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Vol. 33. Núm. 1.
Páginas 11-13 (janeiro 2014)
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Ablação septal alcoólica no tratamento da miocardiopatia hipertrófica obstrutiva: uma opção exigente
Alcohol septal ablation for the treatment of obstructive hypertrophic cardiomyopathy: A demanding option
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Dulce Brito
Hospital de Santa Maria, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Serviço de Cardiologia I, CCUL, Lisboa, Portugal
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O manejo terapêutico das formas obstrutivas sintomáticas na miocardiopatia hipertrófica (MH) tem sido, ao longo dos anos, um dos aspetos da doença com maior relevância e também fonte de controvérsia.

A presença de um gradiente subaórtico (em repouso ou provocado pelo esforço) – caracterizando a presença de obstrução – ocorre num número significativo de doentes, é frequentemente responsável por sintomas e está associada a prognóstico adverso, incluindo um risco acrescido de insuficiência cardíaca, de fibrilhação auricular e de morte cardiovascular1. Não havendo evidência atual de que a abolição do gradiente, nos doentes sem sintomas, se traduza numa melhoria prognóstica, já no doente com sintomas decorrentes da obstrução, a diminuição do gradiente (quer basal quer particularmente durante o esforço) associa‐se, em muitos casos, a melhoria sintomática.

Nas recomendações atuais, fármacos depressores do inotropismo (bloqueador adrenérgico‐β, verapamil e disopiramida) estão indicados no manejo terapêutico inicial destas situações2. No entanto, em caso de persistência de sintomas significativos ou se o uso da terapêutica farmacológica for intolerante para o doente, o alívio mecânico da obstrução deve ser considerado. As opções atuais contemplam a miectomia septal cirúrgica (ressecção da porção basal do septo interventricular) e a ablação septal por álcool (ASA), causando necrose de parte do septo proximal.

A miectomia septal, desenvolvida a partir dos anos 60 e considerada ainda no presente o gold standard em relação ao qual outras técnicas são avaliadas3, em centros experientes é eficaz na maior parte dos doentes, com redução ou abolição do gradiente e melhoria sintomática duradoura2,4–6, associando‐se o procedimento (quando efetuado isoladamente) a mortalidade operatória baixa (1‐2%).

A técnica da ablação septal por álcool desenvolveu‐se rapidamente após a sua introdução em 19957, surgindo como uma alternativa apelativa em relação à cirurgia, quer pelo seu caracter pouco invasivo, quer pela eficácia na redução do gradiente, quer ainda pela aparente simplicidade da sua execução. As controvérsias que rodearam esta alternativa terapêutica relacionaram‐se fundamentalmente com a segurança do procedimento, com o receio do uso inapropriado da técnica (risco potencial de se tornar uma opção terapêutica «fácil» em situações nas quais os sintomas não a justificassem) e no desconhecimento das suas consequências e impacto pronóstico a longo prazo.

Em relação à segurança do procedimento, no doente já apropriadamente selecionado, a utilização de menor quantidade de álcool e o uso de ecocardiografia de contraste foram dois avanços importantes havidos, diminuindo não só a possibilidade de lesão do tecido de condução aurículo‐ventricular (minorando a necessidade de implantação de pacemaker permanente), mas também o risco de extensão de necrose miocárdica a áreas remotas em relação à zona‐alvo, com as potenciais consequências a curto e a longo prazo.

O receio do uso inapropriado da técnica tem vindo a ser ultrapassado pela experiência (e decorrente maturidade) dos centros a que a ela se dedicam. O aspeto inicial determinante é a caracterização do doente potencial‐candidato, quer em termos de clarificação do mecanismo da obstrução, quer da relação do mesmo com os sintomas.

O mecanismo subjacente à obstrução não é idêntico em todos os doentes. Na maior parte dos casos, alterações geométricas derivadas da hipertrofia septal assimétrica e do deslocamento anterior dos músculos papilares permitem o contacto entre o(s) folheto(s) mitral(ais) e o septo durante a ejeção ventricular, causando o gradiente subaórtico. Mas anomalias da válvula mitral e/ou da inserção dos músculos papilares podem ser, em alguns doentes, o mecanismo dominante e a melhor escolha pode ser a cirurgia. Em doentes mais idosos, hipertensos, a existência de gradiente subaórtico não é rara, mesmo na presença de escassa hipertrofia septal. Também a caracterização do grau e extensão da hipertrofia é importante na decisão da opção terapêutica e na sua técnica de execução. Com efeito, pode coexistir obstrução meso‐cavitária em situações de hipertrofia septal extensa e serem os sintomas daí particularmente derivados (e não predominantemente pela obstrução subaórtica) e a opção ideal poderá ser a cirurgia ou até eventualmente ASA, mas optando pela injeção de álcool em artérias que irriguem segmentos miocárdicos mais distais8.

O receio do desconhecimento das consequências da ASA e do seu impacto pronóstico a longo prazo está atualmente minorado. Embora na ausência de um estudo aleatorizado comparando diretamente os dois procedimentos (miectomia septal versus ASA), as meta‐análises e os estudos comparativos publicados não encontraram diferenças significativas em termos de sobrevida entre as duas técnicas4–6,9, apesar da ASA se associar a gradientes subaórticos residuais pós‐procedimento mais elevados do que a miectomia e exigir mais frequentemente a necessidade de implantação de pacemaker permanente4,9. A ablação septal por álcool parece pois ter motivos suficientes para ser considerada duma forma segura como uma terapêutica alternativa eficaz à miectomia cirúrgica, em doentes criteriosamente selecionados e caracterizados.

Fiarresga et al. publicam neste número da revista a experiência do seu centro na realização de ASA ao longo de quatro anos10, aliás, os primeiros resultados referentes a esta técnica em Portugal. Associadamente à apresentação dos seus dados descrevem em detalhe o protocolo utilizado, quer na seleção dos doentes, quer relacionado com o procedimento per se, focando os riscos da técnica, as suas possíveis complicações (e as formas de as evitar ou minorar).

A sua casuística incluiu 40 doentes com MH, obstrução importante (gradiente >50mmHg em repouso ou provocado pelo esforço) e sintomas refratários à terapêutica farmacológica (bloqueador adrenérgico‐ß e/ou antagonista dos canais do cálcio).

A seleção dos doentes candidatos à técnica é fundamental – aliás aspeto frisado pelos autores – e foi, nesta série, muito cuidadosa. À semelhança do observado em outras séries de doentes submetidos a esta terapêutica9, há predominância do sexo feminino, a idade média ronda os 60 anos – embora 15 doentes (37,5%) na casuística apresentada tivessem ≥75 anos – e a maioria tem antecedentes de hipertensão arterial. Dois aspetos merecem um comentário particular: o primeiro é o facto de doentes com MH mais idosos – e com tendência natural para terem comorbilidades associadas – poderem atualmente beneficiar duma terapêutica deste tipo (sem correrem os riscos associados à cirurgia ou mesmo até após esta ter sido recusada); o segundo aspeto é o facto da hipertensão arterial, possivelmente pela sua prevalência, ter deixado de ser atualmente um critério para obstar ao diagnóstico de MH. Também na série publicada por Sorajja et al.9, comparando os efeitos da terapêutica com ASA versus miectomia cirúrgica (177 doentes tratados em cada grupo), se verificou que a prevalência de hipertensão arterial era significativamente mais elevada nos doentes submetidos a ASA (51 versus 15%), apesar da idade da população em ambos os grupos ser idêntica (63±13 versus 62±12 anos). Nessa casuística, quer a existência de história familiar de MH, quer a ocorrência de morte súbita familiar associada a MH tinham prevalência similar nos dois grupos de doentes.

A taxa de complicações major relacionada com o procedimento foi pequena (2 doentes). Dois doentes necessitaram de pacemaker definitivo por bloqueio aurículo‐ventricular e não ocorreu mortalidade intra‐hospitalar. Estes resultados espelham os cuidados havidos em termos de segurança no procedimento, incluindo a identificação correta da artéria‐alvo – tendo havido modificação da mesma em 10% dos casos – e a atuação em termos de decisão para implantação de pacemaker definitivo, baseada na aplicação de scores de risco. Embora o objetivo imediato de redução do gradiente tenha sido preterido para segundo plano – favorecendo a avaliação dos resultados após cicatrização do septo, critério mais lógico e mais seguro, evitando injeções repetidas de álcool – teria sido também interessante saber os resultados do gradiente pós‐intervenção, pois este parece ser um fator preditor quer de mortalidade quer de necessidade posterior de reintervenção9.

Durante um período de seguimento clínico de 22±14 meses, a taxa de sucesso foi de 84% (melhoria da classe funcional – dispneia de esforço ou angina – associada a redução superior a 50% no gradiente em repouso ou provocado), ocorreu redução do gradiente em 33 doentes (85%) e não ocorreram complicações derivadas (ou relacionadas) com a ASA.

Na avaliação crítica dos resultados da ASA – não apenas a curto mas a longo prazo – e à sua associação a um prognóstico mais favorável (para além da redução do gradiente e da melhoria sintomática) será importante uma caracterização tão completa quanto possível da população submetida ao procedimento. Tal implicará em primeiro lugar a necessidade de excluir a presença de fenocópias que, tal como a MH sarcomérica, poderão eventualmente beneficiar do mesmo tipo de tratamento invasivo, mas cujo prognóstico a médio prazo pode ser bem diferente. Implicará também a caracterização e descrição do tipo de hipertrofia (se apenas confinada ao septo ou mais extensa, envolvendo outras paredes), saber da existência/ausência de história familiar da doença e de morte súbita familiar com ela relacionada e até mesmo considerar os resultados do estudo genético (se «positivo» ou «negativo») nos doentes em que este é realizado. Com efeito, numa doença tão complexa como a MH e na qual tantos fatores podem contribuir para o prognóstico, tais descrições poderão ajudar a compreender melhor a sua evolução após terapêutica invasiva (nomeadamente ASA) bem‐sucedida.

É consensual que nem todos os doentes com MH, obstrução subaórtica e sintomas importantes dela decorrentes serão candidatos (ou beneficiarão) da ablação septal por álcool e a intervenção deverá ser decidida após uma avaliação criteriosa do possível candidato, efetuada por clínicos com experiência no diagnóstico e manejo da doença. Adicionalmente, o tratamento por ASA exige treino e experiência apropriados e, embora em termos de consequências e benefício a longo prazo ainda nem tudo esteja esclarecido, os excelentes resultados da experiência inicial de um centro nacional são uma promessa em termos de opção terapêutica para muitos doentes portugueses com miocardiopatia hipertrófica.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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Ablação septal álcoolica no tratamento da cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva – Experiência de 4 anos de um centro.
Rev Port Cardiol., 33 (2014), pp. 11-13
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