O presente número da Revista Portuguesa de Cardiologia publica um estudo de Andrade et al1 relativo ao conhecimento sobre a doença cardiovascular em Portugal. Trata‐se de mais uma útil investigação sobre os conhecimentos e atitudes da população acerca da doença cardiovascular, neste caso sobre o acidente vascular cerebral e o enfarte agudo do miocárdio.
O conceito de «literacia em saúde» surgiu já nos anos 1970, mais propriamente em 19742, estreitamente ligado aos conceitos de promoção da saúde. Mas apenas na década de 90 se iniciou uma objetivação do conceito, nomeadamente por parte da OMS, em 1998, «conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da informação, de forma a promover e manter uma boa saúde»3. Em 1999, o Council of Scientific Affairs da American Medical Association define‐a como «capacidade de ler e compreender prescrições, bulas de medicamento, bem como outros materiais essenciais relacionados com a saúde requeridos para, com sucesso, ser possível o funcionamento como doente»4 e, em 2005, Kickbusch et al. definem‐na como «capacidade para tomar decisões fundamentadas, no decurso da vida diária, em casa, na comunidade, no local de trabalho, na utilização dos serviços de saúde, no mercado, no contexto político. É uma estratégia de capacitação para aumentar o controlo das pessoas sobre a sua saúde, a capacidade para procurar informação e para assumir responsabilidades»5. Verifica‐se, deste modo, que o conceito foi evoluindo de uma perspetiva individual para uma perspetiva complementar e integrativa da componente social, capacitando o indivíduo para um processo de decisão informado e responsável das suas escolhas e decisões; é, também, um instrumento indispensável para a capacidade de «navegação» do indivíduo dentro dos sistemas de saúde e respetiva oferta de cuidados de saúde.
Está bem documentada, em inúmeros estudos científicos, a importância da literacia em saúde na promoção da saúde e na prevenção (a todos os níveis) da doença. Aqueles têm evidenciado que as pessoas com baixa literacia em saúde têm, geralmente, défices na capacidade de compreensão dos conteúdos da informação sobre alimentos e fármacos, na «visualização» da concetualização e da estrutura dos cuidados de saúde, na promoção de hábitos de vida saudável e na adoção de medidas preventivas. A baixa literacia em saúde é também fator promotor de uma maior inadequação e utilização dos serviços de saúde, maior dificuldade na comunicação médico‐doente – com correspondente inadequação da compreensão mútua e prejuízo da efetividade diagnóstica e terapêutica –, e resultados em saúde piores. Deste modo, a literacia em saúde tem sido considerada como um fator de enorme importância para uma melhoria do estado de saúde individual e coletiva, através da melhoria dos índices de tarefas (tasks) e competências (skills).
Ao longo dos anos também os conceitos associados à transmissão da informação sobre educação para a saúde foram evoluindo e elementos chaves como a necessidade de desenvolver informação adaptada aos níveis sociais, culturais, demográficos e individuais foram ganhando maior importância (em contraposição às clássicas e algo ineficientes campanhas «globais»). Assim, os conteúdos têm sido progressivamente e especificamente desenhados para cada pessoa ou para cada grupo‐alvo populacional, desmontando e combatendo crenças erradas, enfatizando os benefícios da mudança de atitudes e de comportamentos, com informação e/ou instruções claras, com mensagens motivacionais agradáveis e promotoras de autoconfiança.
Por fim, o estudo inicialmente referido enfatiza, indiretamente, um aspeto chave: a necessidade de medir a «literacia em saúde», condição indispensável para se saber onde, quando e como intervir, possibilitando que essa intervenção tenha maior sucesso, não esquecendo que é indispensável realizar correspondente processo de avaliação dessa mesma intervenção.
Conflitos de interesseO autor declara não haver conflitos de interesses.