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Vol. 35. Núm. 3.
Páginas 141-148 (março 2016)
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Vol. 35. Núm. 3.
Páginas 141-148 (março 2016)
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Consequências clínicas e económicas da utilização de dabigatrano e de rivaroxabano em doentes com fibrilhação auricular não valvular
Clinical and economic consequences of using dabigatran or rivaroxaban in patients with non‐valvular atrial fibrillation
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Luís Silva Miguela,
Autor para correspondência
luissm@cisep.iseg.ulisboa.pt

Autor para correspondência.
, Jorge Ferreirab
a Centro de Investigação Sobre Economia Portuguesa, Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
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Figuras (2)
Tabelas (5)
Tabela 1. Taxas de ocorrência por 100 pessoas‐ano a tomar dabigatrano e riscos relativos de rivaroxabano e ácido acetilsalicílico
Tabela 2. Qualidade de vida
Tabela 3. Dados económicos (€)
Tabela 4. Resultados do cenário principal
Tabela 5. Análise de sensibilidade univariada
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Resumo
Introdução e objetivos

A fibrilhação auricular é uma arritmia supraventricular que aumenta o risco de acidentes vasculares cerebrais isquémicos e de outros eventos tromboembólicos. Recentemente surgiram novas opções cujo custo‐efetividade relativamente à terapêutica tradicional – varfarina – está bem demonstrada. Neste estudo comparam‐se os benefícios clínicos e os custos económicos associados às duas novas opções mais utilizadas em Portugal: dabigatrano e rivaroxabano.

Métodos

Os resultados de uma comparação indireta dos ensaios RE‐LY e ROCKET AF, que permitiu determinar diferenças de eficácia entre dabigatrano e rivaroxabano, foram utilizados num modelo de Markov que simula a evolução dos doentes prevendo a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais isquémicos e hemorrágicos, de acidentes isquémicos transitórios, de embolias sistémicas, de enfartes agudos do miocárdio e de hemorragias intra e extracranianas.

Resultados

A utilização de dabigatrano está associada a melhores resultados clínicos. De facto, a diminuição de eventos reflete‐se numa maior sobrevida (8,41 versus 8,26 anos) e em mais anos de vida ajustados pela qualidade (5,87 versus 5,74). Paralelamente, o menor custo diário de tratamento e a redução de custos com eventos conduzem a uma poupança de recursos valorizada em 367€ por doente, na perspetiva da sociedade.

Conclusões

Os resultados mostram que o dabigatrano constitui uma alternativa dominante, ou seja, permite obter melhores resultados clínicos com menores custos. A análise de sensibilidade demonstra que os resultados são robustos, mesmo quando considerada a incerteza inerente a uma comparação indireta. Assim, é possível concluir que na prática clínica portuguesa a utilização de dabigatrano deve ser preferida à utilização de rivaroxabano.

Palavras‐chave:
Dabigatrano
Rivaroxabano
Fibrilhação auricular
Custo‐efetividade
Portugal
Abstract
Introduction and Objectives

Atrial fibrillation is a supraventricular arrhythmia that increases the risk of ischemic stroke and other thromboembolic events. Recently new treatment options have emerged whose cost‐effectiveness relative to conventional therapy (warfarin) is well demonstrated. This study compares the clinical benefits and economic costs associated with the new oral anticoagulants most used in Portugal: dabigatran and rivaroxaban.

Methods

The results of an indirect comparison of the RE‐LY and ROCKET AF trials, which enabled differences in the efficacy of dabigatran and rivaroxaban to be determined, were used in a Markov model simulating patient outcomes in terms of ischemic and hemorrhagic stroke, transient ischemic attack, systemic embolism, acute myocardial infarction and intra‐ and extracranial bleeding.

Results

The use of dabigatran is associated with better clinical results. The reduction in events is reflected in longer survival (8.41 vs. 8.26 years) and more quality‐adjusted life years (5.87 vs. 5.74), while the lower daily treatment cost and the reduction in event‐related costs lead to a saving of 367 euros per patient from a societal perspective.

Conclusions

The results show that dabigatran is a dominant alternative, i.e., it produces better clinical results at a lower cost. Sensitivity analysis demonstrates that the results are robust even considering the uncertainty inherent in an indirect comparison. It can thus be concluded that in clinical practice in Portugal the use of dabigatran is to be preferred to the use of rivaroxaban.

Keywords:
Dabigatran
Rivaroxaban
Atrial fibrillation
Cost‐effectiveness
Portugal
Quadro de abreviaturas
Acidente isquémico transitório

AIT

Anos de vida ajustados pela qualidade

AVAQ

Acidente vascular cerebral

AVC

Acidente vascular cerebral hemorrágico

AVCH

Acidente vascular cerebral isquémico

AVCI

Duas vezes por dia

bid

Enfarte agudo do miocárdio

EAM

European Medicines Agency

EMA

Embolia sistémica

ES

Fibrilhação auricular

FA

Hemorragia intracraniana

HI

Hazard ratio

HR

Intervalo de confiança a 95%

IC95%

International normalized ratio

INR

Imposto sobre o valor acrescentado

IVA

Uma vez por dia

qd

Risco relativo

RR

Time to therapeutic range

TTR

Texto Completo
Introdução

A fibrilhação auricular (FA) é uma arritmia supraventricular que está na origem do funcionamento descoordenado da aurícula e na degradação da sua função mecânica. Como consequência desta deterioração, os doentes com FA estão sujeitos a um risco aumentado de eventos tromboembólicos, com especial relevância para os acidentes vasculares cerebrais isquémicos (AVCI). De facto, além da FA conduzir a uma incidência de AVCI três a quatro vezes superior, os seus efeitos são mais severos, provocando morte ou incapacidade em cerca de 80% dos doentes e estando associado a uma taxa de mortalidade a um ano de quase 50%1,2. Consequentemente, a prevenção destes eventos é o principal objetivo da anticoagulação oral em doentes com FA. No entanto, é necessário que a terapêutica implementada não conduza a um aumento da incidência de hemorragias intracranianas, com consequências fatais na maioria dos casos3.

Os resultados do estudo FAMA indicam que em Portugal a prevalência global de FA é de 2,5% entre a população com mais de 40 anos, existindo uma clara relação com a idade: 0,2% entre 40‐49 anos; 1,0% entre 50‐59 anos; 1,6% entre 60‐69 anos; 6,6% entre 70‐79 anos; e 10,4% no grupo com 80 ou mais anos4. Naturalmente, esta relação permite supor que o envelhecimento da população conduzirá a um aumento da prevalência global. Por outro lado, e em concordância com os resultados do Euro Heart Survey5, apenas 62% dos indivíduos com FA tinha conhecimento deste diagnóstico – o que se justifica pela possibilidade da FA ser assintomática.

Durante quase 50 anos a principal terapêutica preventiva disponível consistiu na prescrição de anticoagulantes orais, antagonistas da vitamina K, dos quais a varfarina é o mais utilizado. Os dados disponíveis apontam para uma redução do risco de AVCI em 64% quando comparado com placebo e em 38% em comparação com ácido acetilsalicílico6. No entanto, como a eficácia e segurança da varfarina dependem do nível de controlo do International normalized ratio (INR) – dificultado pela dieta alimentar e por interações medicamentosas – uma proporção significativa dos doentes elegíveis não são efetivamente medicados com varfarina, estimando‐se que em Portugal esta proporção seja de 62%4.

O dabigatrano é um inibidor direto reversível da trombina, aprovado na prevenção de AVC ou embolismo sistémico (ES) em doentes com FA com indicação para anticoagulação oral. No ensaio clínico RE‐LY, de comparação direta com varfarina em mais de 18000 doentes, demonstrou um benefício significativo na redução de acidente vascular cerebral (AVC) ou ES com a dose de 150mg duas vezes por dia (bid) (risco relativo [RR]=0,66; intervalo de confiança a 95% [IC95%]=[0,53; 0,82]; p <0,001 para superioridade), verificando‐se que a dose de 110mg bid foi não inferior na prevenção de AVC e ES comparativamente à dose ajustada de varfarina, com uma redução na incidência de hemorragias em ambos os braços de tratamento7,8. A análise dos resultados levou a que a European Medicines Agency (EMA) recomendasse a utilização de 150mg bid para indivíduos menores de 80 anos, sem risco hemorrágico elevado e não medicados com verpamil e de 110mg bid para os restantes9. A reanálise dos resultados do RE‐LY de acordo com esta repartição etária permitiu concluir que o RR de AVCI com dabigatrano é de 0,77 para os menores de 80 e de 0,82 para os restantes. Relativamente ao ES, os riscos relativos obtidos foram de 0,66 e 0,51, respetivamente. Demonstrou‐se ainda que o dabigatrano permite uma diminuição das hemorragias intracranianas superior a 50% em qualquer dos grupos etários (com RR de 0,48 para menores de 80 e de 0,29 para maiores de 80). Pelo contrário, verificou‐se um acréscimo de hemorragias extracranianas na faixa etária mais idosa (RR de 1,44). Com base nestes resultados clínicos as recomendações publicadas em 2012 pela Sociedade Europeia de Cardiologia recomendam o tratamento com dabigatrano em doentes com FA com risco moderado a elevado de ocorrência de um evento10.

O rivaroxabano é um inibidor direto do factor Xa, igualmente aprovado na prevenção de AVCI ou ES em doentes com FA com indicação para anticoagulação oral. O estudo ROCKET AF, com cerca de 14000 doentes, permitiu concluir que o rivaroxabano 20mg qd é não inferior à varfarina na prevenção de AVC e ES (hazard ratio [HR]=0,88; IC95%=[0,75; 1,03]; p <0,001 para não inferioridade; p=0,12 para superioridade). O rivaroxabano permitiu também uma diminuição de hemorragias intracranianas (HR=0,67), mas ficou associado a um aumento de hemorragias major (HR=1,04)11.

Em estudos anteriores foi estimada o custo‐efetividade do dabigatrano12 e do rivaroxabano13versus as alternativas anteriormente disponíveis (varfarina, ácido acetilsalicílico e não tratamento). No entanto, é importante comparar num único estudo os benefícios clínicos e os custos económicos associados a cada um dos medicamentos na prática clínica portuguesa. Tal permitirá auxiliar os prestadores de cuidados de saúde no processo de escolha entre os dois novos anticoagulantes orais mais utilizados em Portugal14.

A comparação direta dos estudos RE‐LY e ROCKET AF é desafiante devido às diferenças das populações, ao desenho e à análise primária dos ensaios. O ROCKET AF incluiu doentes com risco mais elevado de AVCI, diferença manifestada pelo índice de CHADS2 médio (2,1 no RE‐LY versus 3,5 no ROCKET AF). Adicionalmente os doentes em varfarina no RELY obtiveram um melhor período dentro do intervalo terapêutico (time to therapeutic range – TTR) do que os do ROCKET AF (64,4% no RE‐LY versus 55,2% no ROCKET AF).

MétodosDescrição do modelo

O modelo de Markov utilizado neste estudo permite simular a ocorrência dos eventos clínicos mais relevantes no âmbito da FA: morte, AVC isquémico, acidente isquémico transitório (AIT), embolia sistémica, enfarte agudo do miocárdio (EAM), hemorragia intracraniana (incluindo AVC hemorrágico), hemorragia extracraniana e hemorragia minor. Tal simulação é realizada assumindo que em cada ciclo trimestral pode ocorrer apenas um evento (com exceção das hemorragias minor, que podem ocorrer no mesmo período que outro evento).

Assume‐se que os eventos cerebrais (hemorragia intracraniana e AVC isquémico) podem provocar perda de independência, conduzindo a dependência moderada ou completa. As hemorragias intracranianas conduzem ainda à interrupção definitiva do tratamento. Por outro lado, o tratamento pode ser descontinuado temporariamente devido à ocorrência de hemorragias extracranianas ou por outras razões não especificadas. Para qualquer das alternativas, assume‐se que a descontinuação conduz à implementação de terapêutica preventiva com ácido acetilsalicílico.

Dado que simula a evolução da coorte até à morte, o modelo permite estimar os custos, os anos de vida e os anos de vida ajustados pela qualidade (AVAQ) associados às alternativas em comparação – dabigatrano e rivaroxabano. Assim, torna‐se possível calcular o custo incremental por cada AVAQ e por cada ano de vida ganho.

Refira‐se ainda que este modelo – apresentado na Figura 1 – foi inicialmente desenvolvido pela UBC para a comparação de dabigatrano, varfarina, ácido acetilsalicílico e não tratamento, sendo a publicação original referente ao contexto canadiano15 e existindo já adaptações para outros países, como por exemplo Reino Unido16 e Portugal12.

Figura 1.

Modelo de Markov.

(0.27MB).
Dados clínicos

Os dados clínicos utilizados nesta análise são baseados na combinação dos resultados dos ensaios RE‐LY e ROCKET AF, em que a utilização de varfarina com dose ajustada a um INR alvo entre 2,0‐3,0 foi comparada com o uso de dabigatrano (110mg bid ou 150mg bid) e rivaroxabano (20mg qd), respetivamente.

A existência de um comparador comum nos dois ensaios clínicos referidos permite recorrer a métodos de comparação indireta de tratamentos de forma a confrontar os resultados obtidos com dabigatrano e com rivaroxabano. A utilidade deste tipo de comparações aliada à necessidade de implementação de boas práticas metodológicas originou a implementação de uma Task Force da ISPOR (International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research) cujas conclusões se encontram publicadas17,18. Habitualmente, a realização de comparações indiretas requer que os resultados dos ensaios clínicos sejam ajustados de forma a expurgar diferenças nas características das coortes que possam influenciar o prognóstico dos doentes, designadamente a taxa de incidência de eventos. No caso em análise, é ainda necessário considerar o sucesso da manutenção do INR dentro do alvo terapêutico, dado este ser um fator fundamental para a eficácia e segurança da terapêutica com varfarina.

Assim, foi realizada uma comparação indireta19 em que as taxas de incidência dos diversos eventos refletem as características da população incluída no ROCKET AF, com maior risco tromboembólico que a incluída no RE‐LY (índice CHADS2: 3,5 no ROCKET AF e 2,1 no RE‐LY).

Relativamente ao controlo do INR, os resultados obtidos no RE‐LY foram superiores, tendo sido obtido um TTR médio de 64,4% em comparação com 55,2% no ROCKET AF. No entanto, como as diferenças demográficas entre as coortes também influenciam a capacidade de manutenção do INR dentro do intervalo terapêutico, foi utilizado na implementação da comparação indireta um estudo da Food and Drug Administration em que se conclui que o TTR que teria sido obtido no ROCKET AF se tivesse sido incluída uma população similar à do RE‐LY seria de 57,7%20.

As conclusões desta comparação indireta encontram‐se descritas na Tabela 1. Mostra‐se que, em comparação com dabigatrano, o rivaroxabano está associado a um aumento do risco de AVCI em 40%, de hemorragias intracranianas em 166% e de hemorragias extracranianas em 26%. No entanto, relativamente a EAM e a embolias sistémicas, o risco é diminuído em 35 e 50%, respetivamente.a

Tabela 1.

Taxas de ocorrência por 100 pessoas‐ano a tomar dabigatrano e riscos relativos de rivaroxabano e ácido acetilsalicílico

      Dabigatrano  RR versus dabigatrano
        Rivaroxabano  AAS 
AVC isquémico  Índice CHADS2  0,59  1,402,13a
    0,82 
    4/5  1,30 
    1,77 
Embolia sistémica      0,09  0,50  2,91 
AIT      0,72  1,00  1,81 
EAM      1,38  0,65a  1,12 
Hemorragia intracraniana      0,17  2,66a  0,97 
Hemorragia extracraniana      2,19  1,26a  1,06 
Hemorragias minor      10,37  1,00  0,69 
a

Riscos relativos estatisticamente significativos a 95%.

AAS: ácido acetilsalicílico; AIT: acidente isquémico transitório; AVC: acidente vascular cerebral; EAM: enfarte agudo do miocárdio; RR: risco relativo.

Ponderadores de qualidade de vida

A diminuição de eventos proporcionada pelas intervenções terapêuticas em análise permite aumentar a sobrevida dos doentes mas também melhorar a sua qualidade de vida. De facto, por exemplo, a ocorrência de um AVCI tem impacto quer no prognóstico futuro de um indivíduo quer na sua qualidade de vida imediata.

Assim, é importante incluir num estudo de avaliação económica ponderadores de qualidade de vida que permitam estimar os AVAQ. Nesta avaliação, foram utilizados os resultados de uma meta‐análise21 de 20 estudos que mediram a qualidade de vida após a ocorrência de AVCI (permitindo estabelecer ponderadores para cada nível de dependência) e de um estudo que permitiu avaliar o impacto da ocorrência dos restantes eventos22. Os ponderadores utilizados encontram‐se apresentados na Tabela 2.

Tabela 2.

Qualidade de vida

Ponderador de qualidade de vida por nível de dependência
Independente sem história de AVCI  0,81 
Independente  0,65 
Dependente  0,46 
Totalmente dependente  0,30 
Diminuição de qualidade de vida associada a cada evento
AVCI  0,139 
Embolia sistémica  0,120 
AIT  0,103 
Hemorragia intracraniana  0,181 
Hemorragia extracraniana  0,181 
Hemorragia minor  0,004 
EAM  0,125 

AIT: acidente isquémico transitório; AVCI: acidente vascular cerebral isquémico; EAM: enfarte agudo do miocárdio.

Dados económicos

Os dados económicos utilizados correspondem aos anteriormente apresentados no estudo custo‐efetividade de comparação de dabigatrano com varfarina, ácido acetilsalicílico e não tratamento12. Nesse estudo, os autores estimaram o consumo de recursos no tratamento e seguimento de eventos em doentes com FA não valvular recorrendo a um painel presencial de peritos com seis especialistas com experiência clínica no seguimento desta população.

Os custos de seguimento dos doentes e de tratamento dos eventos agudos resultaram da combinação dos recursos identificados pelo painel com os respetivos custos unitários atuais, líquidos de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) (ver Tabela 3). Já os custos diários das terapêuticas em comparação, também líquidos de IVAb, são os que se encontram em vigor: 2,36€ para dabigatrano 110mg bid; 2,46€ para dabigatrano 150mg bid; e 2,47€ para rivaroxabano 20mg qd.

Tabela 3.

Dados económicos (€)

Custo diário das terapêuticas
Dabigatrano 150mg bid  2,46 
Dabigatrano 110mg bid  2,36 
Rivaroxabano 20mg qd  2,47 
Ácido acetilsalicílico 150mg  0,09 
Custo por evento (fase aguda)
AVC isquémico ou hemorrágico  4094,47 
Embolia sistémica  1522,15 
Acidente isquémico transitório  3183,60 
Hemorragia intracraniana  5158,85 
Hemorragia extracraniana fatal  1764,71 
Hemorragia extracraniana  1445,40 
EAM fatal  3153,49 
EAM  3077,06 
Custo trimestral de seguimento
Sem evento  96,93 
Independente  121,48 
Moderadamente dependente  152,02 
Dependente  2879,99 
Custo trimestral de reabilitação após AVCI, AVCH ou HI
Independente
Primeiro ano  82,50 
Moderadamente dependente
Primeiro trimestre  2515,06 
Resto do primeiro ano  1333,00 
Anos seguintes  283,50 
Dependente
Primeiro trimestre  2337,94 
Resto do primeiro ano  1155,88 

AVC: acidente vascular cerebral; AVCH: acidente vascular cerebral hemorrágico; AVCI: acidente vascular cerebral isquémico; bid: duas vezes por dia; EAM: enfarte agudo do miocárdio; HI: hemorragia intracraniana; qd:uma vez por dia.

Deve ser ainda referido que a valorização dos recursos consumidos reflete a perspetiva da sociedade, o que implica considerar a totalidade dos custos independentemente de serem suportados pelo Estado ou pelos doentes.

ResultadosCenário principal

O resultado mais relevante do modelo é a demonstração de que a utilização de dabigatrano na prevenção de eventos tromboembólicos em doentes com FA permite obter melhores resultados clínicos do que a utilização de rivaroxabano na mesma indicação. De facto, o modelo prevê que os doentes medicados com dabigatrano sofrerão menos AVC isquémicos (0,27 versus 0,31), menos eventos cerebrais hemorrágicos (0,03 versus 0,06), menos hemorragias extracranianas (0,24 versus 0,28), embora mais EAM (0,17 versus 0,13) e embolias sistémicas (0,024 versus 0,021).

Como discutido anteriormente, a ocorrência de eventos tem impacto quer no prognóstico quer na qualidade de vida dos doentes, pelo que a sua diminuição permite que os doentes medicados com dabigatrano tenham uma sobrevida superior (8,41 versus 8,26 anos) e que usufruam de mais AVAQ (5,87 versus 5,74).

Em termos económicos, a utilização de dabigatrano também apresenta vantagens. Estas são decorrentes do facto de a menor ocorrência de eventos permitir um menor consumo de recursos no seguimento dos doentes e no tratamento de episódios agudos (ver Tabela 4). No entanto, e apesar de ter um custo diário de tratamento inferior, a maior esperança de vida conduz a um custo total de tratamento superior. De facto, ao longo da vida, o uso preventivo de dabigatrano permite poupar 367€ por doente, resultantes de um aumento do custo de tratamento em 150€ e de uma diminuição de 518€ no custo com eventos e respetivo acompanhamento. Assim, sendo mais efetiva e mais barata, a opção pela utilização de dabigatrano é dominante. Os resultados detalhados são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4.

Resultados do cenário principal

  Dabigatrano  Rivaroxabano  Diferença 
Anos de vida  8,41  8,26  0,14 
AVAQ  5,87  5,74  0,13 
Custos totais (€)  11856  12223  –367 
Comparadores (€)  5292  5142  150 
Eventos (€)  2037  2285  –249 
Acompanhamento (€)  4527  4796  –269 

AVAQ: anos de vida ajustados pela qualidade.

Análise de sensibilidade

Como em todas as avaliações económicas, os resultados apresentados no cenário principal são condicionados pelas hipóteses assumidas. Assim, é essencial realizar uma análise de sensibilidade que permita avaliar a dependência do resultado relativamente a essas mesmas hipóteses.

Relativamente a alguns parâmetros, como as probabilidades de ocorrência de eventos, cuja incerteza pode ser caracterizada por uma distribuição estatística, é possível recorrer a uma análise de sensibilidade probabilística avaliando simultaneamente o impacto de diferentes ocorrências de cada parâmetro. Além de permitir analisar a incerteza de forma simultânea, este método possibilita calcular a percentagem de simulações em que o rácio custo‐efetividade é inferior à disponibilidade a pagar estabelecida.

Porém, existem outros parâmetros como a taxa de atualização e o horizonte temporal, sobre os quais é habitual realizar uma análise de sensibilidade univariada que permita avaliar o impacto de se assumirem valores alternativos. Tal deriva do facto de serem parâmetros cuja incerteza não é passível de ser representada por uma distribuição estatística. Refira‐se que, no cenário principal, se optou por seguir as orientações metodológicas portuguesas23 utilizando uma taxa de atualização de 5% e um horizonte temporal que permita simular a evolução dos doentes até à morte.

Quanto aos custos, não existindo razão teórica que impeça que a incerteza seja caracterizada através de uma distribuição, o facto de terem sido obtidos através de um painel de peritos inibe este procedimento. Assim, optou‐se por também analisar o seu impacto no resultado recorrendo a uma análise de sensibilidade univariada.

Os resultados obtidos na análise de sensibilidade univariada encontram‐se descritos na Tabela 5, podendo constatar‐se que o dabigatrano é dominante em qualquer dos cenários. Na análise de sensibilidade probabilística, ilustrada pela Figura 2, repete‐se a conclusão: 99,8% das 1000 simulações resultam numa situação de dominância do dabigatrano.

Tabela 5.

Análise de sensibilidade univariada

  Cenário baseTaxa de atualizaçãoHorizonte temporalCustos
  3%  7%  10 anos  15 anos  +20%  –20% 
AV incrementais  0,14  0,18  0,12  0,07  0,11  0,14  0,14 
AVAQ incrementais  0,13  0,16  0,11  0,07  0,11  0,13  0,13 
Custo incremental  –367  –411  –330  –310  –372  –471  –264 

AV: anos de vida; AVAQ: anos de vida ajustados pela qualidade.

Figura 2.

Análise de sensibilidade probabilística.

(0.1MB).
Discussão

Dado que não existem ensaios de comparação direta realizados, a única forma de comparar a utilização de dabigatrano com rivaroxabano na população com FA não valvular é realizar uma comparação indireta que permita simular os efeitos clínicos dos dois medicamentos num contexto equivalente.

Naturalmente, este tipo de análises são sujeitas a maior incerteza, o que se reflete no número de riscos relativos apresentados na Tabela 1 que não são estatisticamente significativos a 95%. No entanto, a sua realização é imprescindível caso se pretenda que a escolha dos prestadores de cuidados de saúde entre as duas alternativas seja informada e baseada em dados científicos. De facto, a mera comparação dos riscos relativos obtidos no RE‐LY e no ROCKET AF omitiria as diferenças basais das coortes e, mais importante, o facto de o TTR dos doentes medicados com varfarina em cada ensaio ser substancialmente diferente (com consequente diminuição da eficácia e segurança da varfarina no ROCKET AF, originado riscos relativos da terapêutica com rivaroxabano melhores que os que seriam estimados se o TTR obtido neste ensaio clínico tivesse sido superior).

Por outro lado, o modelo utilizado já foi submetido a diversas autoridades que utilizam os resultados das avaliações económicas de medicamentos como input no seu processo de decisão de comparticipação, o que robustece os resultados agora obtidos. Realce‐se também que estes são consistentes com os obtidos na avaliação independente conduzida sob a égide da Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health24.

Os resultados deste estudo parecem ser contraditórios com os publicados nas avaliações económicas em que dabigatrano12 e rivaroxabano13 foram comparados com um comparador misto composto por varfarina, ácido acetilsalicílico e não tratamento. De facto, o custo por AVAQ obtido com rivaroxabano (6.697€) é inferior ao reportado para dabigatrano (8.409€). No entanto, tal deriva de diferenças substanciais nos custos de monitorização do INR. A utilização de valores iguais – assumindo os do estudo referente ao rivaroxabano – conduz a um custo por AVAQ de 5.108€ quando se compara dabigatrano com o comparador misto referido, obtendo‐se mesmo uma relação de dominância se a comparação for apenas com varfarina.

Finalmente, o facto de os custos decorrentes do AVCI serem menores em Portugal do que noutros países, designadamente aqueles para os quais já se encontram publicadas avaliações económicas similares15,16, mas também os incluídos no estudo elaborado pela European Heath Network25, conduz a que os resultados do dabigatrano sejam inferiores. Tal acontece por um dos benefícios mais marcados deste medicamento ser exatamente a prevenção do AVCI, que é o evento com maiores consequências clínicas e económicas.

Conclusões

Os resultados obtidos neste estudo de avaliação económica mostram que o dabigatrano é melhor do que o rivaroxabano na terapêutica preventiva de eventos tromboembólicos em doentes com FA não valvular. Tal acontece sobretudo devido a possibilitar uma menor incidência de AVCI e de hemorragias intracranianas e das consequentes sequelas de longo prazo.

Globalmente, os ganhos clínicos traduzem‐se numa maior esperança de vida (0,14 anos) e no usufruto de mais AVAQ (0,13 AVAQ). Em termos económicos, os resultados mostram que o dabigatrano também origina poupanças, o que o torna numa alternativa dominante, dado ser mais efetivo e mais barato. Adicionalmente, a análise de sensibilidade univariada mostra a robustez dos resultados obtidos, sendo o dabigatrano dominante em todos os cenários. Aliás, mesmo na análise de sensibilidade probabilística – que incorpora a incerteza associada à estimação dos riscos relativos – a relação de dominância mantém‐se em quase todas as simulações.

Assim, pode concluir‐se que o dabigatrano é uma opção melhor do que o rivaroxabano na prevenção de eventos tromboembólicos em doentes com FA não valvular na prática clínica portuguesa.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Financiamento

O financiamento deste estudo foi assegurado pela Boehringer Ingelheim, Lda. e não foi condicional à obtenção de nenhum tipo específico de resultados.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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Relativamente aos acidentes isquémicos transitórios e às hemorragias minor, os dados clínicos disponíveis não permitiram estabelecer diferenças entre dabigatrano e rivaroxabano.

O valor do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) não é incluído porque corresponde a uma mera transferência entre os agentes financiadores e o Estado, não constituindo um custo com cuidados de saúde.

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