Objectives: Bicuspid aortic valve, characterized by valve malformation and risk for aortopathy, displays profound alteration in systolic aortic outflow and wall shear stress distribution. The present study performed 4‐dimensional flow magnetic resonance imaging in patients with bicuspid aortic valve with right‐left cusp fusion, focusing on the impact of valve function on hemodynamic status within the ascending aorta.
Methods: Four‐dimensional flow magnetic resonance imaging was performed in 50 subjects with right‐left bicuspid aortic valve and 15 age‐ and aortic size‐matched controls with tricuspid aortic valve. Patients with bicuspid aortic valve were categorized into 3 groups according to their aortic valve function as follows: bicuspid aortic valve with no more than mild aortic valve dysfunction (bicuspid aortic valve control, n = 20), bicuspid aortic valve with severe aortic insufficiency (n = 15), and bicuspid aortic valve with severe aortic stenosis (n = 15).
Results: All patients with right‐left bicuspid aortic valve exhibited peak wall shear stress at the right‐anterior position of the ascending aorta (bicuspid aortic valve vs trileaflet aortic valve at the right‐anterior position: 0.91 ± 0.23N/m2 vs 0.43 ± 0.12N/m2, P<.001) with no distinct alteration between bicuspid aortic valve with severe aortic insufficiency and bicuspid aortic valve with severe aortic stenosis. The predominance of dilatation involving the tubular ascending aorta (82%, type 2 aortopathy) persisted, with or without valve dysfunction. Compared with bicuspid aortic valve control subjects, the bicuspid aortic valve with severe aortic insufficiency group displayed universally elevated wall shear stress (0.75 ±0.12N/m2 vs 0.57 ± 0.09N/m2, P<.01) in the ascending aorta, which was associated with elevated cardiac stroke volume (P<.05). The bicuspid aortic valve with severe aortic stenosis group showed elevated flow eccentricity in the form of significantly increased standard deviation of circumferential wall shear stress, which correlated with markedly increased peak aortic valve velocity (P<.01).
Conclusions: The location of peak aortic wall shear stress and type of aortopathy remained homogeneous among patients with right‐left bicuspid aortic valve irrespective of valve dysfunction. Severe aortic insufficiency or stenosis resulted in further elevated aortic wall shear stress and exaggerated flow eccentricity (J Thorac Cardiovasc Surg 2017;153:1263‐72).
Comentário«form follows function...»
Entre muitos outros possíveis, selecionei este artigo, por Shan et al.1, porque tenta dar resposta a um problema que cardiologistas e cirurgiões cardíacos encontram com frequência crescente – a necessidade de fazer substituir, ou não, a aorta ascendente no contexto de bicuspidia aórtica. A importância do tema e do artigo em apreço motivou, aliás, dois comentários editoriais a acompanhá‐lo, um por David Tirone2 e outro por Mohamad Alkhouli3, editoriais cuja leitura também recomendo.
Numa válvula aórtica, de base estruturalmente tricúspide, as alterações mantidas do fluxo transvalvular, num contexto de estenose, ou mesmo de insuficiência aórtica, determinam dilatação da aorta ascendente. Esta dilatação dita «pós‐estenótica» deverá ser corrigida aquando da substituição valvular, por substituição da aorta ascendente no mesmo tempo, de acordo com as guidelines atuais. A maior parte dos cirurgiões substitui hoje a aorta ascendente, independentemente do substrato valvular existente, sempre que o calibre da aorta ultrapassa claramente os 50mm. No entanto, Gaudino4 demonstrou numa série de 93 doentes com válvulas aórticas de base normal tricúspide, mas com estenose e dilatação concomitante da aorta ascendente, (entre 50‐59mm), que a substituição da aorta não seria necessária dado que, ao fim de mais de 15 anos volvidos após a substituição valvular, o diâmetro aórtico não terá variado, nem houve necessidade de uma qualquer intervenção sobre a aorta ascendente.
Se a necessidade de substituição da aorta ascendente dilatada poderá ser, eventualmente, discutida em presença de uma válvula tricúspide, já na bicuspidia aórtica existe evidência sustentada para essa necessidade5.
A bicuspidia aórtica é a cardiopatia congénita mais frequente, com uma prevalência na população de cerca de 1,3%, sendo que a dilatação da aorta ocorrerá em percentagens variáveis ao longo da vida, entre 20‐84% dos casos. Com efeito, a bicuspidia aórtica representa um espectro de lesões podendo envolver a válvula, a raiz da aorta, a aorta ascendente e o segmento proximal do arco, e com fenótipos de expressão muito diferentes. O mecanismo de dilatação aórtica será multifatorial: haverá fundamentalmente razões hemodinâmicas baseadas no perfil do fluxo e no stress aórtico, relacionados com a bicuspidia de base e/ou com a disfunção valvular normalmente associada6, mas parece hoje difícil de negar o papel da anomalia genética7.
Todos temos encontrado, no largo espectro da bicuspidia aórtica, doentes com função valvular preservada por muitos anos e sem dilatação da aorta, outros com válvula normofuncionante e com aorta dilatada – este talvez o grupo de decisão mais incerta, outros ainda com lesão valvular com, ou sem, dilatação aórtica. Causas hemodinâmicas e a variação genética parecem, assim, influenciar multifatorialmente, e de modo diferente, esta larga variação fenotípica.
Independentemente do mecanismo parecerá hoje razoável, na bicuspidia com lesão valvular funcional associada e dilatação aórtica, substituir a aorta ascendente para calibres iguais ou superiores a 50mm. Menos definido será o que fazer para calibres inferiores a 50mm, sobretudo em presença de válvulas aórticas bicúspides normofuncionantes, em que a indicação cirúrgica primária é a substituição da aorta ascendente por risco de rutura? O artigo por Shan1, que passaremos agora a comentar, avalia o perfil dos fluxos aórticos e o shear stress na parede da aorta, em doentes com válvulas aórticas tricúspides e em grupos homogéneos de doentes com válvulas bicúspides (com fusão das cuspes esquerda e direita) e aorta ascendente moderadamente dilatada (40mm) – normofuncionantes, com estenose e com insuficiência.
No estudo, utilizou a ressonância magnética nuclear ([RMN] full volume, flow sensitive) – 4D8, tendo verificado que: nas válvulas tricúspides sem lesão o fluxo era normal, central e coesivo; nas válvulas bicúspides normofuncionantes, o fluxo era excêntrico e com trajetos helicoidais a estender‐se pela vertente aórtica anterior‐direita até à origem do arco aórtico.
Este perfil acentuava‐se marcadamente (aumento do shear stress) em presença de estenose ou de insuficiência (sem diferença para qualquer destas). No entanto, na insuficiência o shear stress mostrou‐se ainda maior, talvez pelo aumento do volume sistólico devido à regurgitação.
A dilatação da aorta ascendente foi prevalente em 82% das válvulas bicúspides, independente da presença, ou não, de lesão valvular. A fragilidade aórtica congénita, devida ao genótipo de deficit de fibrilina e associada a um perfil de maior stress hemodinâmico, que é intrínseco à bicuspidia, condicionam a muito prevalente dilatação da aorta. Resta, contudo, explicar a extrema variação, que faz com que nuns doentes o processo ocorra ainda na infância e, noutros, na vida adulta ou na maturidade. Esta variação talvez se deva à diferente penetração genética e a discrepantes perfis hemodinâmicos.
O que o artigo por Shan1 nos ensina de novo é que:
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comparando válvulas aórticas tricúspides e bicúspides, sem disfunção valvular, o shear stress induzido pelo fluxo é claramente superior nas bicúspides – uma característica inerente à bicuspidia aórtica;
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na bicúspidia aórtica, o shear stress na parede anterior‐direita da aorta está muito aumentado, independentemente da coexistência, ou não, de disfunção valvular;
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o perfil dos fluxos na bicuspidia aórtica, com estenose ou insuficiência, é diferente e o stress mural é maior; particularmente na insuficiência valvular, está aumentado difusamente face ao fluxo acrescido, e na estenose o aumento é focal e mais dirigido para a parede anterodireita. Esta diferença poderá ter impactos distintos sobre a parede aórtica, à distância, levando a tipos de dilatação aórtica diferentes;
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finalmente, poder‐se á inferir que, em caso de reparação valvular aórtica, uma configuração tricúspide protegerá mais a aorta do que a preservação da forma bicúspide, devendo estas idealmente contemplar uma geometria a 180°, visando obter fluxos mais laminares9.
Até agora, a substituição profilática da aorta era ditada exclusivamente pelo calibre e ritmo de expansão, mas está aberto caminho para uma maior personalização na decisão, no que concerne à substituição da aorta ascendente, baseada também no facto de existir, ou não, uma lesão valvular associada, tratando‐se de uma estenose ou, mais prementemente e com maior controlo, no caso de insuficiência valvular.
As guidelines hoje prevalentes para lidar com a dilatação da aorta ascendente associada à bicuspidia aórtica com lesão valvular significativa apontam para a sua substituição no mesmo, se o diâmetro for igual ou superior a 45mm10, se a válvula bicúspide é normofuncionante parece razoável esperar até que a aorta ascendente atinja pelo menos 50mm, isto na ausência de crescimento rápido ou de sintomas. É possível na maioria dos casos substituir a aorta, preservando a válvula aórtica.
A RMN 4D parece ser um método útil para avaliar os impactos do perfil de fluxo sobre a aorta, e ajudar no seguimento e decisão, agora personalizada, do momento cirúrgico.
ConclusãoAs válvulas aórticas bicúspides (mesmo as normofuncionantes) estão associadas a um perfil anormal de fluxo, com maior stress parietal aórtico. Este perfil agrava‐se em presença de disfunção valvular, particularmente na insuficiência. Estas considerações devem ser tidas em conta no estabelecer do momento da intervenção para substituição da aorta em contexto de bicuspidia aórtica, que pode agora passar a ser individualizada, e não só baseada no diâmetro.
Conflito de interessesO autor declara não haver conflito de interesses.
J Thorac Cardiovasc Surg. 2017 Jun;153(6):1263‐1272.e1. doi: 10.1016/j.jtcvs.2016.12.059. Epub 2017 Feb 10.