The ‘epidemic’ of heart failure seems to be changing, but precise prevalence estimates of heart failure and left ventricular dysfunction (LVD) in older adults, based on adequate echocardiographic assessment, are scarce. Systematic reviews including recent studies on the prevalence of heart failure and LVD are lacking. We aimed to assess the trends in the prevalence of LVD, and heart failure with reduced (HFrEF) and preserved ejection fraction (HFpEF) in the older population at large. A systematic electronic search of the databases Medline and Embase was performed. Studies that reported prevalence estimates in community‐dwelling people ≥60 years old were included if echocardiography was used to establish the diagnosis. In total, 28 articles from 25 different study populations were included. The median prevalence of systolic and ‘isolated’ diastolic LVD was 5.5% (range 3.3–9.2%) and 36.0% (range 15.8–52.8%), respectively. A peak in systolic dysfunction prevalence seems to have occurred between 1995 and 2000. ‘All type’ heart failure had a median prevalence rate of 11.8% (range 4.7–13.3%), with fairly stable rates in the last decade and with HFpEF being more common than HFrEF [median prevalence 4.9% (range 3.8–7.4%) and 3.3% (range 2.4–5.8%), respectively]. Both LVD and heart failure remain common in the older population at large. The prevalence of diastolic dysfunction is on the rise and currently higher than that of systolic dysfunction. The prevalence of the latter seems to have decreased in the 21st century.
CommentA sustentabilidade dos sistemas nacionais de saúde em todo o mundo industrializado está a ser desafiada pelo aumento absoluto e relativo do número de idosos com doença crónica e múltiplas comorbilidades. São os high users dos serviços de urgência geral e a grande maioria da população habitualmente internada nos serviços hospitalares das várias especialidades médicas.
É consensual que a insuficiência cardíaca (IC) é um problema grave da saúde pública; atinge proporções epidémicas. Envolve 1‐3% da população adulta na Europa e nos Estados Unidos, e a sua prevalência aumenta exponencialmente com a idade, atingindo os 5‐9% dos indivíduos acima dos 65 anos. É expectável que um em cada cinco adultos venha a sofrer de IC ao longo da vida. No fim da década de 90, o estudo Epidemiologia da Insuficiência Cardíaca e Aprendizagem (EPICA) estimou a prevalência global da IC em Portugal continental em 4,36%, com base numa amostra representativa da população portuguesa adulta do ambulatório1. A prevalência estimada da IC por disfunção sistólica ventricular esquerda foi de 1,36% e a da IC com função sistólica preservada de 1,7%. A prevalência global da IC aumenta abruptamente com a idade, sobretudo após os 60 anos, em ambos os géneros (Tabela 1).
Prevalência da IC em Portugal continental por grupo etário e por género
Idade (anos) | Prevalência estimada da IC na população portuguesa adulta (%) | ||
---|---|---|---|
Homens | Mulheres | Ambos os géneros | |
Ceia et al. 20021 | |||
25‐99 | 4,33 | 4,38 | 4,36 |
25‐49 | 1,78 | 0,96 | 1,36 |
50‐59 | 2,20 | 3,58 | 2,93 |
60‐69 | 8,12 | 7,22 | 7,63 |
70‐79 | 14,34 | 11,46 | 12,67 |
>80 | 14,39 | 17,03 | 16,14 |
Por outro lado, é previsível que existam pelo menos outros tantos indivíduos com disfunção cardíaca assintomática (a porção submersa do iceberg), que sem diagnóstico precoce e tratamento adequado evoluirão inexoravelmente para a IC sintomática, doença crónica incapacitante, com (re)internamentos frequentes, compromisso da qualidade de vida e elevada mortalidade2. A IC está identificada como a principal causa de internamento hospitalar após os 65 anos, na Europa e nos Estados Unidos. Sessenta a 80% dos custos com a síndrome, estimados em 1‐3% do orçamento para a saúde dos países industrializados, são atribuídos ao internamento.
A IC é a derradeira fase da maioria das doenças cardíacas, aspeto que, associado aos progressos terapêuticos em geral e nas áreas da própria IC, da hipertensão arterial e da doença das artérias coronárias em particular, e ao aumento da esperança média de vida, sugerem que a prevalência da IC no idoso continue a aumentar, enquanto, nas últimas décadas, a prevalência e a mortalidade global por doença cardiovascular tendem a decrescer no mundo ocidental. Contudo, dados epidemiológicos rigorosos e atualizados sobre a prevalência da IC na população idosa são escassos, tornando‐se difícil quantificar o seu real impacto nos sistemas nacionais de saúde.
É assim da maior importância a análise das tendências epidemiológicas da IC nas várias populações ao longo do tempo, certificando‐nos que compreendemos e acompanhamos a sua história natural e detetamos atempadamente novas tendências, caso ocorram, de forma a adequarmos estruturas da saúde e recursos.
Perante a escassez dos dados referentes à prevalência da IC e da disfunção ventricular adequadamente avaliada por ecocardiografia em adultos após os 60 anos, no ambulatório, Van Riet et al. fazem uma revisão sistemática dos estudos epidemiológicos existentes3. Incluíram os estudos recentes de prevalência da disfunção sistólica ventricular, da IC com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) reduzida e da IC com fração de ejeção do VE preservada, diagnosticadas pela clínica e comprovadas por ecocardiograma, na população geral adulta do ambulatório, com 60 anos ou mais. Estimaram uma prevalência global média para a IC após os 60 anos de 11,8%, que tende a manter‐se estável ao longo dos últimos anos. As prevalências médias da disfunção sistólica do VE e da disfunção diastólica isolada foram de 5,5 e 36,0%, respetivamente. A prevalência da disfunção sistólica do VE terá atingido o seu pico entre 1995 e 2000, (coincidindo com o estudo EPICA) e tende a diminuir no século XXI. A da disfunção diastólica está a aumentar e já é superior à da disfunção sistólica3.
Estes dados, oriundos de uma revisão sistemática com metodologia rigorosa, merecem‐nos algumas considerações.
Confirmam a magnitude do problema da IC e as suas proporções epidémicas para o século XXI, que estarão na génese de gastos consideráveis em recursos para a saúde.
Apesar de alguns países europeus terem vindo a relatar uma melhoria na sobrevida dos doentes com IC, e até alguma estabilização e/ou até diminuição das taxas de 1.° internamento por IC ao longo das últimas décadas4–7, outros, como a Alemanha, relatam um constante aumento do número de internamentos por IC e dos custos inerentes aos mesmos8.
Assumindo‐se a IC com função sistólica preservada, como a forma predominante de IC e em crescendo nos últimos anos, também este aspeto é importante. São doentes mais idosos, predominantemente mulheres, obesas, com múltiplas outras comorbilidades, e mais habitualmente internados em serviços de medicina interna, o que implica necessariamente a formação continuada de equipas multidisciplinares com treino no tratamento da síndrome e das várias comorbilidades. Equipas e estruturas capazes de garantir um atendimento especializado, de proximidade e em tempo útil, aquando das descompensações que sabemos ser recorrentes. Por outro lado, e contrariamente à IC por disfunção sistólica ventricular, nenhum grupo farmacológico demonstrou benefício no tratamento da IC por disfunção diastólica predominante, no que à mortalidade a curto e longo prazo diz respeito. Assim, precisamos de mais e melhor investigação na procura de fármacos capazes de modificar a evolução da doença, uma vez que, até hoje, os ensaios clínicos nesta área foram negativos ou neutros e o seu tratamento continua a ser direcionado, de forma essencialmente empírica, à doença subjacente e aos sintomas9.
Finalmente e sabendo que a IC sintomática representa apenas a porção visível do iceberg (a menor), o desenvolvimento de estratégias de rastreio da disfunção ventricular assintomática nos grupos de maior risco e a prevenção deverão constituir uma prioridade, no sentido de impedir a progressão para quadros de IC sintomática e como forma de conter a epidemia. Potenciais precursoras da IC, como a diabetes, a hipertensão arterial, a doença das artérias coronárias, algumas doenças valvulares, deverão ser sistematicamente pesquisadas ao nível dos cuidados primários de saúde e prontamente tratadas, de acordo com as respetivas Recomendações. Deverão ainda ser disponibilizados aos cuidados primários de saúde os meios necessários para um diagnóstico custo/efetivo da IC, bem como protocolos devidamente articulados de referenciação ao especialista hospitalar dos novos casos de IC, bem como daqueles que levantam dúvidas de diagnóstico e/ou tratamento10.
Este artigo tem ainda o mérito de contribuir para o aumento da perceção, junto dos profissionais de saúde bem como dos decisores, da gravidade da síndrome e da progressiva modificação da epidemiologia da mesma, bem como para a necessidade de um maior e melhor planeamento da abordagem e tratamento da IC, cujo prognóstico continua a ser pior que o do conjunto das doenças neoplásicas malignas. Torna‐se cada dia mais evidente a necessidade de priorizar a IC, na agenda para a saúde, aos vários níveis do sistema nacional de saúde, em Portugal, como em todo o mundo industrializado10.
Conflicts of interestThe author has no conflicts of interest to declare.