A função auricular esquerda é fundamental para o enchimento adequado do ventrículo esquerdo e tem uma relação direta com a função diastólica. O volume indexado da aurícula esquerda é um parâmetro muito importante e que hoje faz parte das recomendações para avaliação da função diastólica1. É também reconhecido o seu papel prognóstico em várias patologias cardíacas, como a fibrilhação auricular, a estenose valvular aórtica, as cardiopatias congénitas, a insuficiência cardíaca e diversas outras patologias2–6. Por esse motivo, as dimensões anteroposteriores ou a área da aurícula esquerda por planimetria têm sido recentemente substituídas pelo volume indexado.
No presente número desta revista, Filipa Cordeiro et al. analisaram o impacto prognóstico do volume indexado da aurícula esquerda, uma medição ecocardiográfica muito simples, em doentes com enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST7. O estudo incluiu doentes submetidos a angioplastia primária durante um período de cinco anos, tendo sido realizada avaliação do volume da aurícula esquerda pelo método área‐comprimento e indexada à área de superfície corporal. Em 42% dos doentes, verificou‐se aumento do volume auricular e num seguimento mediano de 28 meses ocorreu morte de todas as causas em 7%, eventos compostos cardíacos em 26,5% e eventos compostos cardiovasculares em 29% dos doentes. Nos doentes com dilatação auricular esquerda a frequência dos eventos considerados foi superior, sendo este parâmetro um preditor independente de morte e dos restantes eventos considerados. O trabalho não é original, uma vez que outros trabalhos, com amostras de dimensões sobreponíveis, já tinham sugerido esta associação8,9. Contudo, trata‐se de um trabalho realizado em Portugal, o que valida estes achados para a nossa realidade.
Alguns aspetos merecem, contudo, ser discutidos. Por um lado, os autores utilizaram o método área‐comprimento para calcular o volume auricular esquerdo, que, apesar de ser um dos métodos recomendados para avaliação da aurícula esquerda, assume uma morfologia elipsoide que nem sempre é a morfologia presente. Com efeito, estudos prévios mostram que com o método área‐comprimento se obtêm valores mais elevados comparativamente com o método de discos também recomendado, levando a reclassificações em até 18% dos indivíduos relativamente aos limiares considerados6. Contudo, o aumento do volume auricular esquerdo está associado a pior prognóstico independentemente dos limiares considerados ou dos métodos utilizados para avaliação.
Por outro lado, os autores não ajustaram em análise multivariada para outras variáveis clínicas e laboratoriais com impacto prognóstico nas síndromes coronárias agudas, tais como a função renal, classe Killip, frequência cardíaca, tensão arterial, entre outros, nem para a hipertensão arterial, que é um parâmetro com impacto nas dimensões da aurícula esquerda, pelo que o efeito independente observado no presente estudo poderá ser fortemente reduzido ou anulado se realizado esse ajuste. Um outro ponto não ajustado pelos autores foi o tempo de isquemia. Sabe‐se hoje que para tempos isquémicos mais prolongados se verificam aumentos de volumes da aurícula esquerda, pelo que este parâmetro deveria ter sido considerado na análise estatística10.
Finalmente, uma outra limitação importante e que também foi salientada pelos autores é a dimensão da amostra que, sendo razoável, não é adequada para a análise proposta, bem como o número algo baixo de alguns eventos, tendo obrigado os autores a fazer uma análise com eventos compostos. Este aspeto é particularmente patente nos largos intervalos de confiança apresentados nos resultados para alguns dos eventos considerados e também na ausência de significância estatística na comparação de grupos quando os valores e as percentagens são claramente diferentes.
A utilização de um parâmetro ecocardiográfico muito simples de obter, como o volume auricular esquerdo indexado, parece ser promissora para avaliação prognóstica. A avaliação ecocardiográfica é até mandatória segundo critérios de avaliação de qualidade nas síndromes coronárias agudas, pelo que toda informação com impacto prognóstico que o ecocardiograma nos possa fornecer deverá ser sempre tida em conta. No entanto, é importante colocar algumas questões adicionais: devemos aumentar a complexidade da estratificação de risco com novos parâmetros que têm vindo a ser sucessivamente descritos? Será o valor prognóstico do volume auricular esquerdo superior a outros parâmetros bem estabelecidos isoladamente ou inseridos em scores de risco, como o score GRACE? Quais as verdadeiras implicações clínicas na presença de uma aurícula esquerda dilatada – deverá ser realizada alguma mudança na nossa prática clinica? Estes aspetos carecem de melhor caracterização e para isso será necessário um estudo mais alargado, com adequado poder estatístico.
Conflitos de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.