentuada em lesões que envolvam a descendente anterior22, particularmente no segmento proximal23. Os resultados do presente registo, em virtude do reduzido número de casos de discrepância por vaso, não permitem tirar conclusões a respeito do impacto do vaso/segmento envolvido. Com efeito, mesmo na descendente anterior, existiram apenas quatro casos de discrepância e a percentagem de discordância nesse vaso e na coronária direita foi idêntica.
Desse modo, os resultados deste registo, incorporados na literatura disponível até à data, sugerem que o iFR e o FFR são, acima de tudo, métodos complementares na avaliação de lesões coronárias, não são mutuamente exclusivos. A avaliação inicial apenas por iFR parece ser a estratégia mais óbvia pela sua simplicidade e rapidez de execução. Todavia, as limitações dos estudos supracitados aconselham prudência, pelo que os operadores devem, em caso de dúvida, considerar proceder à medição de FFR também. A concordância dos dois índices será um indicador substancial na tomada de decisão de intervir ou não. Em caso de discrepância, é essencial tentar compreender o motivo dela, a fim de decidir se um dos resultados terá, para uma lesão e doente individual, maior validade. Caso não seja claro qual o motivo da discrepância, não deve ser descurado o uso adicional de métodos de imagem invasivos e/não invasivos na tomada da decisão final, sobretudo tendo em consideração que, até à data, essas técnica estão validadas essencialmente para a doença coronária estável.
Impacto do iFR no tempo de procedimento, fluroscopia e dose de radiaçãoPara além do não uso de adenosina, uma das vantagens teóricas do FFR é a eventual redução do tempo do procedimento. Não obstante, existe grande escassez de dados publicados sobre o impacto do uso de iFR nesse parâmetro. Apesar de no estudo DEFINE‐FLAIR9 se verificar uma redução significativa de quatro minutos e 30 segundos com o uso do iFR, essa redução não foi significativa no iFR‐SWEDEHEART10. À semelhança desse último, nos resultados deste registo, a técnica não exibiu impacto nesse nem noutros fatores (dose de radiação e tempo de fluoroscopia). Esse facto também poderia ser explicado pela presença de diferenças significativas entre os doentes estudados, no sentido de que o operador poderia ter optado por uma técnica mais simples em casos mais graves. Não obstante, quase não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos e aquelas observadas foram pequenas, com significado estatístico pouco forte, diferenças absolutas e relativas pequenas e pouca relevância clínica, não parece ter existido relação com as escolhas dos operadores. Adicionalmente, foram muito poucos os doentes que só fizeram iFR, o que também limita comparações entre grupos. Também é preciso ter em consideração que em cada um desses grupos se aferiu por vezes mais do que uma lesão, o que pode contribuir para as diferenças numéricas entre grupos, ainda que sem significado estatístico. Por último, a salientar que a aparente discrepância entre a dose de radiação e o tempo de procedimento (i.e. entre grupos, verificou‐se que ao aumento de tempo de fluroscopia não se associou aumento da dose de radiação, embora essa diferença seja apenas numérica, e não estatística) decorre do uso de frame rates diferentes entre operadores, pelo que para um mesmo tempo de fluoroscopia nem sempre se verificou a mesma dose de radiação. Por esse motivo se optou pela apresentação de ambos os dados.
Impacto no uso de adenosinaNo presente registo o uso do iFR ficou a critério dos operadores. Nesse sentido, e sobretudo na fase inicial da técnica, era comum o uso das duas técnicas. Desse modo, a taxa de uso de adenosina foi muito elevada. Conforme explicitado nos resultados, caso fosse seguida a premissa da estratégia híbrida, teria sido possível evitar o uso de adenosina em quase 40% dos doentes. Esse valor é, ainda assim, inferior ao verificado noutros estudos, nomeadamente o ADVISE II7 (65,1% de evicção de adenosina). A diferença desses números prende‐se com o carácter observacional do estudo, que condicionou a ausência de um critério uniforme para a seleção das técnicas, e, como já mencionado, e com um possível viés de seleção para casos com valores de iFR tendencialmente limítrofes.
LimitaçõesAs discrepâncias entre os resultados deste estudo de outros publicados poderão ser, em parte, consequência das características do estudo. Com efeito, este foi um registo, e não um ensaio clínico aleatorizado. Desse modo, a decisão de proceder à iFR ou FFR ficou inteiramente ao critério do operador. Adicionalmente, um registo não tem o mesmo rigor metodológico de um ensaio clínico, é possível que alguns resultados finais possam ter sido em parte afetados por imperfeições técnicas, especialmente durante a fase inicial de implantação da técnica do iFR, tal como previamente mencionado.
Por último, a análise efetuada com o cut‐off de 0,89 proposto no DEFINE‐FLAIR e iFR‐SWEDEHEART9,10 encontra‐se limitada pelo facto de não ter sido esse o cut‐off com melhor acuidade diagnóstica neste estudo, pela dimensão da amostra e por eventual viés de seleção, conforme referido.
Por último, foram incluídos doentes com síndrome coronária aguda, não é possível excluir que esses possam ter influenciado os resultados. Todavia, as medições efetuadas no âmbito de síndrome coronária aguda sem supradesnivelamento de ST ocorreram 48‐72 horas após o quadro inicial, conforme efetuado noutros estudos de referência9,12, reduziu‐se assim a probabilidade de interferência nos resultados. Foram efetuadas seis medições no âmbito da fase aguda do enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento de ST. Embora existam muito recentemente dados publicados com nível de evidência máxima (ensaio aleatorizado) sobre o uso de FFR nesse contexto24, o seu uso ainda não é consensual (à época do registo a evidência era observacional e a premissa teórica) e o uso de iFR nesse contexto é off‐label. Não obstante, (1) os resultados de iFR obtidos foram sempre limítrofes, (2) não constituíram casos de discordância segundo a estratégia híbrida, (3) foram absoluta e relativamente muito pequenos no contexto da amostra total e (4) foi sempre seguida a premissa do FFR, evitou‐se o tratamento de lesões sem indicação para intervenção (uma vez que nesse contexto a tendência do FFR é subestimar a gravidade de lesão). Desse modo, os autores não creem que os casos de síndrome coronária aguda tenham influenciado de forma importante os resultados.
ConclusãoO iFR apresentou uma acuidade diagnóstica e concordância com o FFR razoáveis, todavia inferiores ao descrito na maioria dos estudos. Os valores com melhor acuidade diagnóstica foram similares aos descritos na literatura, embora ligeiramente superiores. O uso de um cut‐off de FFR de < 0,75 em detrimento de ≤ 0,80 teve um impacto negativo, mas muito pequeno, no desempenho diagnóstico do iFR.
Aplicando a estratégia híbrida, o iFR foi frequentemente inconclusivo. Nos casos conclusivos, verificou‐se boa concordância entre os resultados de iFR e FFR. Todavia, existiu uma percentagem relevante de casos de discordância, particularmente nas avaliações classificadas como positivas por iFR e negativas por FFR.
O uso de iFR não teve impacto significativo na dose/tempo de radiação e tempo de procedimento, mas poderia ter resultado numa redução muito significativa do uso de adenosina caso se aplique a premissa da estratégia híbrida.
Apesar da simplicidade de execução e utilidade do iFR, os resultados deste registo sugerem que devem ser interpretados de forma prudente, não excluir sistematicamente o uso do FFR. No entanto, será bom referir que ambas as metodologias podem ter zonas «cinzentas» (i.e. de interpretação não inequívoca) não desprezíveis, pelo que o uso de outros métodos invasivos ou não invasivos para a avaliação da doença coronária deve ser sempre considerado.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.