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Vol. 36. Issue 11.
Pages 857-858 (November 2017)
Comentário editorial
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A reperfusão precoce no enfarte agudo do miocárdio implica acesso generalizado à emergência pré‐hospitalar
Early reperfusion in myocardial infarction requires widespread access to prehospital emergency care
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Jorge Ferreira
Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Carnaxide, Portugal
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Inês Silveira, Maria João Sousa, Patrícia Rodrigues, Bruno Brochado, Raquel B. Santos, Maria Trêpa, André Luz, João Silveira, Aníbal Albuquerque, Henrique Carvalho, Severo Torres
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O tempo para a reperfusão no enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (EAM) é um modulador crítico do benefício da terapêutica de reperfusão na manutenção da viabilidade do miocárdio em risco e na preservação da função sistólica ventricular esquerda, que têm impacto na sobrevivência a curto e longo prazo1. Esta evidência foi estabelecida na era da reperfusão farmacológica com agentes fibrinolíticos, que foram posteriormente suplantados pela maior eficácia da intervenção coronária percutânea primária (ICPP) na obtenção de reperfusão com impacto na sobrevivência2, mas com uma aparente menor dependência do tempo para a reperfusão do que a demonstrada pela fibrinólise3. No entanto, com a extensão da ICCP a doentes de risco mais elevado, rapidamente se estabeleceu que o tempo para a reperfusão também é um determinante significativo do seu benefício4, sendo recomendado um tempo máximo de demora do sistema de saúde de 60 minutos para os doentes com menos de duas horas de sintomas e 90 minutos para os restantes doentes5. No entanto, estes tempos de demora não são atingidos numa proporção significativa de doentes submetidos a ICPP, particularmente nos que não acedem à emergência pré‐hospitalar (EPH), e são mesmo pulverizados nos doentes admitidos em centros sem ICPP6.

Neste contexto, o tempo de demora do sistema de saúde, medido desde o primeiro contacto médico até à reperfusão, constitui um indicador de qualidade importante no EAM7. Como determinante da qualidade, deve ser monitorizado continuamente e deve desencadear a aplicação de medidas que visem o atingimento de objetivos pré‐definidos nas guidelines5.

No presente número da revista, Silveira et al.8 analisaram os tempos de demora do sistema e o total para a reperfusão em 764 doentes com EAM tratados com ICPP no seu centro, entre janeiro de 2008 e julho de 2015, bem como a mortalidade hospitalar a um ano. Globalmente, a mediana do tempo para a reperfusão foi de 240 minutos e a mediana da demora do sistema de 85 minutos. Na análise ao cumprimento das recomendações, os autores reportaram 39% de doentes tratados com uma demora do sistema60 minutos e 61% com90 minutos. A mortalidade hospitalar observada foi de 9,2% e a mortalidade adicional a um ano de 3,3%.

A maioria da população recorreu ao hospital por meios próprios (46%) ou transportado pelos bombeiros (7%). Um terço dos doentes recorreu à EPH e os restantes foram transferidos de outras instituições (14%). Os doentes que acederam à EPH apresentaram tempos para a reperfusão (195 versus 286 minutos, p<0,001) e de demora do sistema (61 versus 90 minutos, p<0,001) significativamente inferiores aos dos doentes que não recorreram à EPH, o que se refletiu na taxa de doentes reperfundidos com uma demora do sistema60 (50 versus 34%, p<0,001) e90 minutos (74 versus 55%, p<0,001). A mortalidade a um ano foi menor nos doentes que recorreram à EPH, mas a diferença não foi estatisticamente significativa. No entanto, o impacto do acesso à EPH na redução da mortalidade em doentes com EAM já foi demonstrado noutros estudos realizados em Portugal9.

Na análise da variação temporal, a proporção de doentes que acederam à EPH aumentou de 30% em 2008 para cerca de 50% em 2015, observando‐se uma variação inversa nos doentes que se deslocaram por meios próprios. Apesar dos autores não terem analisado a variação temporal nos tempos de demora para a reperfusão, é de esperar uma evolução positiva, dado o impacto favorável demonstrado pelo acesso à EPH na demora para a ICPP. A nível nacional, o acesso à EPH cresceu de 2,1% em 2002 para 38% em 201210,11 e o acesso à ICPP triplicou entre 2002‐2013, passando de 106 para 338 procedimentos/milhão de habitantes12.

Este progresso no manejo de doentes com EAM assenta no conhecimento da realidade nacional iniciado na década de 90 com a realização dos Registos da Fibrinólise, prosseguido com a criação do Centro Nacional de Coleção de Dados em Cardiologia em 2002, que permitiu a realização dos Registos Nacionais de Síndromas Coronárias Agudas e de Cardiologia de Intervenção10,12, e na implementação de redes de referenciação com monitorização contínua como o Stent for Life11. É também de sublinhar o contributo dado pelos registos de centro único8,9, que são concordantes com os registos nacionais multicêntricos6,11,12 e demonstram, de forma inequívoca, que a reperfusão precoce no EAM em Portugal passa pelo acesso mais generalizado à EPH.

Conflito de interesses

O autor declara não haver conflito de interesses.

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